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Ar condicionado, amigo ou vilão do conforto

Especialista em climatização e refrigeração, o professor Alberto Hernandez Neto comenta sobre a influência dos sistemas de ar condicionado nos ambientes.

Publicado em: 09/08/2010

Texto: Redação AECweb

Entrevista: Alberto Hernandez Neto

Ar condicionado, amigo ou vilão do conforto

O homem urbano passa boa parte de seu dia em ambientes fechados e climatizados. Ele contará com maior conforto térmico se o projeto do sistema de ar condicionado do prédio for adequado ao uso. O professor Alberto Hernandez Neto, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, especialista em climatização e refrigeração, comenta que são várias as situações em que o benefício pode afetar negativamente os funcionários de escritórios ou os usuários de salas de cinema, teatro e auditórios. Em entrevista ao AECweb, ele diz que um dos problemas mais comuns é a opção da construtora por sistemas fixos de controle de temperatura, de custo mais baixo. Além do desconforto, o gasto energético será maior e pago, invariavelmente, por quem ocupa e opera o prédio.

Redação AECweb

AECweb – Como o ambiente condicionado pode oferecer conforto?
Neto - A questão do conforto térmico está associada à atividade que se exerce no ambiente, desde um escritório até uma academia ou sala de aula. Os parâmetros de conforto térmico abrangendo temperatura, velocidade e umidade do ar têm que estar adequados, para retirar o calor do ambiente. Como não há forma de avaliar o nível conforto, o projeto utiliza dados estatísticos para manter confortável, pelo menos, 80% da população que está no ambiente. Sabemos que por mais que o projeto assegure uma boa distribuição do ar, com controle adequado de temperatura e umidade, estatisticamente, 5% dos ocupantes de um ambiente climatizado estarão desconfortáveis. Este é um aspecto muito subjetivo que envolve o tipo de vestimenta e o metabolismo das pessoas.

AECweb – Conforto térmico e consumo de energia andam juntos?
Neto - Muitas vezes, esses são aspectos conflitantes porque para oferecer conforto térmico a um homem de terno, gravata e corpulento, a temperatura ideal pode ser 20 ºC. Já para alguém com roupa leve, o ideal pode ser 26ºC. Se providenciarmos 24 ºC com 50% de umidade relativa, vamos desagradar a ambos.

AECweb – Existe uma temperatura média padrão?
Neto - O projetista de ar condicionado que objetiva garantir conforto térmico a diversos percentuais de usuários do ambiente, se pauta por parâmetros fornecidos por entidades nacionais e internacionais. São valores médios obtidos por estatísticas junto a públicos variados – homens, mulheres e crianças. No Brasil, o conforto térmico é tratado pela NBR 16401 da ABNT, em capítulo específico. Em centros cirúrgicos, por exemplo, são exigidas temperatura e velocidade do ar menores do que em outros ambientes, para reduzir a proliferação de materiais particulados na sala.


AECweb – O insuflamento de ar pelo piso ou teto influencia o conforto?
Neto - No caso do insuflamento pelo teto, para garantir uma temperatura média de 24 ºC, é preciso fornecer o ar a uma temperatura de aproximadamente 14 ºC. Já o insuflamento pelo piso possibilita uma distribuição um pouco melhor do ar frio, que poderá ficar entre 18 ºC e 22 ºC. Dependendo do layout do escritório, a pessoa que tem sua mesa sob ou sobre a boca de insuflamento, receberá diretamente esse ar frio, mas com níveis diferentes de temperatura.

AECweb – A exposição constante ao ar frio pode afetar a saúde?
Neto - Não existem registros de problemas de saúde por exposição ao ar frio. O que há é muita reclamação de desconforto de pessoas que têm suas mesas sobre a boca de insuflamento e, até mesmo, de dor nos ossos dos pés e tornozelo – região sensível do corpo. Ocorrem também casos de estresse causado pelo desconforto que pode levar a patologias. Por outro lado, comprovadamente há doenças associadas à manutenção inadequada do sistema de condicionamento do ar, independente de o insuflamento ser feito pelo piso ou teto. A falta de limpeza ou da troca dos filtros leva materiais particulados e bactérias para o ambiente.

