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Climatização de acervos deve ser baseada nos materiais que os compõem

Sistema deve garantir temperatura, umidade relativa, pureza do ar, pressurização da sala, além da renovação do ar para evitar a concentração de gases

Publicado em: 30/01/2014Atualizado em: 21/02/2014

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Climatização de Acervos

Uma falha com o sistema de climatização ameaça parte do segundo maior acervo do país, armazenado na biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Levantamento realizado entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013 constatou que ao menos 15 dos 22 andares da torre principal da biblioteca foram infectados por fungos. O problema atingiu 18 mil livros, incluindo alguns raros, dentre os cerca de 340 mil que ficam nesses andares. A boa notícia é que nenhum material chegou a se perder, mas os volumes afetados ficam inacessíveis ao público, já que podem sofrer deformações e também têm potencial para causar doenças. O sistema de climatização da edificação começou a ser instalado em 2008 e passou a funcionar no segundo semestre de 2011.

Não se deve permitir a entrada de ar externo com umidade, sujeira, poeira e calor. Cabe ao sistema de climatização cuidar de todas essas variáveis: temperatura, umidade relativa, pureza do ar, pressurização da sala onde está o acervo ou do próprio salão de visitação, além da renovação do ar para evitar a concentração de gases que, dependendo do tipo de acervo, podem ser provenientes das próprias peças

“Esse fato na biblioteca Mário de Andrade foi causado pela falta de informação. Não se tratou da especificação equivocada do material, pois pelo que acompanhei, foi entregue exatamente o que foi contratado. O problema foi ocasionado pela compra de determinada solução que não atende as necessidades do local. Por isso, é importante que o projeto do sistema de climatização tenha como base informações sobre as características dos materiais que compõem o acervo e que são passadas pelo curador ou bibliotecário responsável”, afirma o engenheiro Wili Colozza Hoffmann, vice-presidente da Anprac - Associação Nacional de Profissionais de Refrigeração e Ar-Condicionado.

Segundo o engenheiro, a especificação é uma questão menos técnica e mais gerencial. “Normalmente, o bibliotecário ou o curador são os responsáveis por passar as informações sobre as características das obras de arte. Entretanto, esses profissionais ficam fora do processo da especificação e construção do sistema de climatização”, diz. A grande maioria dos materiais que compõem o acervo de museu ou biblioteca é sensível à temperatura e pode ter, por exemplo, sua cor ou textura danificada em ambientes com climatização inadequada. “Esses locais necessitam de condições ambientais internas ideais. Quanto mais quente, maior será o desenvolvimento de micro-organismos que podem interferir na qualidade dos itens da exposição. Mas se por um lado em ambientes mais frios ocorre a diminuição da atividade microbiológica, por outro há um aumento na umidade relativa do ar, fazendo com que os materiais higroscópicos capturem a umidade para si, o que resulta na criação de micro-organismos. Sem mencionar que a própria umidade já pode causar alguma alteração”, explica.

Outra variável que deve ser levada em consideração são os materiais particulados em suspensão no ar, pois esse elemento se deposita sobre a peça mudando suas características, além de ainda ser transportador de micro-organismos (quando ele mesmo não é um micróbio). “Portanto, não se deve permitir a entrada de ar externo com umidade, sujeira, poeira e calor. Cabe ao sistema de climatização cuidar de todas essas variáveis: temperatura, umidade relativa, pureza do ar, pressurização da sala onde está o acervo ou do próprio salão de visitação, além da renovação do ar para evitar a concentração de gases que, dependendo do tipo de acervo, podem ser provenientes das próprias peças”, destaca Hoffmann, lembrando que o acervo não necessariamente precisa ser de obras de arte, mas também pode ser composto por outros materiais que geram voláteis orgânicos.

A determinação da condição ideal passa pelo tipo do material que está armazenado no acervo. Em uma biblioteca, por exemplo, o papel é um elemento que vem da celulose, uma fibra natural com micro-organismos em sua composição, que se desenvolvem e criam fungos de forma rápida em locais com umidade relativa alta. “Como os cenários são diferentes, a condição ideal também varia muito. Mas normalmente os ambientes têm que contar com temperaturas mais baixas e umidade relativa mais seca quanto possível”, fala o engenheiro. O projetista também necessita estar atento aos ambientes que são públicos. “Nas áreas com tráfego de pessoas liberado, onde a obra de arte fica exposta temporariamente, são os locais em que as peças ficam mais vulneráveis”, comenta.

Equipamentos

Quanto mais quente, maior será o desenvolvimento de micro-organismos que podem interferir na qualidade dos itens da exposição. Mas se por um lado em ambientes mais frios ocorre a diminuição da atividade microbiológica, por outro há um aumento na umidade relativa do ar, fazendo com que os materiais higroscópicos capturem a umidade para si, o que resulta na criação de micro-organismos. Sem mencionar que a própria umidade já pode causar alguma alteração

Hoffmann detalha que os equipamentos comercializados em lojas de varejo não são os ideais para instalação em museus e bibliotecas. Para tais ambientes, são necessárias soluções customizadas, de acordo com a necessidade do tratamento do ar que deve ser feita. “Por exemplo, se for necessária umidade relativa mais baixa, será preciso um sistema de resfriamento que trabalhe a certa temperatura que o split convencional não consiga atingir. Entretanto, não existe o equipamento específico para acervos, as soluções são as mesmas utilizadas nos casos em que é necessário controle maior sobre as variáveis da climatização”, afirma.

