Quais são os principais riscos da informalidade na construção civil?
Imbróglios trabalhistas, tributários e de segurança e saúde do trabalho podem impactar a operação de empresas construtoras e incorporadoras. Tomar decisões embasadas reduz probabilidade de prejuízos
A construção civil é uma atividade, por natureza, sem local fixo de produção, de caráter temporário e que depende de centenas de serviços específicos. A soma de tais características, aliada ao predomínio, no Brasil, de sistemas construtivos artesanais, sempre foi um prato cheio para a informalidade – entendida como tudo aquilo que está em desacordo com a legislação ou regulamentos específicos.
Não é fácil gerir uma empresa com altos custos de contratação e demissão, simplesmente trocando as equipes de uma etapa para outra da obra ou de um canteiro para o outro. Em tese, a subcontratação de fornecedores especializados deveria resolver a maior parte dos problemas. Só que alguns riscos permanecem e nem sempre são devidamente identificados pela construtora, incorporadora ou contratante da obra.
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Mas quais são os principais riscos da informalidade na construção civil? É possível ser uma empresa séria e longeva operando, por vezes, à margem da lei?
Para falar sobre o assunto, nós convidamos para o podcast AEC Responde a advogada tributarista e contadora Martelene Carvalhaes Pereira e Souza, sócia e fundadora da MLF Consultoria Tributária, especializada na construção civil. Ouça o áudio e/ou leia entrevista na íntegra, a seguir:
AECweb – Quais são os principais riscos da informalidade na construção civil?
Martelene Carvalhaes Pereira e Souza – Vou colocar aqui, mas não necessariamente em uma ordem de importância. Temos o risco trabalhista, que faz parte da rotina da construção civil. A informalidade costuma levar o trabalhador a buscar, posteriormente, o direito dele na Justiça. Hoje, devemos ficar muito atentos também ao risco tributário. Porque a informalidade também leva à sonegação de tributo, que é crime. No caso, o tributo que está sendo sonegado é a contribuição previdenciária, tão importante para o nosso sistema de Previdência Social, por causa dos benefícios que são pagos. A Receita Federal tem implementado um sistema muito eficiente de controle da informalidade com o e-Social e o Sped (Sistema Público de Escrituração Digital). O risco tributário é grave e atinge os dois lados: de quem paga e de quem recebe. São duas sonegações. E temos outro assunto relevante, que envolve diretamente a vida: a segurança e saúde do trabalho. A Receita já trabalha com SST e possui um controle muito eficiente de acidentes de trabalho e programas de prevenção aos riscos que o trabalhador está submetido. Temos, portanto, três principais eixos – trabalhista, tributário e de segurança e saúde do trabalho – que exigem muita gestão e uma administração eficiente.
“O risco é utilizar de forma inadequada. Tanto o PJ como o MEI, se não forem aplicados nos casos corretos, podem trazer prejuízos significativos para as empresas”Martelene Carvalhaes Pereira e Souza”, (MLF Consultoria Tributária)
AECweb – A chamada ‘pejotização’ e a contratação de MEIs (microempreendedor individual) continuam sendo riscos para as empresas do setor? E o contrato intermitente? Funciona?
Martelene – Pejotização é um termo utilizado pelos juízes do trabalho para caracterizar e identificar fraudes: quando você contrata um trabalhador, como se fosse um empregado, e paga com nota fiscal de pessoa jurídica. Isso teve uma evolução porque nós tivemos uma Lei, a 11.196, que foi até objeto de ação de inconstitucionalidade e que acabou tendo uma conclusão boa: as empresas poderiam pagar o profissional liberal como pessoa jurídica. Tenho uma tese sobre isso, que envolve principalmente o engenheiro na obra. MEI e pejotização são a mesma coisa, porque, em ambos os casos, paga-se o trabalhador, atuando como empregado, com nota fiscal. Mas a utilização de MEI é boa e pode ser feita na construção civil, mas com todo o cuidado, sem inventar e nem criar novos riscos. Não pode, por exemplo, contratar mestre de obra como MEI. Ou um profissional liberal. Os riscos da contratação de MEI estão mais focados na incompreensão, na identificação incorreta. MEI é um empresário. Não é um empregado e não está subordinado. Temos casos de clientes que contratam MEI, mas apenas para aqueles serviços que só podem ser feitos por uma pessoa. O risco é utilizar de forma inadequada. Tanto o PJ como o MEI, se não forem aplicados nos casos corretos, podem trazer prejuízos significativos para as empresas.
“Quando uma construtora tem uma obra fora de sua cidade, por exemplo, poderia utilizar o contrato intermitente. Seria uma ótima solução. O procedimento é simples, não tem risco nenhum e a empresa não carrega passivo trabalhista, porque quita a cada conclusão de serviço.”Martelene Carvalhaes Pereira e Souza”, (MLF Consultoria Tributária)
AECweb – E o contrato intermitente?
