Como projetar rampas
Regulado por uma norma técnica, o elemento de circulação responde à acessibilidade universal e é obrigatório em edifícios públicos
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
As rampas consomem muito mais área do que outras formas de circulação vertical, como escadas e elevadores, porque devem ter inclinação suave. Esse fator torna limitada a sua aplicação, pois não é todo projeto que dispõe de espaço suficiente. Nos edifícios públicos, são elementos da acessibilidade universal e devem cumprir exigências normativas. Já em espaços privados, como residências, podem ter inclinação mais acentuada. “O desenho das rampas deve nascer junto com o projeto, pois inseri-las posteriormente é quase impossível”, diz o arquiteto Pablo Emilio Robert Hereñú, titular do escritório Hereñú+Ferroni Arquitetos.
Há empreendimentos que se destacam, justamente, pelo uso desse recurso arquitetônico. As rampas do edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), projetado por Vilanova Artigas, estão entre as melhores referências. “Todo esse prédio é organizado em meios níveis ligados pelas rampas, que se integram também a outros espaços, com eventos acontecendo nos seus giros. Constituindo mais do que um elemento de circulação, elas tornam o percurso mais agradável”, comenta.
Os elementos construtivos mais frequentes para compor as rampas são concreto e aço (SantaGig/Shutterstock.com)
Exemplos menos felizes dessa solução arquitetônica são as rampas que dão acesso às passarelas para pedestres sobre rodovias. São muitas, de percurso cansativo e burocrático. Trata-se de um jogo de rampas vertical, isolado. Segundo Hereñú, porém, é difícil pensar em outro desenho para elas. O ideal é que os patamares intermediários cheguem a ambientes como um pequeno bar ou uma banca de jornal, que dão um sentido mais urbano ao percurso. Ou que se integre com a topografia, como ocorre na passarela projetada também por Artigas, na Avenida 9 de Julho, em São Paulo. “Rampas são, portanto, projetos que exigem muita integração, seja com os espaços do edifício, seja com os espaços urbanos”, reafirma o arquiteto e urbanista.
ACESSIBILIDADE
O desenho das rampas deve nascer junto com o projeto, pois inseri-las posteriormente é quase impossívelPablo Emilio Robert Hereñú
Edifícios públicos e privados são obrigados a oferecer acessibilidade universal, porém, não é mandatório que o façam por meio de rampas – a outra opção são os elevadores. A ABNT NBR 9050, referente à acessibilidade em edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos determina que as rampas tenham inclinação máxima de 8,3%. “O cálculo de quanto a linha vertical sobe em relação à horizontal é sempre feito em porcentagem. Assim, para subir 1 m na vertical em relação a 10 m na horizontal, temos 1/10, ou 10%. A porcentagem normativa de 8,3% representa quase 1/12 – para subir 1 m, são necessários 12 m de extensão”, esclarece Hereñú, acrescentando que o valor é polêmico, com críticas de setores que o consideram elevado. As rampas da FAU-USP, por exemplo, têm inclinação de cerca de 10%.
A norma técnica aborda, também, a construção de corrimão. Em uma rampa bastante suave, com 5% de inclinação – proporção de 1/20 –, o corrimão é dispensado. O arquiteto alerta que “uma rampa como essa consome muito espaço em planta, porque, para subir 1 m, são necessários 20 m horizontais”. Porém, há muitos projetos no mundo com essas características, como a do edifício da Biblioteca Central de Seattle (EUA), assinado pelos arquitetos Rem Koolhaas e Joshua Prince-Ramus. O acervo de livros fica em um bloco totalmente organizado em rampas.
Já no Museu Guggenheim, em Nova York, as exposições são montadas ao longo de uma rampa bem suave, que gira em torno do vazio central. “A rampa é o museu”, reforça o arquiteto. Situação diferente é notada nas rampas do prédio da Bienal de São Paulo, que ligam pavimentos e estão associadas ao vazio que Oscar Niemeyer criou. É o momento excepcional do edifício, que permite ao visitante desfrutar da sua espacialidade. “São longas rampas e de inclinação delicada, de cerca de 3%. É um passeio”, comenta Hereñú.
