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Cidade pode se desenvolver melhor com gestão descentralizada

Para professor da FAU, modelo é ideal para controlar a dinâmica de crescimento do uso do solo, da atuação imobiliária e dos projetos públicos de uma megalópole

Publicado em: 28/06/2013Atualizado em: 17/10/2019

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Redação AECweb / e-Construmarket

Metrópoles como São Paulo não resistem a uma chuva localizada. Simplesmente param. O estado caótico das cidades brasileiras é histórico e estrutural, “elas sequer se aproximam de um planejamento racional, que dirá de um urbanismo sustentável”, afirma o arquiteto Pedro Taddei Neto, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e vice-presidente de Arquitetura do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco-SP).

A construção das cidades é uma obra coletiva, que tem como principais atores os moradores, o poder público, os urbanistas e a indústria imobiliária, cada um no seu papel. Taddei exemplifica com a Rua Augusta, em São Paulo, que liga o centro da cidade aos Jardins: “Essa via foi aberta pela prefeitura numa região de chácaras, loteadas pelos proprietários e pela indústria imobiliária, dando origem aos bairros. Os urbanistas ingleses desenvolveram os Jardins, os franceses, a Avenida Paulista. Os brasileiros, já no século passado, atuaram na ligação dos trechos mais antigos aos mais novos, e na regulação do patrimônio construído ou sua substituição por novas edificações. Contribuíram para melhorar a atratividade da rua e para melhorar a fluidez do tráfego – ou para piorá-la. Como é uma via de passagem entre os bairros de moradia, a Rua Augusta se tornou propícia ao comércio e, as empresas concessionárias dos serviços de ônibus, tiveram seu papel”.

Impactos

As cidades brasileiras sequer se aproximam de um planejamento racional, que dirá de um urbanismo sustentável

O desenvolvimento da cidade, de amplo território e complexidade, trouxe um novo problema. “É muito difícil centralizar o controle sobre a dinâmica de crescimento, do uso do solo, da atuação imobiliária e dos projetos públicos de uma cidade tão grande como São Paulo. A implantação dos projetos públicos tem grande impacto no desenvolvimento imobiliário, tornando mais ou menos atraente um novo empreendimento. Abre a oportunidade de especular com terrenos que, no futuro, estarão no traçado de uma nova avenida anunciada, mas ainda não executada. A administração desse impacto deve ser feita em escala local, pois nem mesmo as informações fluem no tempo ideal entre as várias secretarias e órgãos do executivo, como a companhia de trânsito”, explica o professor.

Essa constatação leva ao conceito de gestão descentralizada. Ou seja, as subprefeituras deveriam ter poderes equivalentes aos que têm hoje a prefeitura. E a prefeitura deveria ter poderes mais abrangentes na esfera metropolitana. Pedro Taddei exemplifica com a cidade de Lima, no Peru, que ao longo das últimas décadas foi se tornando uma megalópole. “Ali houve uma reforma radical, que reduziu o território ao centro histórico da cidade e criou novos municípios nos distritos periféricos. Foi estabelecida uma prefeitura regional com grandes poderes e a prefeitura de Lima, apesar de sua importância, é mais uma entre tantas outras da região”, conta.

A inspiração veio do modelo de gestão urbana descentralizado da capital francesa. São apenas 2 milhões de habitantes na Paris intramuros e outros 12 milhões na região de Paris. “A viabilidade desse modelo para metrópoles como São Paulo é de ordem política. Nada mais”, diz Taddei, defensor do conceito. Entretanto, não basta dividir o território: é preciso criar uma prefeitura regional, abrangendo o que antes era a cidade e, também, os novos municípios. “Somente o centro expandido transformado em município já tem problemas monumentais”, afirma.

Uso do solo

Para Taddei, a distribuição da riqueza entre os municípios da região será mais equânime, principalmente se o poder público regional for mais forte do que os executivos locais. “Uma das exorbitâncias que existem nas regiões metropolitanas do país é que não há nenhum poder que regule o uso do solo. Porque, pela Constituição, quem tem poder sobre o uso e ocupação do solo é o município, o que promove a guerra fiscal. Assim, municípios próximos às capitais cobram Imposto Sobre Serviços (ISS) e Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) mais baixos, numa tentativa de esvaziar a metrópole, e acabam se adensando além do que têm condições de receber e prover de infraestrutura”, alerta o arquiteto.

