Conforto térmico requer combinação de estratégias. Confira algumas delas
Materiais isolantes, sejam eles resistivos ou refletivos, podem resultar em condições térmicas indesejáveis quando empregados sem estudo prévio, ainda na fase de concepção da edificação
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
As cores influenciam no quanto os materiais refletem e no quanto absorvem de radiação solar (Foto: Radovan1/Shutterstock)
Se a qualidade do projeto e da construção é falha, pode haver deficiência no desempenho acústico e térmicoMarcelo Nudel
Conforto ambiental é uma disciplina abrangente que contempla as condições térmicas, acústicas e lumínicas das edificações. Desde 2013, seguindo os requisitos de desempenho da NBR 15575 e apoiada em projetos específicos, parte das incorporadoras e construtoras brasileiras consegue produzir ambientes minimamente confortáveis para seus usuários.
“Mas, se a qualidade do projeto e da construção é falha, pode haver deficiência no desempenho acústico e térmico”, diz o arquiteto Marcelo Nudel, sócio-diretor da Ca2 Consultores. No caso das fachadas, mesmo que não denotem problemas visíveis, pequenas frestas entre os caixilhos e a alvenaria, ou na sua vedação, possibilitam a infiltração de ruído e ar externo, como calor ou ar frio, para o interior.
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Conforto térmico
Membro do comitê de revisão da norma no quesito Desempenho Térmico, Nudel, que morou alguns anos em Sidney (Austrália), compara o clima de lá – invernos relativamente frios e verões intensos – ao do sul do Brasil. As temperaturas em Porto Alegre, por exemplo, vão de zero a mais de 40 °C em cada uma dessas estações.
“Para regiões com essas variações anuais de temperaturas e com amplitude térmica diária alta, o projeto de isolamento térmico deve ser resultado de uma combinação de estratégias de envoltória. O que se quer é manter o calor dentro de casa no inverno e, ao mesmo tempo, promover ventilação natural, com dimensionamento e localização adequada de janelas, para expulsar o ar quente no verão”, indica.
O especialista lembra que é fundamental a previsão de elementos como brises ou beirais, capazes de sombrear os vidros das janelas no verão e deixar o sol entrar no inverno.
Cuidados com os excessos
Em linhas gerais, projetos em localidades de clima predominantemente frio se beneficiam bastante dos materiais isolantes térmicos no inverno. Já nas regiões mais quentes, podem tirar proveito do isolamento térmico para evitar ganhos de calor excessivo, principalmente as casas, que se beneficiarão mais se aplicarem isolantes nas coberturas. “Porém, se usados em excesso, sem ventilação natural adequada e sombreamento dos vidros, o resultado será um verdadeiro forno no verão. É o que vem acontecendo em muitas residências na Europa atualmente”, adverte.
Um projeto de conforto ambiental desenvolvido com sucesso para determinada obra pode se tornar um desastre se implementado em outra. O estudo é válido para cada situação e preparado durante a concepção do projeto arquitetônico, considerando fatores como orientação solar, volumetria, pé-direito, tamanho e posicionamento das janelas, sombreamento, tipos de vidros, cor da fachada e a existência ou não de edifícios no entorno.
Telhas e tijolos
A escolha dos materiais que participam da obra deve considerar três quesitos principais: a cor, a condutividade e a espessura. “As cores influenciam no quanto eles refletem e no quanto absorvem de radiação solar. Quanto mais claro for, melhor, pois refletem mais”, indica.
Os materiais, em geral, possuem níveis diferentes de condutividade. “Telhas de baixa condutividade deixam passar menos calor, como as cerâmicas. Já as de fibrocimento, ou metálicas, por exemplo, têm alta condutividade”, expõe. A mesma comparação vale para os tijolos: o cerâmico vazado é mais isolante do que o tijolo vazado de concreto.
Cobertura protegida
Em residências horizontais, faz diferença se o isolante é instalado sobre ou sob a laje, principalmente em climas com amplitude térmica diária alta – ou seja, locais com alta variação (cerca de 10 °C ou mais) entre as temperaturas mínima e máxima do dia.
“É importante que o ar interno esteja em contato com o concreto, que tem a propriedade da inércia térmica, ou seja, absorve o calor dos ambientes, armazena-o durante algumas horas e reirradia novamente para o espaço interno a noite”, diz. Isso faz com que as temperaturas internas se mantenham mais amenas em dias quentes. O benefício não ocorre se o imóvel tem um forro de gesso ou isolante térmico sob a laje.
De uso comum em telhados de edificações horizontais, as mantas metálicas, se instaladas do lado de fora, sobre o telhado, ajudam no isolamento térmico tanto quanto pintar a cobertura de branco. Cumprem a função de refletir a maior parte da luz, enquanto o restante é absorvido e transmitido para dentro do ambiente na forma de calor.
“No Brasil, são empregadas de forma errada”, diz, ensinando que as mantas metálicas devem ser instaladas sob as telhas, com distância de cerca de 10 cm e com a face metalizada voltada para cima. “Mantas metalizadas, quando instaladas dessa forma, atuam como um isolamento térmico refletivo. Com essa configuração, boa parte do calor será irradiado para fora”, fala.
