Comissionamento de instalações prediais garante bom desempenho operacional
Processo que pode ser realizado tanto em obras novas quanto naquelas preexistentes exige o envolvimento de profissionais devidamente preparados e com experiência na atividade
Comissionamento exige o envolvimento de diferentes profissionais (foto: shutterstock/only_kim)
O comissionamento de instalações prediais é um processo de controle da qualidade que visa aferir o desempenho operacional da edificação. Começando na etapa de planejamento, ele avança pelas fases posteriores, chegando até a pós-ocupação. Com base no procedimento, é possível adotar providências ou medidas para que as metas definidas no início do projeto, como o consumo energético ou a sustentabilidade, sejam atingidas de fato.
“Suas origens estão na indústria naval, pois, ao enviar o barco para água, não devem ocorrer erros que ameacem a vida da tripulação. Uma vez no mar, se torna uma unidade autônoma que só terá contato com terra quando chegar ao destino. Durante a viagem, precisa de sua própria fonte de energia, reserva de água potável e suprimentos, além de garantir a segurança e conforto de todos”, compara o engenheiro Márcio Orofino, diretor da ENE Consultores.
Já na construção civil nacional, o comissionamento tem se popularizado por meio da adoção de padrões internacionais, normas de sustentabilidade e certificações. “O Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), inclusive, o considera pré-requisito”, comenta Orofino, explicando que, conforme aumenta o grau de complexidade dos sistemas, também cresce a recomendação para aplicação do procedimento.
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A IMPORTÂNCIA DO COMISSIONAMENTO
O comissionamento das instalações prediais é ação que colabora com a integração de projetos multidisciplinares. Segundo Orofino, o uso crescente de soluções tecnológicas para alcançar conforto sobrecarregou os edifícios em relação à demanda por energia, principalmente os aparelhos elétricos, de ar-condicionado e automação. A internacionalização do design é outro fator.
“Os empreendimentos trazem consigo um alto grau de complexidade. Para que tudo funcione corretamente e em sincronia, é preciso que haja um processo metódico de controle, inspeção e testes, de modo a garantir o desempenho almejado como produto final”, afirma Orofino.
QUANDO ADOTAR?
De acordo com o engenheiro Alexandre Lara, diretor Técnico da A&F Partners Consulting Engenharia, há duas situações distintas e bastante recorrentes em que o comissionamento é recomendado: nas novas instalações e em operações existentes. “Na primeira situação, nos deparamos com o desconhecimento inato de investidores, proprietários e usuários em relação não só ao processo de comissionamento, como, principalmente, à melhor condição de infraestrutura para garantir ao empreendimento uma operação e manutenção segura e eficiente”, detalha.
Com isso, os responsáveis pela obra se tornam extremamente dependentes de profissionais do mercado que nem sempre vivenciaram processos de comissionamento, assim como a operação e manutenção de empreendimentos similares. “Há, ainda, as estratégias comumente adotadas para a precificação e contratação de serviços de instalação, ocasionando o esquartejamento de projetos, fornecimentos e também de responsabilidades”, comenta Lara.
Os empreendimentos trazem consigo um alto grau de complexidade. Para que tudo funcione corretamente e em sincronia, é preciso que haja um processo metódico de controle, inspeção e testes, de modo a garantir o desempenho almejado como produto finalMárcio Orofino
Ele menciona como exemplo um projeto de ar-condicionado que será comandado por sistema central de automação predial. Nesses casos, o orçamento é elaborado por um especialista, e outro profissional fica responsável por estimar os preços das soluções de automação — tomando como base o projeto básico de HVAC, sem muitas vezes contemplar lógicas operacionais e de integração. “Outro aspecto é a contratação de integradores e fornecedores de automação de maneira tardia, sem qualquer chance de acompanharem os trabalhos dos meses anteriores e de conhecerem as recorrentes alterações feitas na obra”, comenta Lara.
Também são comuns a divisão de responsabilidades e de fornecimento de peças e serviços; a falta ou falha na documentação e na justificativa técnica de alterações durante o período de obras e instalação, em referência ao projeto original; e a ausência de um olhar integrador durante a etapa de condução de testes para a aceitação dos sistemas, deixando normalmente de lado avaliações funcionais.
