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Por que tintas claras colaboram com o conforto térmico nas edificações?

Absorção e reflexão da radiação solar são aspectos-chave para a escolha das cores por arquitetos e construtores. Tintas brancas absorvem apenas 20% do calor enquanto as pretas chegam a 98%, aquecendo os ambientes

Publicado em: 13/04/2021Atualizado em: 16/11/2022

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Fachada pintada com tintas claras
A aplicação de cores claras nas fachadas traz benefícios que vão além do conforto térmico (Foto: elxeneize/Shutterstock)

O uso de cores claras para a pintura de fachadas, telhado e cobertura das edificações promove conforto térmico nos ambientes, reduzindo o uso de ar-condicionado. Essa é a principal conclusão do estudo da engenheira Kelen Almeida Dornelles, professora doutora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. A tabela resultante de suas pesquisas é, inclusive, utilizada pelo Procel Edifica – Programa Nacional de Eficiência Energética em Edificações, criado em 2003 pelo governo federal. Objeto de sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concluída em 2008, o tema é estudado por ela ainda hoje, ampliado para os diversos materiais de revestimento, impermeabilização e telhas.

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Lamato preço

“No doutorado, fiz comparações de reflexão e absorção de radiação solar de tintas para pintura de fachadas com produtos acrílicos e PVA. Na época, os consumidores utilizavam mais a PVA por ter preços menores, apesar de ser indicada para interiores. Trabalhei, também, com as foscas e semibrilho. A ideia inicial era que, tendo mais brilho, poderia refletir mais. No entanto, os resultados mostraram variações. A conclusão é que esse desempenho está diretamente relacionado à composição química das tintas e não ao brilho”, diz a pesquisadora, acrescentando que produtos com brilho refletem mais a luz e não o calor.

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Cores claras x escuras

Para medir e comparar a quantidade de luz absorvida, transmitida ou refletida pelas tintas, ela utilizou um espectrofotômetro, aparelho onde a tinta é inserida. “Foi possível comprovar que as cores claras, de maneira geral, vão refletir mais a radiação solar do que as escuras, pois estas absorvem mais”, ressalta. Uma fachada pintada de preto absorve 98% da radiação, ou seja, praticamente tudo o que chega de energia (calor), refletindo apenas 2%. Consequentemente, a temperatura dessa parede aumenta e ela passa a ser um emissor de calor para os ambientes internos do edifício e, também, para o externo.

A radiação emitida pela parede é um infravermelho longo, que aquece o ar ao seu redor
Kelen Almeida Dornelles

“A radiação emitida pela parede é um infravermelho longo, que aquece o ar ao seu redor. É o mesmo princípio do calor emitido pelo asfalto que está a altas temperaturas e acaba por criar ilhas de calor nas cidades”, explica. Na comparação com as fachadas cortinas em vidro refletivo, o material funciona como um espelho, refletindo a radiação no mesmo ângulo, no momento em que é atingido. Contribui, assim, para o aquecimento das superfícies próximas, como os prédios do entorno. A transmitância térmica das fachadas escuras ou de vidros será maior quanto menor for sua espessura. “Ao encostarmos nelas, sentimos que está bem quente”, observa.

A absortância da radiação solar foi medida por Dornelles em dois edifícios vizinhos: um branco e outro azul escuro. “Com a temperatura do ar na faixa dos 30 °C, a parede pintada de branco fica em torno de 40 °C. Já a fachada azul escuro chega tranquilamente nos 80 °C, e a preta atinge 90 °C por volta das 13 h de um dia quente”, relata. As consequências vão além do aquecimento dos ambientes internos, podendo gerar problemas estruturais com a dilatação dos materiais da sua construção. Muitas vezes aparecem fissuras nas paredes e descolamento do revestimento cerâmico mais escuro, em decorrência do comprometimento da argamassa por conta das grandes variações de temperatura.

Fachada pintada com tintas claras
A absortância da radiação solar pode gerar problemas estruturais (Foto: Kelen Almeida Dornelles)

Os estudos mostraram, também, que não é necessário usar apenas o branco. Qualquer cor clara, em tons pastéis, tem absorção de até 50%, lembrando que o branco absorve entre 15 e 20%. O amarelo claro e o marfim atingem entre 30 e 50%. Acima desse percentual estão as cores mais vivas, escuras, que podem ser o mesmo amarelo, verde ou azul, porém, intensos. “O vermelho vai absorver 70%”, relata Dornelles que se surpreendeu com os resultados das tintas no tom branco gelo: a absortância ficou entre 35% em algumas marcas e até mais de 50% em outras. A explicação é que o branco gelo tem pigmentos de cor cinza na sua composição, mas ainda compõem o grupo de cores claras.

Gráfico

Temperatura interna

De acordo com Dornelles, não é possível afirmar, de maneira genérica, o quanto de calor passa das fachadas escuras para os ambientes das edificações. “Em primeiro lugar, porque depende da espessura e dos materiais das paredes. O projeto de arquitetura e a implantação do edifício no terreno também interferem: se há ventilação cruzada ou não, se a fachada recebe o sol da tarde ou apenas o da manhã”, expõe. É possível, no entanto, calcular o fluxo de calor por metro quadrado que passa pela parede para o ambiente.

Diante dessas condicionantes, a pesquisadora alerta arquitetos e construtores para anúncios de tintas ou mantas de isolamento térmico que prometem a redução de um determinado número de graus no interior dos imóveis. “Não tem como afirmar isso, como fazem os fabricantes de tintas chamadas de térmicas. Eles não podem dizer que, por exemplo, ao pintar o telhado com sua tinta, a temperatura interna cairá 5 °C dentro da casa”, diz. A única forma verdadeira é o fabricante relatar os resultados obtidos em estudo de caso, ou ensaio, simulando condições reais.