“Ao transferir esse poder para a esfera regional, intermediária entre o estado e os municípios, todas as cidades terão o mesmo tratamento, com distribuição de renda e riqueza equânime. Em todas as regiões que houver conurbação, seja no deslocamento de pessoas entre a casa e o trabalho e os estudos, seja na gestão de serviços públicos, justifica que se crie um poder que harmonize o todo”. A dificuldade, segundo ele, é política porque a gestão regional retira poder do governo do estado e da prefeitura da capital.

Defensor da ideia, Taddei lembra que o sistema não está previsto na Constituição brasileira. “É um longo caminho, mas não se pode abrir mão desse debate”, diz. Até porque, comenta, boa parte dos problemas das cidades é constituído por falsos problemas. É o caso da administração do transporte urbano em relação à tarifa de ônibus. “A alçada de decisão sobre o assunto é dos municípios. No entanto, grande parte dos deslocamentos se faz entre os municípios da região metropolitana, através de serviços que sequer são municipais, como a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O que não passa de um grande contrassenso, pois é um problema de aglomerações urbanas. O investimento e o poder de decisão sobre tarifas deveriam ser regionais” diz.

Sem planejamento

As grandes cidades e as capitais vivem, hoje, um pré-caos

Pedro Taddei oferece como exemplo a fronteira entre os municípios de Osasco e Carapicuíba, zona totalmente conurbada. Para se dirigir ao centro de Osasco, quem mora perto da fronteira, pega o transporte lá e paga uma tarifa só. Já o usuário que está longe da fronteira, vai pagar duas tarifas, uma municipal e outra intermunicipal. Essa situação onera o morador e representa uma ‘deseconomia’ na oferta dos serviços, já que o poder público está gastando mais do que deveria. “Não se pode imaginar um sistema racional de ônibus numa região metropolitana com 20 milhões de habitantes, sem planejamento e gestão global”, diz, lembrando que São Paulo tem apenas a Câmara Metropolitana de Transportes para tentar harmonizar condições tão diversas. “É melhor do que nada, porém não tem poder”, sentencia.

Tratamento de esgoto

Outro serviço em parte atomizado é o de água e esgoto. Há municípios na Grande São Paulo que não estão conectados à rede de tratamento da Sabesp. São Bernardo, por exemplo, levou anos para ingressar no projeto de conexão com a estação de tratamento de Heliópolis. Antes disso, o esgoto era simplesmente lançado in natura nos rios e córregos. O que não faz sentido. Já São Caetano do Sul não tem fonte de abastecimento própria de água, mas tem serviço próprio de distribuição da água que compra da Sabesp – o que é mais racional, ou seja, tem um planejamento macro e há uma gestão micro feita pelo município. “Não há como administrar adequadamente situações como a de alguns municípios, que têm aglomerações que passam de um milhão de habitantes, com tais contradições”, enfatiza.

“O Brasil não dá um passo à frente em gestão urbana desde o século passado, quando toda a academia de urbanismo e de engenharia sanitária do país tomou consciência dos problemas. Nem mesmo os grandes projetos de Prestes Maia, na gestão urbana, e de Saturnino de Brito, no campo da engenharia sanitária, elogiados até hoje, se transformaram em políticas concretas. Por que isso não virou prática? Porque a política brasileira é a do clientelismo e da troca de interesses entre governantes e empresários”, declara.

Pedro Taddei Neto destaca que o sistema de gestão urbana adotado em Paris já foi muito debatido no Brasil, mas se perdeu diante de inúmeras dificuldades políticas. O último grande esforço foi feito na esfera da Constituinte de 1988, através da Associação para a Defesa da Reforma Urbana e das Regiões Metropolitanas, que presidiu e representou na Assembléia Nacional Constituinte. “A impressão que ficou é de que a legislação anterior que se tinha em alguns locais, como o estado de São Paulo, retrocedeu com a Constituinte. Com isso, as grandes cidades e as capitais vivem, hoje, um pré-caos”, finaliza.


COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA

Pedro Taddei Neto – Arquiteto formado pela FAU/USP, em 1967, é mestre pelo Instituto de Meio Ambiente da França e doutor pela Sorbonne. Foi vice-presidente da Nossa Caixa e presidente da Emplasa. É diretor do escritório Arquiteto Pedro Taddei e Associados e vice-presidente de Arquitetura do Sinaenco-SP.