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Como especificar piso cerâmico para áreas de alto tráfego?

Primeira providência é analisar as condições exatas de exposição e uso. Verificar com o fabricante a compatibilidade entre o tipo de local e o produto selecionado também é prática recomendada, assim como checar a resistência à abrasão

Publicado em: 27/03/2023

Texto: Eric Cozza

foto de uma pessoa segurando uma espátula e uma tabua com argamassa líquida em cima
Pisos cerâmicos para áreas de alto tráfego demandam cuidados de especificação, assentamento, uso e manutenção. A classificação PEI, relacionada ao índice de resistência à abrasão, é um quesito importante, mas há outros aspectos técnicos, como o coeficiente de atrito, espessura, resistência, manchamento e ataque químico (Imagem: Shutterstock)

O Brasil é o segundo maior consumidor de revestimentos cerâmicos no mundo. Ocupa, além disso, a 3ª posição em produção e o 7º lugar no ranking internacional das exportações. Trata-se de um material de acabamento amplamente utilizado em todo o País. Isso não significa, entretanto, que a especificação, o assentamento, o uso e a manutenção dispensem recomendações técnicas.

Quando se trata de pisos cerâmicos para áreas de alto tráfego, em estabelecimentos comerciais ou industriais, existem cuidados específicos. É preciso, por exemplo, verificar a classificação PEI, que está relacionada ao índice de resistência à abrasão do piso.

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Mas como garantir uma boa especificação? Há cuidados especiais para o assentamento? O que dizem as normas técnicas a respeito? Para nos ajudar a compreender melhor o assunto, nós convidamos para o podcast AEC Responde a engenheira química Amanda Neme, que é especialista no ramo de revestimentos cerâmicos, incluindo produtos para uso industrial, assentamento, rejuntamento e novas tecnologias construtivas.

AECweb – Como especificar piso cerâmico para área de alto tráfego? Qual análise deve ser feita para escolher o produto adequado?

Amanda Neme – O primeiro ponto é olhar, de maneira geral, para as condições de exposição e uso do piso. É muito comum verificarmos uma especificação errônea, que levou mais em conta, por exemplo, o aspecto estético. Não se pode ignorar referências e características técnicas. E deve-se avaliar o sistema de revestimento cerâmico como um todo, incluindo base, camadas intermediárias, argamassa e rejunte, e não apenas a placa de maneira isolada. Como o sistema tem que ser aderido? Como deve ser assentado para, de fato, garantir a vida útil? No mercado, em geral, ficou muito consagrada a tabela PEI, que é um índice de desgaste visual. Trata-se, na verdade, de uma análise complementar e não a única para uma especificação. O PEI não, necessariamente, limita o uso. É uma característica de qualidade estética. A primeira providência é sempre avaliar o local. Se quero especificar um piso de alto tráfego, por exemplo, em uma indústria, é fundamental verificar a recomendação do fabricante. Se não encontrar, entre em contato com o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) e procure tirar a sua dúvida diretamente com a fábrica. O PEI, de fato, é uma característica importante, mas existem outros quesitos técnicos que são até mais relevantes, como o coeficiente de atrito, espessura, resistência, manchamento e ataque químico. Para uma boa especificação, é preciso olhar a situação de entorno, as características de uso e verificar se aquele produto é mencionado pelo fabricante como adequado para o tipo de local.

AECweb – Em relação ao coeficiente de atrito, ao tamanho e formato das peças, há alguma recomendação específica?

Amanda – O coeficiente de atrito é uma característica que chamamos de resistência ao escorregamento. Lembrando que o fato de uma pessoa cair ou um carro patinar no revestimento é um fenômeno relacionado também ao uso e não apenas à placa. O piso colabora ou prejudica, mas não é o único fator. Vamos supor que eu especifique um piso de alto tráfego em um shopping ou em uma área de deck de uma piscina de hotel e coloco ali um piso com baixo coeficiente de atrito. Isso pode promover maior número de ocorrências de acidentes e problemas. Se eu coloco um piso com alto coeficiente de atrito, já reduzo essa possibilidade. Mas não elimino completamente. Por quê? Vamos supor que a limpeza não é frequente e a manutenção é baixa. Isso vai gerar uma camada de gordura ou sujeira e aquela nata de água de chuva, misturada com um pouco de planta, pode gerar um limo, ou seja, criar uma película e reduzir a área de contato com o pé ou um calçado. Repare que, neste caso, a especificação do piso está de acordo: a situação é provocada por uma questão de uso e operação. Então, para evitar acidentes, precisamos eliminar diversas variáveis, entre elas a questão do coeficiente de atrito, adequado para aquela condição. Pense, por exemplo, em um piso de alto tráfego em uma área interna de um shopping center. Não se trata de uma área molhada. Então, eu não preciso especificar um produto de alto coeficiente de atrito compatível com uma área molhada. Posso empregar o coeficiente de atrito indicado para área seca. Mas por quê? Quanto maior o coeficiente de atrito, o piso é mais rugoso. E tal característica, a rugosidade, prejudica um outro quesito: a limpabilidade. Algo que segura o pé ou um calçado para evitar quedas também mantém a sujeira. Em uma área interna, vou dificultar a limpeza. Se for um deck ou uma praça pública em área aberta, é diferente. Preciso permitir que as pessoas possam caminhar numa chuva com menor tendência de cair, com mais resistência ao escorregamento. Preciso verificar, então, o coeficiente de atrito para área molhada. São duas características diferentes, informadas pelos fabricantes, que precisam ser consideradas na especificação: área seca ou molhada.