Martelene – Era minha grande esperança. Trinta anos trabalhando na construção civil e eu tinha uma proposta, junto com o SindusCon-SP, de legalizar o serviço temporário, permitindo essa contratação dentro da construção civil. Em 2017, a reforma trabalhista trouxe o contrato intermitente e eu pensei que havíamos resolvido o problema. Ocorre que o setor tem sido resistente, tanto os contratantes quanto, por vezes, os contratados. Chegam a preferir colocar o funcionário sem registro, com riscos muito maiores, do que fazer uma coisa nova. Quando uma construtora tem uma obra fora de sua cidade, por exemplo, poderia utilizar o contrato intermitente. Seria uma ótima solução. O procedimento é simples, não tem risco nenhum e a empresa não carrega passivo trabalhista, porque quita a cada conclusão de serviço. Mas há uma certa resistência. Eu espero que ainda pegue no Brasil todo, porque é uma boa alternativa para a construção.
“O ciclo operacional do setor é longo. Se o processo, iniciado com a reforma constitucional, vai começar em 2026 e terminar em 2033, é um período no qual temos que começar a visualizar o que vai afetar, de fato, a construção civil”Martelene Carvalhaes Pereira e Souza”, (MLF Consultoria Tributária)
AECweb – O setor está vivendo um problema estrutural de falta de mão de obra. Isso pode estimular a informalidade, com os chamados pagamentos ‘por fora’, que têm sido cada vez mais monitorados pela Receita Federal?
Martelene – Pelo contrário. Na minha visão, a falta mão de obra estimula a formalidade. Durante o período do boom imobiliário, vivenciamos isso. Era uma época de pleno emprego e isso aumentou a formalização, porque as empresas se preocuparam mais em segurar os funcionários. Mão de obra escassa estimula a formalidade. Outro ponto importante que gostaria de acrescentar se refere ao pagamento do prêmio. Já foi reconhecido pelos juízes o pagamento por tarefa, por produção. Tudo de acordo com a lei. E isso faz com que a informalidade seja reduzida, porque o prêmio não tem verba trabalhista e nem tributária. A única coisa que pega é o imposto de renda, mas temos administrado o IR na fonte dos trabalhadores que ainda resistem ao prêmio. Tal possibilidade veio junto com o contrato intermitente. As duas medidas foram muito boas e, de 2017 para cá, têm ajudado a reduzir a informalidade, com a utilização da rubrica de prêmio para o pagamento das tarefas.
Se, em meados dos anos 1990, uma placa cerâmica de 45 x 45 cm era considerada grande, hoje é possível encontrar formatos de até 3,20 m no Brasil. Ferramentas, materiais específicos e cuidados especiais ajudam a evitar problemas para os aplicadores (Imagem: Shutterstock)
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AECweb – A reforma tributária foi recém-aprovada pelo Congresso Nacional. Já é possível saber quais serão os principais impactos na operação das empresas de construção e incorporação?
Martelene – É um pouco complicado falar sobre isso nesse momento porque a reforma aprovada altera a Constituição Federal. E a Constituição não cria tributos. Quem faz isso são os entes tributantes. A reforma é um processo que já começou, mas ainda está em andamento. Demos o primeiro passo. Unificar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços) certamente vai atingir o setor de serviço. Não vejo alternativa de não haver aumento de carga tributária, principalmente na construção civil. Quanto ao tributo único federal, também há uma preocupação, porém, mais a longo prazo, não para 2026, mais para frente, relacionada ao PIS e Cofins que vai comprometer as empresas de incorporação por causa do RET (Regime Especial de Tributação para incorporações imobiliárias), que é a melhor tributação existente no Brasil: 4% sobre a receita bruta recebida. E esse percentual inclui o PIS e Cofins, que foram extintos. Foi tudo unificado em um único tributo federal. Não vejo como não atingir o setor. Temos que focar o planejamento tributário, tanto na área de incorporação imobiliária quanto de construção civil. Devemos começar a pensar nessas possibilidades, porque o ciclo operacional do setor é longo. Se o processo, iniciado com a reforma constitucional, vai começar em 2026 e terminar em 2033, é um período no qual temos que começar a visualizar o que vai afetar, de fato, a construção civil.
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Colaboração técnica
- Martelene Carvalhaes Pereira e Souza – Advogada tributarista e contadora, atua exclusivamente na construção civil. É autora dos livros “INSS da Construção Civil”, “Desoneração da Folha de Pagamento da Construção Civil” e “PA, SPE, SCP e Consórcio na Construção Civil”. Sócia da MLF Consultoria Tributária, da MLF Auditores Independentes e da MC Sociedade de Advogados. Professora em cursos de MBA e pós-graduação da construção civil, ministra cursos para o setor em todo o País.