Além disso, afirmar que uma tinta é isolante térmica é um conceito errado, pois ela não trabalha com condução do calor, mas com o índice de refletância. “E foi o que mostrou, no meu pós-doutorado, a comparação entre tintas brancas com as produzidas com microesferas cerâmicas. Estas, por sua baixa espessura após a aplicação, têm impacto mais evidente na reflexão da radiação solar”, relata.

Medi a absortância do granito polido e do sem polimento. O polido mostrou maior índice de reflexão, devido à granulometria da superfície. O mesmo vale para as paredes com textura que, mesmo brancas, vão absorver mais calor
Kelen Almeida Dornelles

Segundo Dornelles, o comportamento dos materiais de revestimento de fachadas é similar ao das tintas. A diferença está apenas na rugosidade de cada um: quanto mais rugoso, maior a absorção do calor. Mesmo sendo branco, ele vai absorver mais do que se a parede fosse lisa. “Medi a absortância do granito polido e do sem polimento. O polido mostrou maior índice de reflexão, devido à granulometria da superfície. O mesmo vale para as paredes com textura que, mesmo brancas, vão absorver mais calor”, revela.

Telhados

Casas térreas ou até mesmo sobrados têm área de telhado mais exposta ao sol do que as fachadas. Portanto, o impacto da cobertura é muito maior no conforto térmico nos ambientes. Já nos edifícios altos, as fachadas contribuem diretamente para o aquecimento dos ambientes das unidades e somente o apartamento do último pavimento será impactado pela cobertura. A constatação ensina que a arquitetura deve trabalhar com seleção de cores, sem perder o aspecto estético dos edifícios. “Por exemplo, um prédio em que os dormitórios recebem todo o sol da tarde e aquecem deve ter esta fachada pintada em cores claras. E o arquiteto fica à vontade para especificar as cores que desejar para as demais”, indica a pesquisadora, que não vê necessidade de pintar uma casa ou prédio inteiros de branco para promover o conforto térmico.

Ela chama a atenção para o fato de que os tons mais claros nas coberturas implicam maior frequência da manutenção. As pesquisas identificaram que a reflexão de um telhado pintado de branco será menor após um ano, pois a telha acumulou sujeira e deixou de ser branca. Para manter o mesmo índice inicial, será preciso executar uma limpeza e/ou repintar. O prazo, no entanto, varia em função da localização do imóvel. No litoral, por exemplo, é comum a proliferação de fungos na cobertura, escurecendo-a ou deixando-a esverdeada, o que exige mais cuidados com a pintura.

Solução econômica e branca é a cal. “O problema é que a cal não resiste ao tempo, o que faz dela uma alternativa temporária. Ou seria preciso reutilizá-la com frequência e acaba ficando mais caro do que a tinta”, comenta. Por outro lado, são raros os fabricantes que divulgam os dados de absorção e reflexão das tintas que produzem. “Somente medindo é que conseguimos saber quais as de melhor desempenho térmico. Essas informações não aparecem nos rótulos, mas deveriam estar ali, oferecendo opções aos consumidores”, afirma Dornelles. Há exceções, como as indústrias que fornecem tintas para construtoras financiadas pela Caixa Econômica Federal, obrigadas a comprovar a refletância do produto. Ou, que suas tintas ou mantas térmicas serão usadas na cobertura de edifícios candidatos à certificação LEED de impacto ambiental.

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Colaboração técnica

Kelen Almeida Dornelles
Kelen Almeida Dornelles – Professora Doutora no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - IAU/USP, São Carlos - Brasil, pertence à área de concentração Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia. Membro das linhas de pesquisa Projeto, Inovação e Sustentabilidade, Desenvolvimento e Avaliação de Produtos, Sistemas e Processos e é líder do grupo de pesquisa TROPICUS - Grupo de pesquisa em conforto, energia e ambiente construído. Atualmente é Professora Visitante na Università degli Studi di Perugia, junto ao CIRIAF Research Centre e o Environmental Applied Physics Lab (2020-2021) na cidade de Perúgia, Itália. É membro titular da Comissão de Graduação do IAU-USP (2017-2020), vice-presidente da Comissão de Coordenação da Biblioteca do IAU (2018-2020) e vice coordenadora da Comissão Coordenadora do PAE no IAU-USP (2018-atual). Revisora dos periódicos: Solar Energy, Sustainable Cities and Society, Revista Ambiente construído, Revista PARC, e Revista RISCO e Membro do Comitê de Assessoramento do CNPq. Possui dois Pós-doutorados pelo IAU/USP (2012 e 2014), Doutorado em Engenharia Civil pela UNICAMP (2008), Mestrado em Construção Civil pela UFSCar (2004) e graduação em Engenharia Civil pela UFSM (2001). Research Visiting Scholar nas seguintes instituições internacionais: Lawrence Berkeley National Laboratory (Berkeley, CA, USA, 2012), Centre Scientifique et Technique du Bâtiment - CSTB (Grenoble, França, 2006), Institut National de L'Énergie Solaire - INES (Chambéry, França, 2006), Ecole d'Architecture de Toulouse (Toulouse, França, 2006), Escola Técnica Superior d'Arquitectura de Barcelona (Barcelona, Espanha, 2006), Laboratório Nacional de Engenharia Civil - LNEC e Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação - INETI (Lisboa, Portugal, 2006), e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (Porto, Portugal, 2006). Apoio científico: projetos contemplados por instituições de fomento como FAPESP, CNPq, CAPES, USP e Santander. Experiência acadêmica e profissional na área de Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia com ênfase em Desempenho Térmico de Edifícios, Conforto Térmico e Sustentabilidade no Ambiente Construído. É orientadora no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do IAU/USP.