AECweb – Qual o erro mais comum de projeto que compromete o conforto?
Neto - Temos verificado vários problemas relativos à localização das bocas de insuflamento nos edifícios. O primeiro é o que já comentei e que causa desconforto pontual. Outro erro comum ocorre quando são instaladas divisórias piso-teto para compor ou mudar o layout do escritório, separando fisicamente a área de insuflamento da área dos dutos de retorno do ar. Quem ficou nos ambientes onde permaneceram as bocas de ar frio, estará submetido a temperaturas mais baixas, da ordem de 18 ºC, no máximo, enquanto que os demais não serão beneficiados pelo condicionamento e vão conviver com temperaturas de até 27 ºC. Isto poderia ser evitado com a alteração de layout dos dutos de ar condicionado.

AECweb – É possível também ocorrer o desconforto por calor excessivo?
Neto - O projeto dimensiona o sistema de condicionamento para determinada área/pessoa. Porém, anos depois de sua entrada em operação, o prédio poderá destinar alguns pavimentos à empresa, por exemplo, de telemarketing - atividade caracterizada por ocupação três vezes maior do que a de escritório comercial típico. A carga térmica vai se elevar no ambiente, o sistema não dará conta de condicionar e os funcionários vão sofrer com altas temperaturas. Sem uma reavaliação do sistema, que tem custo maior, as soluções são meramente paliativas, indo dos equipamentos de split e janela, aos portáteis – ineficientes e que não vão atender a todos.

AECweb – Por que a temperatura é baixa em cinemas, teatros e auditórios?
Neto - O sistema de ar condicionado é projetado para atender, com conforto, entre 85% a 100% da capacidade máxima de lotação desses espaços. O frio incomodo ocorre quando essas salas estão parcialmente ocupadas e, principalmente, se o sistema utilizado tem potência e vazão fixas, impedindo um controle de temperatura em função da taxa de ocupação do espaço. A dificuldade é que os sistemas de ar condicionado com controle de temperatura, ideais para essas salas, são um pouco mais caros. Muitas vezes, o próprio cliente acaba optando pelo custo menor de implantação.

AECweb – Além do desconforto, o gasto energético é maior?
Neto - É verdade. Nesse caso, é preciso considerar que as edificações no Brasil são construídas por uma empresa que, normalmente, não é quem vai operar. Para efeito de implantação e execução, são adotadas as soluções mais econômicas para maximizar o lucro, em detrimento de eficiência energética. E quem paga a conta é quem vai utilizar e operar o espaço. A título de exemplo, chegou a nós o caso de um hotel do nordeste que tinha sistema fixo. Na baixa temporada, apesar de registrar apenas 2% de ocupação, estava fornecendo ar a 24 ºC para 100% dos quartos. Portanto, para edifícios com funções como hotéis, cinemas e auditórios vale o investimento em sistemas com controle de demanda.

AECweb – Além desses ambientes, por que muitos escritórios mantém o ar frio?
Neto - Essa é uma questão cultural no Brasil - e, também, nos Estados Unidos - e está vinculada ao estilo do executivo brasileiro vestir-se, ou seja, ao terno e gravata. Em contrapartida, lembro a iniciativa do governo japonês que, a cerca de três anos, em cadeia nacional de televisão convocou os funcionários das empresas a evitarem o terno no escritório. O objetivo era aumentar a temperatura de setpoint, de 25 ºC para 26 ºC e, com isso, reduzir consumo de energia. Essa mudança de um grau, em todos os escritórios do Japão, equivalia a uma economia de energia de 0,5% do PIB. Agora, algumas empresas japonesas já planejam passar para 27 ºC.

AECweb – No Brasil, há algum movimento nesse sentido?
Neto - Não, nada. O que há é um crescente movimento pela eficiência energética, mas a questão cultural ainda pesa, com muito desperdício de todos os recursos, predominantemente energia e água.

Redação AECweb



Ar condicionado, amigo ou vilão do conforto Alberto Hernandez Neto:

Formado em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (1988), com mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (1993) e doutorado em Engenharia Mecânica pela Universidade de São Paulo (1998). Atualmente é professor associado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo no Departamento de Engenharia Mecânica. Atua na área de climatização e refrigeração com ênfase em eficiência energética , modelagem e simulação de sistemas de refrigeração e ar condicionado. Membro da ABCM (Associação Brasileira das Ciências Mecânicas) e da ANPRAC (Associação Nacional de Profissionais de Refrigeração, Ar Condicionado e Ventilação).