Como fazer projeto e dimensionamento de obras portuárias?
Localizadas em ambientes com elevado risco de deterioração da estrutura, as instalações em áreas marítimas exigem projeto e execução cuidadosos. Na fase de manutenção, o ideal é realizar ações preventivas
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

O projeto de obras portuárias deve levar em consideração diversos quesitos, como condições ambientais, climatológicas e outras (Foto: Mikhail P./shutterstock)
O projeto e o dimensionamento das estruturas portuárias são influenciados por dois fatores diferenciais, quando comparados às edificações imobiliárias. Trata-se da magnitude dos esforços e da intensidade das ações e agressividade do meio, de acordo com a frequência e relevância dos fenômenos climáticos.
Durabilidade de estruturas de concreto está sujeita à ação do meio ambiente
Segundo o engenheiro Claudio Carvalho, consultor especializado em obras portuárias, as cargas e ações atuantes nas edificações se devem ao peso próprio da estrutura, elementos construtivos fixos, suas instalações, empuxo de terra permanente, vento, variação da temperatura e uso da estrutura por pessoas, veículos, estoques de materiais, entre outras.
“Nos terminais portuários, além dessas, existem outras que se destacam como as principais ações e carregamentos atuantes. São as oriundas das combinações de esforços de atracação dos navios e da operação de equipamentos de carga, descarga e transporte (portainers, descarregadores, guindaste portuário, reach stakers etc). Por vezes, elas coexistem com forças da natureza, como ventos, ondas, marés, correntes e regime de enchentes”, reforça.
Para assegurar a durabilidade da estrutura ao longo do tempo de serviço previsto em projeto, é preciso observar requisitos técnicos específicos, que, por sua vez, estão relacionados às condições ambientais, climatológicas e às feições oceanográficas ou fluviográficas do local. De acordo com o consultor, essas especificações são mais exigentes na obra portuária do que nas edificações imobiliárias.
CONCRETO
As obras portuárias se enquadram na classificação tipo IV da ABNT NBR 6118:2003, norma que classifica os ambientes de alta agressividade e com elevado risco de deterioração da estrutura. Daí a importância de uma série de recomendações em relação ao concreto, que deve ser o mais impermeável possível visando sua durabilidade.
“A qualidade do concreto correspondente a esse nível de agressividade leva à adoção de fator A/C (água/cimento) ≤ 0,45, sendo que a classe do concreto segundo a ABNT NBR 12655:2015 deve ser ≥ C40. Ou seja, concreto com resistência característica à compressão maior ou igual a 40 Mpa. E o consumo mínimo deve ser ≥ 360 Kg de cimento Portland por metro cúbico”, explica o consultor.
A norma ABNT NBR 6118 para a classe de agressividade IV orienta que o recobrimento para viga/pilar deve ser de 50 mm e para laje de 45 mm, com ∆C = 10mm. “É muito comum vermos especificações de projeto com exigências maiores, como fator A/C ≤ 0,40 e consumo de cimento até de 450 Kg/m³, e recobrimento mínimo de 50 mm para qualquer tipo de estrutura, inclusive pré-moldados”, diz.
A norma ABNT NBR 12655, seguindo a ACI-Building Code 318-2002, regulamenta que nas estruturas expostas a cloretos nas condições de serviço, o teor máximo de íons cloretos (Cl-) no concreto deve se limitar a 0,15% sobre a massa do cimento. Só haverá corrosão por cloretos quando o PH for menor que 9.
Cimentos com teores mais elevados de C3A (aluminato tricálcio) respondem melhor à absorção dos íons de cloreto, pois, ao combinar com os íons, transforma-os em sal insolúvel, anulando os efeitos deletérios que poderiam causar. “Contudo, altos teores de C3A no cimento podem provocar o aumento das patologias relacionadas com o ataque por sulfatos e a reação álcali-agregado”, alerta Carvalho.
A resistividade é outro parâmetro importante a ser considerado nesse tipo de obra, pois a taxa de corrosão é dependente da resistividade elétrica do concreto. Para que não haja corrosão, ou para que ela seja mínima, a resistividade do concreto tem que ser maior que 1.000 Ω.m. Uma alta resistividade pode ser alcançada com adição de pozolona ou cinza volante ao concreto.
Os sulfatos estão presentes em 8% dos sais dissolvidos na água do mar. A norma ACI 318R-21 estabelece que cimentos com até 10% de C3A podem ser utilizados com fator água cimento de até 0,40. É interessante, também, que sejam feitas adições de pozolona, microsílica e cinzas volantes.
“A utilização da pozolona substituindo em parte o cimento no traço, além de fazer com que o concreto resista melhor ao ataque por sulfatos, também diminui a geração de calor de hidratação durante a reação, reduzindo problemas de fissuração durante o período de pega e cura do concreto”, explica.
No Brasil, estão disponíveis os cimentos pozolânicos tipo CP II-Z Cimento Portland composto com pozolana (com 6% a 14% de pozolona), CP IV – Cimento Portland Pozolânico (com 15% a 50%) e CP-RS – Cimento Portland resistente a sulfatos, bastante usado em obras de recuperação. Esses cimentos tem o teor de C3A do clínquer ≤ 8%. A adição de pozolona, sílica ativa e metacaulim faz baixar o coeficiente de difusão dos cloretos, conferindo ao concreto maior impermeabilidade e, portanto, maior durabilidade.
