Água de reuso exige prumadas independentes
De demanda crescente, as soluções de reuso devem ser adotadas já no momento da definição dos sistemas hidráulicos
Redação AECweb
Os bons empreendimentos residenciais e corporativos já nascem, hoje, sob o signo da conservação de água. De um lado, adotando recursos para o uso racional e, de outro, implantando sistemas para o aproveitamento de água para fins não potáveis a partir de fontes alternativas, com funções diversas como descargas de bacias sanitárias, irrigação de jardins e lavagem de pisos. As soluções de reuso exigem cuidados, e sua instalação – obrigatoriamente independente do sistema hidráulico predial convencional - deve cumprir uma série de requisitos. O mercado vem delineando as atribuições do projetista hidráulico e das empresas especializadas em projetos de tratamento de água. A interface entre os dois sistemas exige diálogo e entendimento dos profissionais envolvidos no desenvolvimento dos projetos.
A engenheira e mestre Sibylle Muller, diretora da AcquaBrasilis, empresa de projeto e instalação de estações de tratamento, e o engenheiro e doutor José Carlos Mierzwa, coordenador de Projetos do Cirra – Centro Internacional de Referência em Reuso de Água, vinculado à Escola Politécnica da USP, são unânimes em afirmar que há um crescimento da demanda por essas soluções. Eles mencionam empreendimentos de construtoras como a Gafisa, Ecoesfera, Setin e Tarjab que utilizam tanto os sistemas de aproveitamento de água de chuva, como o de centrais de tratamento de águas residuárias.
“Essas soluções devem ser adotadas já no momento da definição dos sistemas hidráulicos das edificações, visto que implicam a previsão de prumadas independentes de alimentação de água potável e de água de reuso”, diz a engenheira. A água potável ficará disponível nos pontos de contato humano direto, como pias de cozinha, lavatórios, chuveiros e nos banheiros. Já a água de reuso poderá ser usada para descarga de vasos sanitários e outros pontos de consumo em que a potabilidade não é condição necessária para a água, como pontos de irrigação de jardim, lavagem de pisos e calçadas e, eventualmente, na recarga de sistemas de ar condicionado central.
Estação de tratamento de águas cinzas
Mierzwa reforça que “as duas opções exigem um sistema de armazenagem e distribuição independente do sistema de água potável, ou seja, reservatórios e rede de distribuição”. E a engenheira lembra que “não se deve ter ligações cruzadas, isto é, a água de reuso não poderá entrar em contato com a água potável. Já a água potável poderá ser acrescentada à água de reuso, quando esta faltar, desde que não haja contato direto”. Os críticos dos sistemas de tratamento, principalmente das águas cinzas, apontam para o risco de contaminação da água potável. “Isto, porém, só ocorrerá se houver falhas de projeto e montagem do sistema, ou seja, se a estrutura de recebimento de efluentes e tratamento estiver localizada nas proximidades do reservatório de água potável. E, ainda, se houver falha da impermeabilização das respectivas estruturas”, garante o engenheiro.
Sibylle Muller lembra que esse risco pode ser suprimido com um projeto de tratamento de efluentes bem desenvolvido e executado, prevendo um padrão de qualidade da água de reuso que garanta a saúde pública. “No entanto, a adoção de um sistema de reuso implica controles periódicos da qualidade da água tratada, a fim de garantir o atendimento dos parâmetros adequados e permitir a tranqüilidade de consumo dos usuários. Além da garantia da qualidade da água de reuso, por cautela, devem ser feitas uma marcação na tubulação de água de reuso e uma sinalização dos pontos de consumo. Há, também, torneiras cujo registro pode ser retirado e acoplado apenas na hora do uso, evitando que outras pessoas e crianças tenham acesso à água de reuso”, sugere ela. Mierzwa acrescenta que “uma possível solução para evitar ligações indevidas é a utilização de corantes na água de reuso”.
Sistema de água de chuva - Uma das maiores dificuldades encontradas diz respeito à definição de padrões de qualidade para esse tipo de água, o que muitas vezes gera polêmicas
Os engenheiros concordam que o potencial da aplicação prática de reuso da água e aproveitamento da água de chuva é bastante limitado para edifícios existentes. Isto porque seriam necessárias alterações significativas nas redes de distribuição de água e também na coleta de efluentes. “Considerando, inclusive, a necessária duplicação das prumadas, têm-se optado, nesses casos, pelo aproveitamento somente de águas pluviais em jardins e lavagem. Neste caso, é possível direcionar os condutores para uma cisterna no térreo ou subsolo e dimensionar uma central de tratamento de águas pluviais, sem causar transtornos dentro dos apartamentos”, revela Sybille Muller. Segundo Mierzwa, eventualmente, os empreendimentos comerciais que utilizam sistema centralizado de ar condicionado, como shoppings, poderiam adotar a prática de reuso e aproveitamento de água de chuva para suprir a demanda em torres de resfriamento, que representam uma parcela significativa do consumo de água nestes empreendimentos.
Embora os programas de aproveitamento de água de chuva e reuso de água ainda sejam limitados, o conhecimento sobre a sua implantação já está disponível. “Há manuais publicados pela Fiesp e SindusCon e a norma técnica da ABNT NBR-15527/2007 para o aproveitamento de água de chuva. Contudo, uma das maiores dificuldades encontradas diz respeito à definição de padrões de qualidade para esse tipo de água, o que muitas vezes gera polêmicas”, diz o engenheiro. Ele se refere à falta de conhecimento de parte da população que acredita possível utilizar a água de chuva ou a água cinza, sem qualquer tratamento, já que o fim a que ela se presta não é tão restritivo. “Mas esquecem que o problema não é o fim que será dado à água de chuva ou de reuso, mas, sim, os riscos de saúde pública e problemas estéticos e operacionais que podem ser gerados”, adverte.
Segundo ele, devem ser previstos mecanismos que possibilitem um tratamento mínimo da água de chuva e que consistem em uma estrutura para derivação de uma parcela de água resultante do escoamento inicial pela cobertura. “E, também, um sistema de dosagem de cloro, para garantir que a qualidade microbiológica da água seja adequada”, acrescenta. No caso do reuso, a partir de águas cinza, ele recomenda o tratamento biológico. “A opção pelo sistema biológico, em relação ao tratamento físico químico indicado por algumas empresas, se deve ao fato de dispensar a manipulação de produtos químicos e à maior eficiência do sistema biológico para o tipo de contaminante que se pretende remover”, explica.
Redação AECweb
Sibylle Muller - Graduada em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo (1982), com mestrado em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo (1989). É diretora da AcquaBrasilis – empresa especializada em desenvolvimento de projeto e instalação de estações de tratamento de água para reuso e de sistemas de tratamento de água pluvial.
José Carlos Mierzwa - Graduado em Engenharia Química pela Universidade de Mogi das Cruzes (1989), com mestrado em Tecnologia Nuclear pela Universidade de São Paulo (1996), doutorado em Engenharia Civil [Sp-Capital] pela Universidade de São Paulo (2002) e livre docência na Escola Politécnica da USP (2009). Atualmente é professor pesquisador da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Engenharia Sanitária, com ênfase em Engenharia Sanitária e Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: água, reuso, tratamento, efluentes, conservação, planejamento, gestão e qualidade ambiental e produção mais limpa. Atua também no desenvolvimento de projetos de sistemas de tratamento de água e efluentes e processos de separação por membranas. Avaliador do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, a partir de março de 2007.