Existem duas soluções que podem ser empregadas nessas situações, os equipamentos de expansão direta e os de expansão indireta. Tanto um sistema quanto o outro alcançam o mesmo resultado, a diferença é que, dependendo do caso, eles são mais caros ou mais baratos e também facilitam ou dificultam o alcance do objetivo inicialmente traçado. “Cabe ao engenheiro definir qual a melhor alternativa. Na expansão direta, a dilatação do fluido refrigerante, que resfria e desumidifica o ar, ocorre dentro do climatizador. Já na expansão indireta, há um sistema que resfria um líquido que atua sobre o ar dentro do chiller”, comenta o profissional, que recomenda a expansão indireta para controle mais adequado da temperatura e umidade. “Com essa solução é possível realizar um domínio preciso das condições termo-hidrométricas do ar na saída da serpentina”, diz.

Após o projeto do sistema de climatização ficar pronto, é entregue a alguma empresa especializada para realizar a instalação. Essas montadoras compram os equipamentos dos fabricantes e executam o projeto. “Esse processo necessita ser gerenciado. Para isso existe o agente de comissionamento, que trabalha ao lado do usuário do sistema e tem a função de verificar se aquilo que foi projetado está sendo executado. Com a finalização, esse profissional realiza testes para verificar se o funcionamento está de acordo com o que foi pré-estabelecido. No caso de um acervo, o agente de comissionamento é muito importante, pois se a condição ideal não for alcançada, as obras de arte podem ser prejudicadas”, alerta Hoffmann.

Ele ressalta ainda que o sistema deve ser totalmente confiável e funcionar durante as 24 horas do dia. “Em caso de falha, obras de arte com valores inestimáveis podem ficar por muito tempo em condições adversas que as colocam em risco. Para garantir o funcionamento constante, o sistema necessita de um backup, com nobreaks e alarmes que acionam equipes de plantão em caso de anormalidades. Um problema resolvido em poucas horas não gera dano muito grande, mas se a obra fica exposta durante dois ou três dias em condição adversa, a deterioração pode ser irreversível”, detalha o engenheiro.

Outro ponto de grande importância é o plano de manutenções, que deve ser rigorosamente seguido. “Um exemplo é a limpeza dos filtros, que tem a função de separar os particulados do ar. O acúmulo de sujeira no filtro faz com que o ventilador necessite de mais força para manter as condições ideais, tendo que fazer mais pressão para passar a quantidade necessária de ar pelos filtros. Esse problema pode causar a desregulagem do sistema”, alerta o profissional.

Normalização

O engenheiro afirma que a ABNT NBR 16401 - Instalações de ar-condicionado - Sistemas centrais e unitários, é dividida em três partes, sendo que em alguns pontos são mencionados os sistemas para acervos. Entretanto, são informações orientativas, já que essa norma não é específica e não há um capítulo dedicado à climatização de museus e bibliotecas. Existem ainda normas internacionais exclusivas para climatização de museus, galerias, arquivos e livrarias que podem ser seguidas. “Há pouco tempo foi publicada a ABNT NBR 16101 - Filtros para partículas em suspensão no ar - Determinação da eficiência para filtros grossos, médios e finos -, que dá a classificação dos filtros por eficiência na retenção de partículas. Esse foi um grande passo, pois essa norma não existia no Brasil. Apesar de essa norma não ser específica para acervos, ajuda de maneira bem abrangente esse segmento, pois agora os filtros podem ser especificados com uma noção melhor. Outra novidade é que em breve será publicada nova norma para filtro absoluto, material exigido em alguns sistemas de museus que apresentam características mais severas. O desenvolvimento das normas de climatização colabora para o segmento de museus”, finaliza Hoffmann.

Colaborou para esta matéria

Wili Colozza Hoffmann – Engenheiro mecânico pela Faculdade de Engenharia Industrial, com ênfase em refrigeração e ar-condicionado. Atua no desenvolvimento de instrumentos de medição e monitoração em sistemas de HVAC. Membro fundador e vice-presidente da Associação Nacional de Profissionais de Refrigeração e Ar-Condicionado (Anprac). É empresário e consultor técnico pela Vectus Importatum e Klimatu Engenharia. Ocupou o cargo de professor da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e do PECE da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), tendo ministrado aulas nos cursos de graduação e pós-graduação entre 1986 e 2000. Membro-associado da American Society of Heating, Refrigerating an Air Conditioning Engineers (Ashrae) e do International Society for Pharmaceutical Engineering (ISPE). Membro do GT 03 – Nacionalização da NBR/ISO 14644-7, do Comitê Brasileiro CB 55 da ABNT, da Comissão de Estudo CE 46001, do CB 55 – Preparação e revisão das normas NBR 16401-2008, e do Comitê de Estudos Especiais (CEE-138) da ABNT - Equipamentos de Limpeza do Ar e Outros Gases (filtros).