Acidente na ciclovia Tim Maia poderia ter sido evitado
Realização de estudos mais aprofundados sobre a força das ondas teria diminuído riscos de colapsos na via carioca
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Força da onda do mar causou desabamento de parte da pista da ciclovia Tim Maia (lazyllama / shutterstock.com)
O desabamento de parte da pista da ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, representa um sinal de alerta à engenharia brasileira. Para o engenheiro Gilberto Mascarenhas Barbosa do Valle, membro da diretoria da Associação Brasileira de Pontes e Estruturas (ABPE), embora fosse difícil prever uma ressaca tão poderosa como a ocorrida naquele ponto da Avenida Niemeyer, a realização de estudos prévios mais aprofundados poderia ter evitado o acidente. “O responsável pelo projeto básico teria que providenciar pesquisas que detalhassem o efeito do mar na estrutura”, complementa.
Relatórios enviados ao Tribunal de Contas do Município (TCM) pela Fundação Instituto de Geotecnia – GEO-Rio, órgão da Secretaria Municipal de Obras, podem esclarecer parte do problema. Esses documentos mostram que os cálculos estruturais levavam em consideração que ondas de até cinco metros atingissem os pilares, que permaneceram intactos após o acidente. O que os projetistas não previram foi que a água, ao se chocar com a encosta, pudesse ganhar energia e alcançar a pista da ciclovia Tim Maia com força muito maior.
O responsável pelo projeto básico teria que providenciar pesquisas que detalhassem o efeito do mar na estruturaGilberto Mascarenhas Barbosa do Valle
Peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) chegaram à conclusão de que a pista estava solta sobre os pilares. Para Mascarenhas, no entanto, não se trata de erro primário, uma vez que até agora ninguém foi capaz de citar o valor do esforço que deveria ter sido considerado no projeto sobre a estrutura, nem como se chegar a esse número.
Ele lembra que, durante o período de execução da obra, os responsáveis pelos trabalhos e a equipe de fiscais estiveram por 18 meses na região onde o acidente aconteceu e não foi constatada nenhuma ocorrência de movimento do mar que levantasse a suspeita de que algo pior pudesse acontecer.
ALTERNATIVAS
Além da realização dos estudos mais aprofundados, existem outras opções que poderiam ter evitado a tragédia, segundo Mascarenhas, como a execução de um difusor ou similar – solução empregada para amortecer os efeitos de ondas sobre estruturas a jusante. Ancorar a ciclovia na rodovia que corre ao lado seria “inviável, por impossibilitar o uso de estrutura pré-moldada, que devido à repetitividade é a alternativa mais conveniente”, ressalta.
O RISCO PERMANECE?
O engenheiro não acredita que o acidente coloca em xeque outros trechos da obra, mas destaca ser importante que técnicos especializados realizem estudos sobre os efeitos de ondas ao longo dos sete km de extensão da ciclovia Tim Maia. “Como ainda não existem normas nacionais que especifiquem quais esforços devem ser considerados no projeto de uma estrutura como esta, é possível recorrer a normas estrangeiras ou publicações que tratam de estruturas em zonas de mares revoltos. Os documentos talvez possam indicar os caminhos mais adequados”, recomenda.
Como ainda não existem normas nacionais que especifiquem quais esforços devem ser considerados no projeto de uma estrutura como esta, é possível recorrer a normas estrangeiras ou publicações que tratam de estruturas em zonas de mares revoltosGilberto Mascarenhas Barbosa do Valle
RECONSTRUÇÃO
A Prefeitura do Rio de Janeiro, interessada em reconstruir o trecho acidentado da ciclovia Tim Maia, encomendou estudo técnico ao Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH). O trabalho já concluído aponta que a resistência da nova obra deverá ser 12 vezes maior do que a original. A parte da pista que desabou tinha estrutura de 0,55 toneladas por m2, e o relatório indica 6,6 toneladas por m2 como o número ideal.
Para chegar ao valor, o INPH usou como referência estudos das ondas nos últimos 100 anos na região. A maior força registrada no período teve pressão equivalente a 4,4 toneladas por m2. Para refazer o trecho, o instituto afirma ser necessário aplicar fator de segurança de 1,5, o que explica a recomendação de 6,6 toneladas por m2. O INPH também sugere a utilização de sistema de alerta que interrompa o tráfego na ciclovia quando a intensidade das ondas aumentar.
RECORDE O ACIDENTENo dia 21 de abril, um trecho de cerca de 26 m de extensão da ciclovia Tim Maia, na Avenida Niemeyer, zona sul do Rio de Janeiro, foi derrubado de uma altura de 25 m pela força das ondas do mar, matando duas pessoas. A fatalidade aconteceu três meses após a inauguração da obra, que custou R$ 44 milhões aos cofres públicos. Pelo histórico de comportamento do mar naquela região, não era de se esperar a ocorrência de ondas tão fortes, a ponto de levantar o tabuleiro e derrubá-lo.
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- Gilberto Mascarenhas Barbosa do Valle– Formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Participou de diversos cursos de especialização nas áreas de pavimentação e estruturas. É membro da diretoria da Associação Brasileira de Pontes e Estruturas (ABPE). Ocupa o cargo de diretor da empresa Projest – Consultoria e Projetos.