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Confira novas regras para acessibilidade em hotéis e pousadas

Apesar de já existir vasta legislação sobre o tema, o governo federal publicou, em março, novo Decreto que regulamenta um artigo do Estatuto da Pessoa com Deficiência

Publicado em: 03/05/2018

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

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Quantidade mínima de quartos acessíveis passou de 10% para 5% (foto: Shutterstock / Stock-Asso)

Pessoas com dificuldades de locomoção que costumam se hospedar em hotéis, pousadas e estabelecimentos similares (como albergues, motéis, resorts etc.) acabam de ver reduzida a disponibilidade de quartos acessíveis. Isso porque o Decreto nº 9.296, publicado em março pelo governo federal, reduziu de 10% para 5% a quantidade de dormitórios que, obrigatoriamente, devem contar com características construtivas e recursos voltados para a acessibilidade.

O decreto regulamenta o Artigo 45 do Estatuto da Pessoa com Deficiência – denominação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), 13.146, de 06 de junho de 2015. Além disso, ele aumenta o prazo para a adaptação desses estabelecimentos aos princípios do desenho universal.

“O Decreto não apresenta nada de novo, muito pelo contrário. Atendendo a pedidos dos empresários de hotelaria e construtoras, ficaram mais brandas as exigências de acessibilidade previstas na Lei Brasileira da Inclusão (LBI)”, destaca a arquiteta Silvana Cambiaghi, conselheira estadual do Conselho de Arquitetos e Urbanistas de São Paulo (CAU/SP) e presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo (CPA).

Acerca da redução na quantidade de dormitórios acessíveis, ela diz: “O valor determinado pela lei refletia o aumento no número de pessoas com dificuldade de locomoção que saem mais de suas casas, idosos, gestantes, obesos e pais com carrinhos de bebê. Era a garantia de maior conforto para todos”.

Leis anteriores também previam que hotéis, pousadas e empreendimentos semelhantes construídos até 2004 realizassem as adequações até 2015. Já para os projetos posteriores a 2004, a obrigatoriedade era que já fossem arquitetados contando com as soluções de acessibilidade. Agora, com o Decreto nº 9.296, os edifícios construídos até junho de 2004 ganharam mais quatro anos de prazo. Os executados ou com projetos protocolados entre junho de 2004 e janeiro de 2018 têm mais dois anos para se adaptarem. “O Decreto ampliou o prazo já estabelecido e encerrado pela Lei. Isso o torna muito frágil”, analisa Cambiaghi.

Acessibilidade corporativa já é um direito de todos

O Decreto não apresenta nada de novo, muito pelo contrário. Atendendo a pedidos dos empresários de hotelaria e construtoras, ficaram mais brandas as exigências de acessibilidade previstas na LBI
Silvana Serafino Cambiaghi

LEGISLAÇÕES ANTERIORES

O texto de atualização da norma técnica de 1994, a NBR nº 9.050:2004 — Acessibilidade a Edificações, Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos –, da ABNT, diz: “Pelo menos 5%, com no mínimo 1 do total de dormitórios com sanitário, devem ser acessíveis. Estes dormitórios não devem estar isolados dos demais, mas distribuídos em toda a edificação, por todos os níveis de serviços e localizados em rota acessível. Recomenda-se, além disso, que outros 10% do total de dormitórios sejam adaptáveis para acessibilidade”.

Também em 2004, foi promulgada legislação que acompanha a norma técnica. “O Decreto Federal nº 5.296: 2004, em seu artigo 10, determina que todo projeto deve ter desenho universal, tendo como referências básicas as normas técnicas de acessibilidade da ABNT, a legislação específica e as regras contidas na lei”, informa a especialista.

Em São Paulo, o Código de Obras (Lei nº 16.642/2017), em seu Decreto Regulamentador nº 57.776/2017, determina que “os novos hotéis, pousadas e similares devem ser construídos observando-se os princípios do desenho universal, além de adotar todos os meios de acessibilidade, conforme legislação em vigor”. A lei estabelece, ainda, que pelo menos 10% dos dormitórios dos estabelecimentos já existentes devem ser acessíveis, garantindo, no mínimo, uma unidade acessível.

A Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) define para a capital paulista, desde 2016, as características das unidades acessíveis. O organismo determina as diretrizes para o desenho universal e para a acessibilidade em hotéis, motéis, pousadas e similares na Resolução CPA/SMPED/021/2016.

ADAPTAÇÕES

O novo Decreto do detalha as adaptações que deverão ser realizadas. Por exemplo, os quartos acessíveis precisam apresentar dimensões para acesso, circulação, manobra e alcance, além de mobiliário em conformidade com o que determina a ABNT. O mesmo deve acontecer com as cozinhas e os banheiros, que precisam atender integralmente às normas técnicas.

“O chuveiro tem que ser equipado com barra deslizante, desviador para ducha manual e controle de fluxo (ducha/chuveiro) na ducha manual (chuveirinho) — que precisa estar sempre posicionada na altura mais baixa quando o hóspede chegar”, detalha a arquiteta. O olho mágico deve estar instalado a uma altura que pode variar entre 120 cm e 160 cm. Já a campainha necessita de indicadores sonoro e luminoso intermitente na cor amarela.

Existe a obrigatoriedade legal há muitos anos, mas as empresas não se preocupavam em atendê-las. Por isso, é importante que haja fiscalização e denúncia dos usuários
Silvana Serafino Cambiaghi

A tecnologia para o sistema magnético de tranca das portas tem de ser pensada para permitir a autonomia do hóspede com deficiência visual, auditiva ou com ambas. É recomendada a indicação em relevo, ranhuras ou cortes dos espaços de leitura dos cartões magnéticos. Toda a sinalização de emergência deve contar com avisos sonoros e luminosos intermitentes (flash) na cor vermelha.

Por fim, o aparelho de televisão tem de ser equipado com dispositivos receptores de legenda oculta e áudio secundário. O telefone, por sua vez, precisa ter tipologia ampliada e amplificador de sinal.

O Decreto exige, ainda, que os estabelecimentos disponham de cadeiras de rodas simples ou adaptadas para o banho; materiais de higiene com identificação em Braile; impressos, como formulários e cardápios, disponíveis em Braile e com fonte ampliada e contrastando com o fundo; entre outros.

PUNIÇÕES

“A própria NBR nº 9.050, da ABNT, que tem força de lei, já pede, desde 2004, penalidades para quem descumprir as determinações. As punições não são multas, mas a negação na concessão de licença para o funcionamento dos estabelecimentos”, comenta Cambiaghi, lembrando que a norma passou por revisão em 2015. “Existe a obrigatoriedade legal há muitos anos, mas as empresas não se preocupavam em atendê-las. Por isso, é importante que haja fiscalização e denúncia dos usuários”, ela finaliza.

O papel do arquiteto

As adequações dos empreendimentos nem sempre exigem a presença de um arquiteto especializado em desenho universal. “Um bom profissional tem que estar sempre a par de todos os itens e das prerrogativas da boa arquitetura e procurar fazer ambiente bonitos e acessíveis, que atendam a qualquer usuário”, ressalta Silvana Serafino Cambiaghi.

“O CAU-SP fez um grande trabalho no Estado de São Paulo para divulgar a acessibilidade e o desenho universal, assim como as exigências da LBI. A procura e o interesse foram bastante grandes. Precisamos propagar, cada vez mais, esse tema, para que tenhamos cidades acessíveis para todos, sem necessidade de adequação posterior”, opina Cambiaghi.

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Colaboração técnica

Silvana Serafino Cambiaghi – Arquiteta e mestre em Desenho Universal pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP). É presidente da Comissão Permanente de Acessibilidade de São Paulo (CPA), conselheira estadual do Conselho de Arquitetos e Urbanistas de São Paulo (CAU-SP) e membro do grupo de trabalho para revisão da NBº n° 9.050 e demais normas técnicas de acessibilidade da ABNT. Sócia-titular do escritório Design Universal Consultoria, é docente dos cursos de Mestrado em Design da Universidade Estácio de SÁ e ministra palestras no Brasil e no exterior. Em 2000, recebeu o prêmio internacional Horizontes que Convergem, da Universidad de Guanajuato, no México. É autora do livro Desenho universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas, condecorado com o 22º Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira.