Quais são as normas técnicas relacionadas à acústica?
NBR 10151 e 10152 são os textos específicos mais empregados. Norma de Desempenho, a 15575, lançada em 2013, é referência para construtores e incorporadores
Pandemia da Covid-19 e o consequente crescimento do home-office aumentaram as exigências acústicas dos moradores e usuários de imóveis. Recomendação para incorporadores e construtores é sempre contratar o projeto de acústica (Imagem: Shutterstock)
Problemas com o desempenho acústico das edificações costumam preocupar moradores e usuários de imóveis há muito tempo. Com o advento da Norma de Desempenho, há cerca de 10 anos, surgiu um marco relevante na área. Para muitos, um verdadeiro ‘divisor de águas’.
Incorporadoras e construtoras passaram a se debruçar com mais cuidado sobre o assunto, temerosas do risco de eventuais processos e ações judiciais, com base nas exigências mínimas da NBR 15575.
Em resumo: o que antes era encarado como algo mandatório apenas para obras específicas, como estúdios, teatros, cinemas e salas de concertos, passou a fazer parte do cotidiano das empresas que atuam no segmento residencial.
Com a pandemia da Covid-19, em 2020, e o consequente crescimento do home-office, as pessoas começaram a passar muito mais tempo em casa. A preocupação com a acústica que, antes se resumia a algumas horas, passou a ser ainda maior e incluir também o exercício profissional dentro da própria moradia.
Mas como funciona a normalização técnica nessa área? Quais são os textos que devem ser conhecidos, não apenas por projetistas e consultores, mas também por engenheiros civis e arquitetos em geral?
Para nos ajudar com tais questões, convidamos para o podcast AEC Responde o arquiteto Marcos Holtz, sócio-diretor da Harmonia Acústica e vice-presidente de atividades técnicas da ProAcústica. Ouça o podcast e/ou leia entrevista na íntegra, a seguir:
AECweb – Quais são as principais normas técnicas relacionadas à acústica no Brasil?
Marcos Holtz – A principal norma é a ABNT NBR 10151, que traz os níveis sonoros permitidos para a vizinhança e possui força de lei, visto que está referenciada em uma resolução do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) de 1990. É a norma brasileira de acústica mais aplicada porque, toda vez que alguém liga para a prefeitura ou para a polícia reclamando do som do vizinho, de um supermercado, da casa noturna ou de um show, esse é o texto utilizado como referência para fazer a avaliação e, se for caso, aplicar alguma multa. Temos também a NBR 10152, que está mais focada no lado de dentro dos edifícios. Qual é o nível sonoro adequado, por exemplo, para um quarto no qual a pessoa vai dormir? A norma traz requisitos de pressão sonora para escolas, indústria, comércio, escritórios, para todo tipo de aplicação. Há uma tabela com três folhas. Seria muito importante que os arquitetos e engenheiros a conhecessem, pois a norma está vigente e define o nível sonoro ideal para cada tipo de uso. Em 2013, entrou em vigor a obrigatoriedade da NBR 15575, a Norma de Desempenho, que trata do edifício residencial em si. Traz ali requisitos que devem ser atendidos não apenas pela área de acústica. É uma norma muito extensa, com 6 partes, na qual se fala bastante a respeito da parte acústica, porque havia um grande vazio a respeito. Não havia nenhum tipo de regulamentação e a 15575 ocupou esse espaço, oferecendo critérios tanto para a questão do isolamento acústico de fachada quanto entre as unidades habitacionais. Tanto para ruídos aéreos – caso, por exemplo, de uma festa ou de um sistema de som – quanto de impacto, como aquele barulhinho do salto alto ou da patinha de cachorro. Você consegue desenvolver o projeto, executar e, depois, verificar o desempenho e o atendimento à norma com medições e ensaios.
“Primeira providência é contratar um projeto que calcule previamente os desempenhos acústicos. Às vezes, recebemos construtores desesperados, com a obra em andamento, que descobriram que precisavam atender às exigências de acústica. Quando o problema já está instalado, muito pouco pode ser feito para corrigir”Marcos Holtz
AECweb – O senhor concorda com a ideia de que a Norma de Desempenho, NBR 15.575, é um divisor de águas para a acústica no Brasil? Por quê?
Holtz – Os 10 anos de Norma de Desempenho já trouxeram muitos resultados. Primeiro porque, agora, a acústica é algo que está na pauta. Quando vão fazer um projeto, as pessoas sabem que existe uma norma com critérios de acústica para serem atendidos. O texto trouxe algo que não existia e para todos os padrões de construção. Não importa se você está fazendo habitação popular, médio ou altíssimo padrão. Todos têm que seguir. Ampliou muito a aplicação da acústica na construção civil brasileira, pois todos os edifícios residenciais têm a obrigação de respeitar os critérios ali definidos. Posso elencar várias mudanças que aconteceram no mercado de 2013 para cá. Uma delas: o padrão construtivo subiu. Tínhamos uma janela aqui em São Paulo que eram 2 folhas de alumínio e uma de vidro. Uma coisa horrível, praticamente banida, visto que dificilmente seria possível atender qualquer critério acústico ou térmico. Tínhamos lajes com L’nTw (indicador para desempenho acústico ao ruído de impacto) de 90 dB, sendo que o máximo aceitável hoje é de 80 dB. E olha que, internacionalmente, esse ainda é um nível bastante permissivo. No caso de ruído aéreo, o critério é bem mais razoável: 45 dB entre unidades, que proporciona um conforto para os usuários, mesmo para o critério mínimo da norma. No nível superior, então, realmente é um nível muito bom: 55 dB de isolamento entre unidades. Outro ponto relevante: até 2013, tínhamos poucos laboratórios de acústica. Sou vice-presidente técnico de atividades técnicas da ProAcústica. Começamos nosso programa interlaboratorial com 5 ou 6 laboratórios. No ano passado, já tínhamos 30. Já temos também uma faculdade de engenharia acústica com muitos profissionais sendo preparados para o mercado. Os caixilhos melhoraram muito, existem blocos acústicos e o segmento do drywall investiu bastante para divulgar os dados de seus produtos. O próprio material técnico que recebíamos dos fabricantes melhorou. A NBR 15575 também trouxe uma série de normas a reboque, que só existiam em inglês, como no caso das medições. Trata-se de uma família enorme de normas, como a NBR 16283, em três partes; a NBR ISO 717; a NBR ISO 16032; a família da NBR ISO 3382, entre várias outras que foram traduzidas para o português.
“Nossa ideia na ProAcústica é elaborar um sistema de etiquetagem da construção, da mesma maneira que já existe para a eficiência energética da habitação, do ar-condicionado ou da geladeira. Queremos criar um selo com o desempenho acústico do empreendimento imobiliário”Marcos Holtz
AECweb – Sob a ótica do construtor e do incorporador, quais são os principais pontos de atenção em relação à acústica?
Holtz – Primeira providência é contratar um projeto que calcule previamente os desempenhos acústicos. Às vezes, recebemos construtores desesperados, com a obra em andamento, que descobriram que precisavam atender às exigências de acústica. Quando o problema já está instalado, muito pouco pode ser feito para corrigir. Vai gastar muito dinheiro para reparar. O melhor, portanto, é tratar esses assuntos ainda na fase de projeto, observando as exigências da Norma de Desempenho. Esse é o primeiro ponto. O segundo, também essencial, é seguir o projeto à risca...
AECweb – Executar exatamente como foi projetado...
Holtz – Para evitar correr riscos no futuro. Se há alguma dúvida, por exemplo, em como construir um piso flutuante, chama o consultor, convoca o fabricante para explicar como se faz. Temos, inclusive, o Manual ProAcústica de Recomendações Básicas para Contrapisos Flutuantes, com uma série de detalhes construtivos que você pode aplicar em áreas molhadas. O terceiro ponto é medir, ou seja, verificar quão perto você chegou e aprimorar o sistema de qualidade dentro da construtora. Fazer as medições periódicas, checando se o sistema corresponde, de fato, ao projeto. O problema da construção civil no Brasil é o caráter artesanal, principalmente nos padrões médio e alto. No caso das empresas que atuam no programa Minha Casa Minha Vida, as companhias já se adaptaram à realidade da industrialização. A construção popular foi pioneira na adoção de processos construtivos mais modernos, rápidos e com menos desperdício. Isso ajuda a acústica. Quanto mais padronização, temos menos frestas, mais controle das espessuras, dos pesos, das paredes e das uniões. Quanto mais bem construída e sólida for a construção, menor o risco de não atendimento à norma.
As pessoas também perguntam:
Como se tornar um projetista de acústica?
AECweb – Há normas técnicas internacionais que servem de referência para o mercado brasileiro?
Holtz – Sim, tem bastante coisa. Eu represento Brasil no ISO/TC 43/SC 2, que é o Building Acoustics e lá tem várias normas em desenvolvimento. Estamos trabalhando, por exemplo, em uma norma sobre como fazer um projeto acústico. Deve ajudar bastante as pessoas que vão contratar um projeto na área: entender como funciona o fluxo das entregas e o que se deve esperar de um projeto acústico. Além disso, todas essas normas que eu mencionei, recentemente traduzidas, estão em revisão. Quando saírem em inglês, vamos preparar, rapidamente, a tradução para o português. Há também uma norma muito interessante, que traz a classificação acústica do empreendimento residencial, em diferentes classes, tipo A, B, C, D e E. Nossa ideia na ProAcústica é elaborar um sistema de etiquetagem da construção, da mesma maneira que já existe para a eficiência energética da habitação, do ar-condicionado ou da geladeira. Queremos criar um selo com o desempenho acústico do empreendimento imobiliário. É uma a ideia para os próximos anos. Esperamos contribuir com a estratégia de ESG (Environmental, Social and Governance ou Ambiental, Social e Governança) das empresas com os critérios de desempenho acústico, térmico e lumínico. Já estou em conversa com o professor Lamberts (professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina e supervisor do Laboratório de Eficiência Energética em Edificações, o labEEE) para viabilizarmos essa iniciativa.
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Colaboração técnica
- Marcos Holtz - Sócio-diretor da Harmonia Acústica, é arquiteto e técnico em edifícios. Participou como autor de mais de 1000 projetos de acústica. Mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, é vice-presidente de atividades técnicas da ProAcústica, relator da Revisão da Parte Acústica da NBR 15575 e membro da Acoustical Society of America (ASA).