ADITIVOS
Nas obras marítimas, o consumo de cimento no concreto ultrapassa 400 kg/m³. Por essa razão, é utilizado aditivo inibidor de hidratação, no intuito de estabilizar concretos que serão lançados bem após a sua confecção e controlar a geração de calor de hidratação em concretos de alto consumo.
Quanto à boa trabalhabilidade do concreto, normalmente são empregados superplastificantes, que são redutores de água, ou hiperplastificantes. Esses elementos fazem com que a o concreto possa ter um slump alto, podendo ser utilizado em concretagens submersas, ou bombeado, ou como autoadensável, apesar de apresentar um fator A/C baixo, menor ou igual a 0,40.
“No quesito durabilidade, dispomos de aditivos inibidores de corrosão, como o nitrato de cálcio. Sendo adicionado corretamente ao concreto, tem efeito de prevenir a corrosão e, até mesmo, reduzir a sua taxa”, orienta. Os aditivos hidrofugantes também podem ser aplicados durante a concretagem para a proteção contra a penetração de cloretos, nas primeiras idades, antes que o concreto adquira maturidade e densidade suficientes. Esse tipo de tratamento, baseado em polímeros, tem sua eficiência reduzida com o tempo, devido ao envelhecimento e desgaste, o que leva a depender de constante manutenção.
“Uma maneira de impermeabilizar a superfície de modo mais eficiente consiste na utilização de aditivos minerais conhecidos como aditivos de cristalização PRAH – aditivos para redução da permeabilidade à pressão hidrostática. Ao serem adicionados ao traço do concreto, reagem quimicamente com os produtos de reação do cimento, formando uma estrutura cristalina insolúvel, o que torna a superfície selada contra a penetração de água e, consequentemente, dos cloretos”, destaca Carvalho.
Conceito inovador é o chamado “concreto autocicatrizante”. Resulta da mistura do concreto com a bactéria Bacillus Pseudofirmus ou Sporosarcina Pasteurii, juntamente com o nutriente orgânico calcium lactate. “A bactéria repousa no concreto em estado latente por até 200 anos após a concretagem. Quando houver algum ponto de passagem da água para o interior do concreto, como uma fissura por exemplo, a bactéria é ativada e começa a produzir carbonato de cálcio, a partir de nutrientes contidos na água, preenchendo naturalmente a passagem (fissura) em apenas três semanas”, explica. Associadamente poderão ser adicionados superpolímeros – uma espécie de hidrogel em partículas, superabsorventes –, que bloquearão a passagem (fissura), assim que entrarem em contato com a água. Quando o ambiente ficar seco, eles se retrairão.
ARMADURAS
As armaduras de aço CA50, além do recobrimento do concreto, podem ser protegidas por meio de revestimento epóxi (fusion bonded epoxy coated). A proteção se faz por processo de galvanização a quente, ou pela implantação de um sistema de proteção catódica, uma vez que se assegure que as barras tenham continuidade elétrica. A proteção catódica utilizada em estacas e outros elementos metálicos em contato com a água pode ser do tipo galvânica, com uso de anodo de sacrifício ou do tipo por corrente impressa.
Em situações especiais, quando se tem uma exigência de vida útil superior a cem anos para a estrutura, uma medida eficiente é a substituição das barras de aço-carbono por aço inoxidávelClaudio Carvalho
“Em situações especiais, quando se tem uma exigência de vida útil superior a cem anos para a estrutura, uma medida eficiente é a substituição das barras de aço-carbono por aço inoxidável. O uso seletivo do aço inox, nas partes mais críticas da estrutura, diminui os custos”, indica o consultor, lembrando que, em obras de recuperação, a fibra de carbono reforçada (fiber-reinforced polymer) é um bom substituto do aço.
O uso de pré-moldados em obras portuárias é uma prática corriqueira, adotada em quase todos os projetos. Como o pré-moldado é executado dentro de um ambiente controlado, são maiores as chances de se obter um produto de maior qualidade do que os concretos in-situ, lançados em fôrmas e sujeitos às intempéries. “Uma vez que o pré-moldado é aplicado após as etapas de cura e ganho de resistência para içamento, não há risco de exposição pré-matura aos cloretos e outros sais encontrados no mar”, complementa.
ESTRUTURAS METÁLICAS
Embora a maioria das obras tenha sido construída com concreto armado, em determinadas situações o aço é mais indicadoClaudio Carvalho
O ambiente marítimo não impede que instalações portuárias sejam erguidas com estruturas de aço. “Embora a maioria das obras tenha sido construída com concreto armado, em determinadas situações o aço é mais indicado”, observa o consultor, indicando as vantagens do sistema: leveza, resistência, versatilidade, logística, simplicidade de execução, locais restritos e isolados, e prazo.
