Construção civil deve se adaptar aos conceitos sustentáveis
Coordenadora do CBCS – Conselho Brasileiro de Construção Sustentável – alerta: edifícios que não se adaptarem à sustentabilidade, serão desvalorizados
Entrevista: Diana Csillag
Redação AECweb
Diana Csillag, arquiteta formada pela FAU/USP e mestre em engenharia civil com especialidade em Sustentabilidade pela POLI, alerta que, para evitar a tragédia climática tão anunciada e debatida, é preciso começar a agir já. No centro da questão, estão as ações voltadas para a sustentabilidade na construção civil. “Os edifícios que não se adequarem, serão desvalorizados”, diz Csillag, coordenadora dos Comitês Temáticos do CBCS – Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, nesta entrevista ao AECweb.
AECweb - Quais os caminhos para um profissional se formar em sustentabilidade na construção civil?
Diana - A formação básica profissional precisa oferecer uma visão horizontal ampla sobre diferentes áreas que tratam de aspectos sustentáveis - entre elas, energia, água, materiais, social, economia, canteiro e gestão. Para atuar na área, como especialista, um profissional necessita de um aprofundamento em determinados assuntos de sua escolha, o que o levará a dominar as ferramentas específicas da área. Essa formação especializada pode vir de cursos técnicos ou de pós-graduação.
AECweb - Há futuro para a construção que não for sustentável?
Diana - Acredito que não. Os edifícios que não atenderem a sustentabilidade serão desvalorizados e terão de se adequar.
AECweb - O mercado tem claro que sustentabilidade é um conceito amplo?
Diana - O mercado está amadurecendo rapidamente e está optando por empreendimentos com estratégias sustentáveis. Alguns empreendimentos comerciais valorizam estes esforços, certificando o empreendimento. Mas, a sustentabilidade deve abordar um conceito mais amplo, o ciclo de vida do empreendimento, ou seja, não pensar apenas no projeto e construção, como ocorre hoje, pois o maior impacto ambiental se dá durante a fase de ocupação e demolição do empreendimento.
AECweb - Prédios ‘verdes’ ou sustentáveis?

Diana - Devemos pensar em prédios sustentáveis e não em prédios ‘verdes’. Quando associamos apenas o termo verde, concentramos a atenção apenas nos aspectos ambientais, e não abordamos a dimensão social e a dimensão econômica da sustentabilidade.
AECweb - Falando em marketing, o que é o green wash?
Diana - Greenwash, ou verniz ‘verde’, é a prática de induzir os consumidores ao erro em assuntos relacionados às práticas sócioambientais de uma empresa, ou de benefícios ambientais de um produto ou serviço. O termo é utilizado para descrever organizações que querem aparentar adotar práticas benéficas ao meio ambiente, quando na verdade não o fazem.
AECweb - Quais as suas recomendações para evitar produtos com essas características?
Diana - Para evitar produtos que contenham apenas o verniz ‘verde’, é necessário prestar atenção às promessas claramente vazias que são feitas a este respeito. Um estudo realizado em 2007 mostrou que foram encontrados com mais freqüência as seguintes formas de verniz ‘verde’: disfarce dos aspectos negativos do produto, destacando os aspectos positivos; ausência de provas para afirmações de conteúdo ‘verde’; imprecisão nas declarações ambientais, chegando às raias da incompreensão; irrelevância, ou declarações de ganhos ambientais que não pertencem ao produto anunciado; mentiras, em geral na forma de declarações simplesmente falsas sobre selos ambientais ou propriedades do produto; promoção de produtos nocivos como tendo alguma vantagem ambiental sobre seus concorrentes, em geral sob o argumento “dos males o menor”.
AECweb - Qual o aspecto da sustentabilidade que mais preocupa as construtoras: eficiência energética ou uso racional da água?
Diana - Para ser sustentável, um projeto deve abordar todos os fatores. Mas é importante entender que a implementação da sustentabilidade depende sempre das características locais do empreendimento. Em regiões sofrendo de estresse hídrico, este deve ser uma preocupação preponderante. Mas isso que não quer dizer que se deve descuidar do risco de desperdício de energia que, a longo prazo, acabará afetando tanto o empreendimento quanto o seu entorno. Por outro lado, num empreendimento de com necessidade de condicionamento de ar, o consumo de energia pode ser um fator crucial, mas isso não justifica um desperdício de água.
AECweb - A crise econômica mundial já causou algum impacto no movimento pela sustentabilidade?
Diana - Um grande fator que disparou a tomada de consciência ambiental foi a crise do petróleo e energia da década de 1970. Em geral, pode-se dizer que a consciência sustentável cresce nas crises. Mesmo antes da recente crise financeira, o Relatório Stern já alertava para a irreversibilidade das mudanças climáticas e o grande impacto econômico que elas terão. As crises, em geral, aguçam a busca por soluções que gastem menos e empreguem de forma mais racional os recursos disponíveis, que são a essência do conceito de sustentabilidade. Mas, ainda é cedo para dizer quais efeitos específicos a atual crise poderá ter sobre a consciência sustentável.

Diana - Economistas familiarizados aos problemas do clima afirmam que a inércia que levou à crise financeira não pode ser repetida na crise climática, pois ignorar os riscos das mudanças climáticas é muito mais grave que ignorar os riscos financeiros. Mas, há uma oportunidade também nesta crise. As novas tecnologias de baixa emissão de carbono e os mercados de carbono são grandes oportunidades abertas pela crise ambiental. A melhoria da eficiência energética tem grande potencial para gerar renda e trabalho. A eficiência poderá ser o principal motor do processo de recuperação, assim como o desenvolvimento de tecnologias limpas.
AECweb - Há iniciativas de levar a sustentabilidade às novas habitações de baixa renda no país?
Diana - Existem, hoje, diferentes iniciativas para levar o conceito da construção sustentável para as habitações de baixa renda. Para embasar este movimento, a academia está produzindo uma série de estudos ligados à área. Um deles é um projeto entre diferentes universidades (Federal de Santa Catarina, Universidade de Campinas, Universidade de São Paulo) e apoiado pela FINEP.
AECweb - O homem terá tempo de reverter a tragédia climática anunciada?
Diana - Apenas se atuar agora. O relatório Stern alerta para os efeitos do aquecimento global e propõe a redução da emissão de CO2 em 80% até 2050. As mudanças climáticas minam o desenvolvimento e não vamos mais poder separar os dois assuntos.
AECweb - Qual a contribuição que cada cidadão pode dar para mitigar esses efeitos?
Diana - Acho que o ponto chave é que não existem soluções sustentáveis sem um consumidor/usuário sustentável. Mudar o comportamento dos consumidores é a parte mais difícil e a mais importante. Ser consciente ao consumir e escolher fornecedores, ter ações práticas para aumentar a ecoeficiência do que consumimos e dos resíduos por nós gerados é uma grande contribuição.
AECweb - Qual o nível de comprometimento do Brasil com a sustentabilidade?
Diana - Há muito palavrório, mas gostaríamos de ver ações práticas. O governo acaba de lançar um projeto para construir centenas de milhares de novas moradias. É inconcebível que estas construções ignorem os conceitos de sustentabilidade. Temos aí um excelente momento para que o palavrório se transforme em ação sustentável. Mas se a ação não vier, além de uma grande perda de oportunidade, o palavrório será desmascarado como totalmente vazio.
Redação AECweb