AECweb – E o formato das peças?

Amanda – Há uma tendência de crescimento do uso de grandes formatos. Não há uma relação 100% obrigatória de trabalhar com pequenos formatos para áreas de alto tráfego, mas apenas uma orientação. As placas maiores tendem a possui menor área de juntas, o que melhora a questão estética, a limpabilidade e o aspecto visual, mas promove menos áreas de acomodação. Com grandes panos de piso, você precisa desenhar juntas de dilatação apropriadas para aquela movimentação cíclica do piso: o aquecimento e dilatação durante o dia e o resfriamento e a contração durante a noite. Você precisa ter áreas de escape: as juntas. O tamanho e o formato das peças estão associados ao projeto executivo e à necessidade de alívio de tensões, inclusive em áreas residenciais. Uma placa grande vai se movimentar e precisa ter esses escapes. Mas, repito: não há nenhuma restrição, obrigatória, de formato.

AECweb – Há alguma diferença no processo de assentamento dos pisos indicados para áreas de alto tráfego? Alguma recomendação especial?

Neme – Há recomendações especiais de assentamento. Vamos falar, de novo, no projeto executivo. Primeiro: em que base o revestimento cerâmico está sendo assentado? Monolítica, piso elevado, metálica ou um contrapiso de alto desempenho? Tudo isso vai implicar em precauções ou algumas limpezas prévias para o assentamento. Outro ponto importante que consta das normas técnicas: para o assentamento de piso, parede interna ou fachada, de acordo com o formato, é obrigatória a dupla colagem. Dá mais trabalho, consome mais argamassa, a produtividade pode eventualmente ser afetada – isso depende mais do treinamento da equipe –, mas é necessária. A dupla colagem consiste em passar uma camada de argamassa na base e outra na peça. Isso é fundamental, principalmente para pisos de alto tráfego, mesmo que o formato seja pequeno. Vai aumentar a colagem e a área de contato da placa com argamassa. Se eu não tiver o amassamento dos cordões, um bom contato com argamassa, não faço uma boa colagem. Fico com vazios, furos, espaços ocos, que podem gerar quebras em pisos e descolamentos em paredes internas. Vai promover a entrada de água e a proliferação de bactérias. E isso pode gerar uma série de patologias futuras.

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AECweb – Qual deve ser a vida útil dos pisos cerâmicos para áreas de alto tráfego? E como garantir o desempenho durante todo esse período, sem patologias ou problemas de uso?

Neme – Não há, hoje, um requisito de vida útil para pisos de alto tráfego. Existe a Norma de Desempenho, que é focada em habitação residencial e não para grandes áreas públicas ou comerciais com alto tráfego de pessoas. Mas a NBR 15575 acabou gerando um padrão no mercado brasileiro. O texto indica que, no caso de piso, a vida útil mínima é de 13 anos. Para o nível superior da norma, acima de 20 anos. Mas é importante ressaltar: não se trata exclusivamente da placa, mas do sistema piso como um todo, incluindo a base, camadas intermediárias, argamassa e rejunte. Demanda, portanto, uma boa execução e respeito às normas de assentamento para garantir a vida útil, que também deve estar associada à manutenção preventiva. Os fabricantes de placas declaram os procedimentos necessários para cada avaliação – anual, bianual ou a cada 5 anos – visando garantir os 13 anos de vida útil. A Anfacer (Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres) possui um manual de desempenho, com indicações de inspeções e manutenções periódicas. A indústria de argamassa colante e de rejunte também oferece indicações e referências técnicas. São as manutenções periódicas que vão garantir a vida útil. Não basta uma especificação bem-feita.

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Colaboração técnica

Amanda Neme – Graduada em engenharia química pela Escola de Engenharia Mauá, possui mestrado profissional em “Gestão da Competitividade: Linha Sustentabilidade” pela Fundação Getúlio Vargas. Técnica em cerâmica, possui mais de 25 anos de atuação no ramo da construção civil, com ênfase em revestimentos cerâmicos. Experiência em diversas áreas da indústria, em associações de classe e entidade sem fins lucrativos, com atuação em laboratório, organismo acreditado e instituto de pesquisa. Nos últimos anos, tem atuado como consultora em projetos de sustentabilidade e em engenharia.