Carvalho cita, como exemplo, a obra do terminal off-shore salineiro do Rio Grande do Norte, um “porto-ilha” isolado e distante da costa 26 km, com grande parte de estrutura construída em aço. O aço é largamente empregado com elemento de fundação, a exemplo das estacas metálicas tubulares e estacas-pranchas. Como também na construção de decks, comportas, plataformas, dolfins, caminho de rolamento, torres de carregamento, passarelas, pipe-racks, pontes de acesso, entre outros.
Os cuidados vão desde o uso de aços de ligas especiais até sua proteção superficial por sistemas de pintura constituídos por resinas epóxicas, poliéster insaturado, poliuretano, pó de zinco, e outros mais. Além disso, há os sistemas de proteção catódica e o de galvanização a quente. “Contando com uma sobre-espessura no seu dimensionamento e, principalmente, com uma eficiente manutenção, as estruturas metálicas em obras portuárias têm sua vida útil assegurada por muitos anos”, comenta.
MANUTENÇÃO E RECUPERAÇÃO
De acordo com Carvalho, a maioria das ações preventivas se dá na elaboração do projeto e na execução da obra. “Porém, mesmo que a obra tenha sido executada conforme recomendações das normas brasileiras e estrangeiras e de acordo com as boas práticas da engenharia, ela não está totalmente livre da penetração de íons cloretos na estrutura. Daí a importância das vistorias técnicas e constante acompanhamento da estrutura, realizando a manutenção preventiva logo no estágio inicial da patologia”, alerta.
Os principais agentes causadores de danos ao concreto e ao aço de instalações portuárias são a erosão e lixiviação, causadas por ondas, correntezas, chuvas, entre outros fatores; ciclos de molhagem e secagem; ataque químico por sulfatos; reação álcali-agregado; ataque por bactérias; corrosão por cloretos; carregamentos excessivos; fadiga e impactos nas estruturas durante a manobra de navios.
As principais degradações do concreto são: fissuração, esfoliação, fendilhamento, deflexão, rotura, desgaste, cavidades, deformação restringida, destacamento, desagregação, lixiviação e danos superficiais. Já no aço, podem ocorrer: despassivação, expansão, perda de diâmetro, perda de aderência e perda de massa.
A degradação do concreto em obras portuárias se dá em diferentes zonas:
a) Zona 1 – área submersa;
b) Zona 2 – área compreendida entre a mínima maré astronômica e a máxima maré astronômica;
c) Zona 3 – área exposta periodicamente pelas ondas (splash), acima da maré máxima astronômica;
d) Zona 4 – área atmosférica, apenas esporadicamente exposta pelas ondas (splash) ou pela maresia (spray).
“Essas zonas influenciam tanto na intensidade como no tipo da agressividade a que a estrutura é submetida. De igual maneira, influenciam na metodologia de manutenção e de recuperação, inclusive quanto aos tipos de produtos a serem aplicados”, ensina. Em termos de durabilidade, a área mais crítica é a zona 2, pois está sujeita a um ciclo ininterrupto de molhagem e secagem e mais exposta a ondas e correntezas. A vistoria subaquática com mergulhadores, realizada por baixo da estrutura com uso de uma pequena embarcação, é a única forma de acesso e visualização das patologias nas zonas 1, 2, 3 e parte da zona 4.
Após a inspeção, normalmente são realizados ensaios investigatórios e de verificação do desempenho dos elementos estruturais. “Os ensaios irão revelar a raiz da causa da deterioração e patologias não detectadas anteriormente. Também darão entendimento sobre as taxas da deterioração, avaliarão a resistência original e a durabilidade (tempo de serviço restante)”, acrescenta.
Os métodos de reparos do concreto dependem da localização da patologia por zona, de sua extensão em área e profundidade, da velocidade do ciclo de molhagem e secagem, e das condições de acesso ao local.
Entre os vários métodos, Carvalho cita a injeção de epóxi sobre pressão; concretagem submersa com ou sem substituição de armação; aplicação de argamassas epóxicas e poliméricas; injeção de argamassa ou microconcreto com instalação ou não de formas e purgadores; concreto projetado por via úmida; aplicação manual de epóxi especial (pequenos reparos); aplicação de hidrofugantes; instalação de proteção catódica com anodo de sacrifício ou por corrente impressa; extração de cloretos (dessalinização) por meios eletroquímicos; aplicação de polímeros reforçados com fibra de carbono; encapsulamento com bags ou jaquetas com injeção de argamassa epóxica; concretagem no método prepacked para aplicação subaquática.
Leia também:
Impermeabilizantes rígidos ou flexíveis: saiba especificar
Membrana de poliureia é indicada para impermeabilização de ambientes agressivos
Colaboração técnica
- Claudio Carvalho – Engenheiro civil com mais de 30 anos de experiência em engenharia portuária e marítima. Com atuação nas áreas de produção, planejamento e engenharia, na concepção, desenvolvimento e construção de grandes projetos. Sua experiência abrange a construção de portos, emissários submarinos, obras de proteção costeira, dragagem, derrocagem, obras subaquáticas e infraestrutura logística. Possui MBA em Gestão Empresarial (FGV-SP) e Master en Gestión de Puertos, Universitat Politècnica de Cataluña (Barcelona, Espanha).