Madeira Legal e Sistemas de Certificação
Maria José de Andrade Casimiro Miranda e Ligia Ferrari Torella di Romagnano – Laboratório de Tecnologia e Desempenho de Sistemas Construtivos do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Coordenação técnica: Adriana Camargo de Brito
Comitê de revisão técnica: Adriana Camargo de Brito, Cláudio Vicente Mitidieri Filho, José Maria de Camargo Barros, Luciana Oliveira e Maria Akutsu
Apoio editorial: Cozza Comunicação
25/11/2021 | 16h30 - O Brasil é reconhecido mundialmente pela biodiversidade de suas florestas, mas ainda há pouco conhecimento a respeito da origem da madeira e o tipo de pressão que o uso indiscriminado de certas espécies pode causar ao meio ambiente, seja pela sua extinção, seja pela forma predatória de exploração.
Notícia veiculada na mídia aponta para um crescimento de madeira apreendida no Estado de São Paulo na ordem de 300% para os primeiros meses de 2021 [1].
Vários fatores podem contribuir para este aumento, como corrupção, falta de estrutura de fiscalização, falhas humanas, fragilidades do sistema de controle, problemas de governança pública e grilagem de terras [2]. Há sem dúvida a necessidade de identificar os gargalos, atualizar e rever ações que minimizem esta prática, como exemplos no Estado de São Paulo, o “Programa Madeira Legal” e o “Cadmadeira”.
O Programa Madeira Legal, criado em 2009 por meio de protocolo de cooperação entre 23 signatários, é composto por entidades do setor da construção civil e madeireiro, sociedade civil e dos governos estadual e municipal de São Paulo. Esse programa incentivou o uso da madeira de origem legal e certificada tendo como foco a construção civil em São Paulo, envolvendo e capacitando associações de classe, produtores e distribuidores da madeira, assim como desenvolvendo mecanismos de controle, como a exigência da documentação legal, ou seja, a apresentação do Documento de Origem Florestal – DOF [3] e, no caso do estado de São Paulo, o cadastro das pessoas jurídicas que comercializam produtos de origem florestal no Cadmadeira, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente.
O DOF foi instituído pela Portaria No 253 de 18 de agosto de 2006, do Ministério do Meio Ambiente – MMA, vigorando atualmente a Instrução Normativa IBAMA No 9 de 12 de dezembro de 2016. Constitui-se de licença obrigatória para o transporte e armazenamento de produtos florestais de origem nativa, inclusive carvão vegetal nativo. Este documento contém informações sobre a procedência desses produtos considerando os termos do art. 36 da Lei No12.651 de 25 de maio de 2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa) e é emitido eletronicamente por meio do sistema DOF, disponibilizado via internet pelo IBAMA, sem ônus financeiro aos setores produtor e empresarial de base florestal.
O sistema DOF funciona como uma ferramenta contábil que registra o fluxo de créditos concedidos em autorizações de exploração florestal, em sistema de conta corrente, desde o lançamento do volume inicial, no local de extração ou de entrada no País via importação, até o ponto de saída do fluxo, ou seja, seu consumo final deixando de ser objeto de controle florestal.
Os critérios e procedimentos do uso do DOF são regrados por Instruções Normativas do IBAMA válidas para todos os estados que o utilizam [4].
Entretanto, há estados que possuem sistemas próprios para emissão de documento de controle do transporte e armazenamento de produtos florestais, desde que atendam a Resolução Conama No 379 de 19 de outubro de 2006. São eles: Pará e Mato Grosso, que utilizam o SISFLORA, e Minas Gerais, que utiliza o SIAM [5].
Um passo importante para instituir a prática da legalidade, incentivando ações em favor do comércio responsável, minimizando as pressões negativas sobre as florestas nativas devido ao desmatamento ilegal, foi a criação do Cadmadeira (Cadastro de Comerciantes de Madeira Nativa do Estado de São Paulo), instituído pelo Decreto Estadual No 53.047 de 2008, de adesão voluntária, porém, obrigatória para empresas que comercializam madeira destinadas a obras públicas do município e estado de São Paulo. O Cadmadeira tem como objetivos: 1) possibilitar aos consumidores e o setor público identificar as empresas cadastradas, 2) incentivar as empresas a se regularizarem, 3) regulamentar as compras públicas estaduais de madeira nativa de origem legal, e 4) atuar como instrumento do Estado para controle de origem destes produtos comercializados no seu território [6].
O Cadmadeira proporciona: demonstrar o comprometimento com o meio ambiente, distinguir as empresas que comercializam a madeira de forma responsável, garantir a participação nas compras públicas (estaduais e municipais) e a possibilidade de obtenção do Selo Madeira Legal concedido pela SIMA (Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente) a partir de uma vistoria de pátio na qual se verificam, a validade do cadastro no Cadmadeira, saldo de madeira no sistema DOF (espécies, tipo, volume) e compatibilidade com o estoque existente na empresa, organização de pátio, entre outros itens [7].
Cabe ressaltar que a melhor garantia da legalidade e utilização racional das florestas é relacionada aos sistemas de certificação, porque consideram a origem, a exploração e observam o cumprimento de requisitos e normas de instituições certificadoras internacionais, que vão além da legalidade e são acompanhados em relação ao seu desempenho por meio de avaliações anuais.