MATERIAIS
Os elementos construtivos mais frequentes para compor as rampas são concreto e aço. Mesmo sendo tecnicamente viável a construção com madeira, a norma técnica proíbe seu uso em edifícios públicos. O revestimento do piso deve ser especificado de acordo com a função do edifício, mas sempre objetivando o conforto e a segurança do usuário. No caso do Auditório Ibirapuera, também projetado por Niemeyer, a rampa curta e helicoidal tem piso de concreto, como na maioria desses elementos em espaços públicos.
A solução helicoidal tem a vantagem de ganhar algum espaço horizontal, se comparada com a linear. Hereñú descarta qualquer possibilidade de rampas circulares, que, no desenho, acabam por se tornar helicoidais. “A diferença entre projetar rampas lineares ou helicoidais, mais largas ou estreitas, está na relação do elemento com o restante do edifício. O projeto determina se a rampa está estruturando tudo, se pode ser adicionada ou substituída por outra solução”, ensina, indicando que a largura mínima é de 1,20 m para edifícios públicos.
A diferença entre projetar rampas lineares ou helicoidais, mais largas ou estreitas, está na relação do elemento com o restante do edifícioPablo Emilio Robert Hereñú
RAMPAS EM GARAGENS
A norma técnica estabelece que a inclinação máxima das rampas para garagens de edifícios seja de 20%. Essa é uma condição comum nos acessos aos estacionamentos de edifícios, que se revelam íngremes e desconfortáveis para pedestres, mas suficientes para automóveis. As larguras variam de acordo com o desenho do elemento, ou seja, se for helicoidal, deve ser mais larga. O mesmo vale para tráfego de mão dupla e circulação de ônibus e caminhões. É preciso, ainda, que o projeto crie patamares horizontais, intercalando trechos de rampas.
Em shopping centers e supermercados, as rampas ganham o conforto adicional das esteiras rolantes, principalmente para que os usuários possam circular, com segurança, com os carrinhos de compras. “Esse equipamento também permite aumentar o fluxo de pessoas, como ocorre em algumas estações de metrô”, destaca o arquiteto. Um bom exemplo é a estação Paulista, na rua da Consolação, onde o intenso tráfego nos horários de pico seria ainda mais lento não fosse pela esteira rolante – por ali, passam 22,5 mil passageiros/hora.
RAMPAS E ESCADAS
Em geral, edificações com rampas têm escadas que funcionam como um atalho para quem não tem mobilidade reduzida. “É o caso do prédio da FAU-USP, onde as escadas são usadas por quem tem pressa”, observa Hereñú. Seu escritório projetou a Escola Estadual Nova Cumbica, composta por um edifício com térreo mais três pavimentos. Por se tratar de um colégio público, a acessibilidade é obrigatória e a alternativa de usar elevador foi descartada. “O elevador ocupa menos espaço, porém, as instituições de ensino em geral não têm verba suficiente para a manutenção. Pode acontecer de o elevador quebrar e a escola fica sem acessibilidade”, observa.
A rampa, por sua vez, resolve o problema definitivamente. Nesse projeto, Hereñú fez com que rampas e escadas compartilhassem o patamar intermediário. “A solução deu uma dinâmica de circulação mais rica à escola. Permitiu aos alunos que não têm mobilidade reduzida variar os percursos, fazendo o trajeto em parte na rampa e em parte pelas escadas”, relata. A rampa foi também pensada para ser uma área de encontro com vista para o exterior, e não apenas como um meio de circulação. A inclinação é de 8,3%, conforme pede a norma, e a largura, de 1,80 m, com piso em concreto.
Colaboração técnica
- Pablo Emilio Robert Hereñú – Arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP, 2001); mestre em 2007 e doutor em 2016 pela mesma instituição. Professor de projetos na Escola da Cidade (SP) desde 2002. Titular da empresa Hereñú +Ferroni Arquitetos desde 2002.