A solução pode ser complementada com uma manta de isolamento resistivo (lã mineral, por exemplo) e manta metalizada acima, mantendo-se o espessamento com as telhas, para manter o calor da casa no inverno e rejeitá-lo no verão. E, ainda, com a inserção de mantas térmica, como lã de vidro ou de rocha, ou placas de poliestireno expandido (EPS), com ótimos resultados.
Telhado verde
“Essa solução como isolante térmico é outro mito do mercado. Pode ajudar, mas nem sempre”, comenta, chamando a atenção para o fato de que faz diferença a espessura de terra sobre a cobertura, ou seja, 10 cm terá muito menos influência sobre o calor do que 50 cm ou mais. A compactação e o tipo de solo também influenciam.
Qualificado por Nudel como um tipo de isolamento térmico, o telhado verde também responde ao quesito cor. Porém, como a grama e a vegetação em geral têm tonalidades escuras, absorvem mais calor do que refletem. Quanto à condutividade do solo, vai depender de suas características e de sua compactação – quanto mais compactado, tem menos bolsões de ar e, portanto, é menos isolante.
“Essa solução é mais empregada, hoje, para responder às exigências das certificações de sustentabilidade, como o LEED. Mas não costuma ser aplicada a norma de desempenho que, muitas vezes, pode ser atendida com o uso de 7 ou 10 cm de EPS. Por outro lado, o condomínio precisa investir na manutenção da vegetação e nem sempre o faz”, analisa o especialista, ressalvando que o telhado verde tem função interessante como redutor de ilhas de calor nas cidades.
Recurso menos utilizado e com certo grau de eficiência térmica é a criação de lâmina d’água sobre a laje. A água tem inércia térmica, como o concreto, e a radiação solar fica retida na água e não é emitida para os ambientes abaixo. “Por melhor que seja a impermeabilização da laje, com o tempo haverá infiltração e o morador abandona a solução. Aspecto a se considerar é que estamos falando de água parada, portanto, de ambiente propício aos insetos como o causador da dengue”, ressalta.
Vidros
O cuidado com o conforto térmico tem que nascer na fase de projeto, evitando o envidraçamento excessivo e promovendo sombreamento em fachadas críticas da edificação, principalmente a oeste e a norteMarcelo Nudel
Segundo Nudel, os vidros, mesmo os de alto desempenho, têm limitações quanto ao calor que refletem para fora dos espaços. “O cuidado com o conforto térmico tem que nascer na fase de projeto, evitando o envidraçamento excessivo e promovendo sombreamento em fachadas críticas da edificação, principalmente a oeste e a norte”, adverte. Na tentativa de mitigar, é comum a aplicação de películas nos vidros. Para ele, as de boa qualidade cumprem essa função com limites.
“Em prédios corporativos, por exemplo, quando o vidro é muito claro, passa luz e calor. A película ajuda, mas não resolve. Se o ambiente está em 37 °C, e a película puder reduzir cerca de 3 ou 4 °C – o que já é muito –, o desconforto ainda se mantém. Portanto, ela nunca deve ser usada como estratégia de projeto bioclimático. É só remediação, depois que as oportunidades originais do projeto já foram perdidas”, destaca.
Além dos brises, a boa prática recomenda o uso de venezianas, beirais longos e a distribuição das janelas – menores e maiores – conforme a orientação solar.
Materiais isolantes no piso
Em termos simples, a luz do sol que invade os ambientes se transforma em calor. “Quanto mais o piso for capaz de absorver e segurar a radiação, menor será a quantidade de calor introduzida no espaço”, fala Nudel. Entre os materiais, os que melhor respondem a essa demanda são os pisos de concreto, cerâmicos ou de rochas. Porém, se a necessidade é preservar o calor em regiões mais frias, as melhores opções são os pisos vinílicos, o carpete e a madeira. O uso de cortinas de tecido, pesadas, evitam que o ar interno entre em contato com o vidro que estará frio no inverno, ajudando a manter o conforto no espaço interno.
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Colaboração técnica
- Marcelo Nudel – Arquiteto, especialista em sustentabilidade, conforto ambiental e eficiência energética. Pós-graduado em Sustainable Architectural Science pela Universidade de Sydney (Austrália). Sócio-diretor da Ca2 Consultores, empresa de consultoria e projetos nas áreas de sustentabilidade, conforto ambiental, acústica e luminotécnica de edificações. Atuou como consultor de sustentabilidade da Arup, empresa multinacional de engenharia nos escritórios de Sydney, Madrid e São Paulo, assessorando equipes de arquitetos como Norman Foster, Richard Rogers, Renzo Piano e Jean Nouvel, além de importantes escritórios brasileiros na concepção de edifícios de alto desempenho ambiental, incluindo alguns dos principais equipamentos das Olimpíadas Rio 2016. Lecionou em curso de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e como professor convidado nas Universidades de Sydney e New South Wales (Austrália).