“Essa ‘bola mal dividida’ gerará algum impacto qualitativo sobre esta instalação e, consequentemente, sobre o seu desempenho no futuro. Por esta razão, não se deveria prescindir de profissionais de comissionamento durante qualquer obra ou instalação, o que infelizmente não faz parte (ainda) de nossa cultura”, avalia Lara.
Por outro lado, nas operações já existentes, são recorrentes problemas como as falhas em documentação técnica e falta de informações para as equipes de operação e manutenção; desconhecimento acentuado das equipes de operação e manutenção em relação ao conceito e as lógicas de projeto; e as deficiências em processos de manutenção.
“Situações como essas fazem com que as instalações percam facilmente a sua condição de melhor desempenho, somado a outros fatores que envolvem a própria mudança no tipo de uso do edifício e suas instalações, obsolescência e decrepitude de sistemas, entre outras”, afirma Lara. O comissionamento durante a vida útil da edificação será de fundamental importância para o resgate das melhores condições de performance, ou mesmo para corroborar a realização de novos investimentos.
DIFERENTES PROCESSOS
Dependendo das características da edificação, o processo de comissionamento recebe nomenclaturas diferentes:
• Recomissionamento — Atuação sobre sistema comissionado e dotado de documentação e histórico bastante rico.
• Retrocomissionamento — Atuação sobre sistemas possivelmente comissionados, buscando-se o resgate de seu melhor desempenho, como de eventuais ajustes para a condição de uso do edifício.
• Comissionamento contínuo — Prática de implantar o acompanhamento durante um período, sobre determinado processo (operação assistida), orientando quanto a ajustes, em função de resultados colhidos paralelamente.
COMPLEXIDADE
A complexidade do comissionamento está diretamente relacionada com a quantidade de informações disponíveis sobre o empreendimento. “Qualquer edificação que não tiver registro de seus projetos as built, ou seja, como construído, aumentará a complexidade do comissionador em entender os sistemas e suas especificações”, exemplifica Orofino, indicando que são importantes tantos os dados da fase de projetos, quanto da operação e manutenção.
Em determinadas situações, pode ser necessário um trabalho de recuperação de informações, muitas vezes com a necessidade de redesenhar os projetos e buscar detalhes das especificações nos próprios equipamentos.
PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS
O responsável pelo processo é a autoridade de comissionamento, geralmente, um consultor, um conjunto de consultores ou uma empresa com experiência na aplicação do procedimento. Todos eles podem ser certificados pela American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE) — entidade que participa das edições das normas que definem e orientam o comissionamento. “Quem a recebe é denominado Commissioning Process Management Professional e, normalmente, é um engenheiro civil, mecânico ou eletricista”, informa Orofino.
De acordo com Lara, o profissional que executará o trabalho tem que apresentar características como o domínio técnico sobre a respectiva modalidade de engenharia, conhecimento em gestão de projetos e experiência na condução de equipes. Também é importante a vivência em processos de campo, persistência quanto à formalização de procedimentos e uso de metodologias para o acompanhamento e registro de todas as informações ao longo das etapas do projeto.
“Não se conduz um processo de comissionamento em diversos sistemas prediais com apenas um profissional, e sim com uma equipe multidisciplinar que deve ser coordenada por um gestor do processo, com visão integradora”, orienta Lara, destacando que, apesar da divulgação do comissionamento por meio dos processos de certificação, houve também um efeito colateral no mercado devido a interpretações equivocadas das normas.
“Lamentavelmente, este ‘efeito colateral’ fez com que tivéssemos obras de médio e grande porte gerenciadas em seu comissionamento por um único profissional, validando os processos e resultados, independentemente de sua formação e experiência. Isto é errado, sendo importante difundirmos o conceito adequado aos tomadores deste serviço”, adverte Lara.
ETAPAS
Não se conduz um processo de comissionamento em diversos sistemas prediais com apenas um profissional, e sim, com uma equipe multidisciplinar que deve ser coordenada por um gestor do processo, com visão integradoraAlexandre Lara
Resumidamente, é possível dividir o processo em duas fases, uma de projeto e outra de obra. A etapa inicial consiste na reunião de informações que definem os requisitos de projeto do proprietário, as premissas de projeto e o orçamento. Por fim, é estabelecido o plano de comissionamento e incorporados seus requisitos nos documentos de construção (plantas, memoriais, procedimentos, entre outros).
Já durante a obra são analisados os escopos e cláusulas das instaladoras a serem contratadas, de modo a garantir a execução do comissionamento. “Durante a instalação, ocorre a verificação dos sistemas comissionados e análise de seu desempenho. Há ainda a orientação para apresentação dos databooks, ou seja, cadernos com informações referentes ao processo, tais como manuais de operação e manutenção, projetos as built, garantias dos equipamentos e relatórios de startup”, enumera Orofino.
Durante o trabalho são empregados diferentes equipamentos, como os utilizados para medição de grandezas elétricas, hidráulicas, vazão de ar, temperaturas e demais parâmetros que estão relacionados ao desempenho do edifício. “Os softwares usados estão relacionados tanto aos processos de medição in loco quanto às simulações computacionais de análises termoenergéticas, lumínicas e acústicas. Além de programas convencionais de planilhas e os que armazenam dados”, comenta Orofino.
“Dependendo da modalidade a ser comissionada, existem protocolos que seguem procedimentos específicos e que requerem a utilização de técnicas e tecnologias próprias para medição e registro. O mais importante é que os processos atendam aos protocolos, que se baseiam em normas técnicas”, destaca Lara.
TEMPO DE EXECUÇÃO
Nos edifícios novos, o processo tem início no período de desenvolvimento de projetos e continua até a conclusão da obra. Por outro lado, nos empreendimentos preexistentes, o prazo para o comissionamento, recomissionamento ou retrocomissionamento varia em função da disponibilidade de dados. “O período de, pelo menos, um ano para observação e medição de dados se faz necessário na maioria dos casos”, comenta Orofino.
Como cada projeto é bastante particular, torna-se extremamente variável o prazo de execução do comissionamento. “Existem processos que duram de 60 dias a dois anos, dependendo da abrangência do escopo, da linha do tempo do projeto e coordenação”, finaliza Lara.
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Colaboração técnica
- Márcio Zapelini Orofino – Engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo — pósARQ — da UFSC. Profissional credenciado LEED AP Building Design and Construction (LEED AP BD+C), pelo Green Building Certification Institute GBCI/USGBC desde 2010, sendo o primeiro com essa certificação no estado de Santa Catarina. Desde 2013, junto com a primeira turma de profissionais certificados pela ASHRAE no Brasil, é certificado como Comissioning Process Management Professional (ASHRAE-CPMP). Auditor líder em Sistemas de Gestão ambiental ISO 14001 pelo Environmental Auditors Registration Association EARA-FCAV. Consultor técnico e diretor da ENE Consultores, exerce atividade de consultoria em projeto, construção e operação de empreendimentos imobiliários, orientando as equipes de projetistas, construtores e instaladores no desenvolvimento de empreendimentos de alto desempenho em todo o país.
- Alexandre Lara – Engenheiro, pós-graduado em Refrigeração e Ar Condicionado e em Avaliações e Perícias de Engenharia. Possui 31 anos de experiência na área de operação e manutenção, com atuação na implantação, coordenação, auditoria e consultoria em projetos de O&M predial e industrial, além de sua atuação como autoridade de comissionamento em alguns dos principais projetos de infraestrutura predial e industrial no Brasil. Soma-se também à sua trajetória a participação como colaborador e associado em instituições brasileiras e norte-americanas, como a American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE), Associação Nacional de Profissionais de Refrigeração e Ar Condicionado (ANPRAC) e Associação Brasileira de Facilities (ABRAFAC), onde ocupa atualmente a posição de diretor. É docente da cadeira de “Comissionamento, Medição & Verificação” no MBA – Construções Sustentáveis – UNIP, docente da cadeira de “Operação e Manutenção” no curso de pós-graduação em Avaliações e Perícias de Engenharia - Mackenzie e docente da cadeira “Gerenciamento de Operações” no curso de especialização Gerenciamento de Ativos Imobiliários Corporativos – FDTE (USP) / CORENET. Ocupa o cargo de diretor Técnico da A&F Partners Consulting Engenharia.