O selo verde ou certificação florestal, como é chamado, garante que as operações de manejo florestal da empresa atendem e cumprem critérios socialmente justos, economicamente viáveis e ambientalmente corretos [8].
Há três tipos de modalidades de certificação: manejo florestal, cadeia de custódia e madeira controlada.
Na certificação do manejo florestal, nas operações de uma determinada área, há uma avaliação dos aspectos ambientais, sociais e econômicos do manejo florestal, descritos nos princípios e critérios de instituições certificadoras internacionais. Quando as operações florestais de uma empresa específica atendem a esses critérios, ela está apta a receber um certificado e tem direito a usar o selo de certificação, ou seja, o selo verde.
A outra modalidade, a certificação de cadeia de custódia, atinge além da certificação das operações florestais, a rastreabilidade da matéria-prima da floresta em todas as etapas de transformação do produto até o consumidor final. Esse processo visa a assegurar que os materiais certificados não se misturem com materiais não certificados.
No FSC, a modalidade de certificação “Madeira Controlada” determina que, em produtos rotulados como “Misto”, não sejam consumidas madeiras de origem inaceitável, como aquelas originadas de: 1) colheita ilegal; 2) violação de direitos civis e tradicionais; 3) originadas de florestas de alto valor de conservação, ameaçadas pelas atividades de manejo florestal, 4) colhidas de florestas naturais que são convertidas em plantações e outros usos não florestais e, 5) colhidas de florestas geneticamente modificadas [8].
A certificação é voluntária e deve ser vista como um diferencial e não como uma garantia da qualidade do produto para a venda. Assim, a certificação não garante ao consumidor a qualidade do produto, a qualidade do serviço e o preço. Entretanto, a madeira com origem comprovada é uma garantia de uso de material sustentável, pois os procedimentos utilizados seguem as diretivas dos órgãos ambientais conforme as políticas nacionais do Ministério do Meio Ambiente.
No Brasil, para comprovar a origem da madeira por meio da certificação, estão disponíveis dois sistemas:
• FSC – Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal) – organização independente, não governamental, sem fins lucrativos, criada para promover o manejo florestal responsável ao redor do mundo; e
• CERFLOR – Sistema de Certificação Florestal Brasileiro – lançado em 2002, foi desenvolvido dentro da estrutura do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – SINMETRO, que tem como órgão que estabelece as suas políticas, o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO e como órgão executivo central, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, autarquia federal ligada ao MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Há também organizações não governamentais que buscam orientar as empresas interessadas em controlar a origem da madeira que consomem. Um destes programas, o SIM – Sistema de Implementação de Verificação Modular é oferecido pela WWF-Brasil para facilitar, estimular e apoiar empresas e comunidades da Amazônia a obterem a certificação FSC. Este programa faz parte da Rede Global de Floresta e Comércio (GFTN – Global Forest & Trade Network), consórcio que reúne organizações não governamentais visando implementar melhores práticas no assunto e promover atuação responsável nas áreas de manejo e comércio [9].
Para quem quer se aprofundar no tema, o FSC Brasil oferece para o público alguns cursos abertos, com conteúdo atualizado, qualificado e integrado as ações diárias do sistema, nos quais é possível acessar conceitos, normas e documentos do FSC com discussão de casos e simulações práticas.
(Foto: Agência Brasil)
É importante ressaltar que o consumo da madeira ilegal tem como consequências injustiças sociais, desmatamento predatório, evasão fiscal, dentre outros impactos negativos.
Dessa forma, fica a dica para os usuários: adquirir madeira somente de empresas que possam comprovar a sua origem, seja através de certificação legal ou de um plano de manejo aprovado pelo IBAMA, com apresentação de Nota Fiscal/DOF.
(Foto: Rhett A. Butler/Mongabay )
REFERÊNCIAS
[1] Notícia disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/apreensao-de-madeira-ilegal-pela-pm-ambiental-aumenta-quase-300-no-primeiro-trimestre/
[2] ADEODATO, S., MORIZONI, M., BETIOL, L.S., VILLELA, M. Madeira de ponta a ponta: o caminho desde a floresta até o consumo. São Paulo, SP : FGV-ERA, 2011. 128p.
[3] Programa Madeira é Legal – Lições de promoção da madeira legal e certificada junto ao setor da construção civil. WWF-Brasil. Brasília: WWF-Brasil, 2015.
[4] Documento de origem florestal – DOF. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/flora-e-madeira/dof. Data de acesso: setembro de 2021.
[5] Resolução CONAMA No 379. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/RE0379-191006.PDF. Data de acesso: setembro de 2021.
[6] Cadmadeira. Disponível em: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/madeiralegal/cadmadeira/o-que-e/. Data de acesso: setembro de 2021.
[7] Selo Madeira Legal. Disponível em: https://www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/madeiralegal/cadmadeira/selo-madeira-legal/. Data de acesso: setembro de 2021.
[8] FSC Forest Stewardship Council Conselho de Manejo Florestal. Encarte.
[9] ZENID, G. J. (coord). Madeira Uso sustentável na construção civil. 2ª edição. São Paulo : IPT/SVMA. 2009. (Publicação IPT : 3010).