Construsummit 2024: Reforma tributária x construção civil
Com a promessa de impactar bastante no mercado da construção civil, tema foi debatido por representantes de entidades setoriais no Construsummit 2024
(Foto: Agência J.Somensi)
A reforma tributária é tema complexo e de grande importância para todo o país, incluindo o setor da construção civil e o mercado imobiliário. Pela enorme relevância do assunto, ele não poderia ficar de fora do Construsummit 2024. O evento recebeu representantes de algumas das mais importantes entidades setoriais para uma mesa-redonda.
“Nosso grande objetivo aqui é nos provocarmos para que possamos continuar discutindo na sequência. E que vocês entendam, basicamente, o que precisamos fazer”, destacou José Carlos Martins, presidente do Conselho Consultivo da CBIC, responsável pela mediação do encontro.
“O mundo tem quatro problemas hoje: o preço dos insumos subiu na pandemia e não baixou, a taxa de juros também foi e não voltou, a mão de obra cada dia falta mais e as legislações social, ambiental, entre outras — não é que nós sejamos contra, óbvio que precisam existir — vieram para agregar custos para o nosso produto. E isso não foi acompanhado pela renda das famílias. Com isso, ao longo do tempo, a tendência é perdermos mercado com nosso produto”, destacou Martins, alertando para a importância de se reduzir custos.
“A reforma tributária vai mudar nossa vida completamente, mas entendam que ela muda a chave do processo produtivo”, destacou o executivo.
Entendendo a reforma tributária
Fernando Guedes, vice-presidente Jurídico da CBIC, iniciou sua participação mostrando um dos Projetos de Lei referente à reforma tributária — documento com 515 artigos e com a palavra regulamentação citada 123 vezes. “Isso está em discussão na Câmara e no Senado Federal e mudará de modo radical a vida de todos nós. Não somente do setor da construção e do mercado imobiliário, mas dos segmentos de tecnologia, cosméticos, automobilístico e todos os demais”, antecipou o especialista, destacando que nosso atual sistema tributário é caótico.
“A reforma é necessária porque hoje discutimos se bombom é um bombom ou wafer de chocolate ou se o sorvete do fast food é sorvete ou bebida láctea saborizada, puramente por fins tributários. A ideia da reforma é acabar com esse tipo de discussão e simplificar a aplicação, mas nada é simples em relação a tributos”, continuou Guedes.
O projeto que está em discussão é a reforma dos tributos que incidem sobre o consumo e não daqueles relativos à renda ou folha de pagamento — que devem entrar em pauta nos próximos anos. São cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, CMS e ISSQN) que serão substituídos por três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados, municípios e Distrito Federal; a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União; e o Imposto Seletivo, apelidado de imposto do pecado e que incide sobre operações danosas ao meio ambiente ou à saúde.
Sobre o IPTU, o imposto deve ser alterado para que os municípios possam, por decreto, definir quais são as bases de cálculo do tributo nas suas cidades. Em relação ao ITBI, a proposta atual pretende alterar a maneira de calculá-lo. Ao invés de ser o valor presente no contrato ou na escritura pública, será o valor definido pelo município. “Se for vender um imóvel por R$ 1 milhão e o município disser que ele vale R$ 1,5 milhão para fins de ITBI, da maneira que está hoje, seria esse segundo valor. Mas, ainda está em discussão e não há nada definido”, alertou.
Guedes continuou sua palestra mencionando que estamos acostumados a calcular imposto sobre o faturamento, mas com o IBS/CBS criaremos situação chamada não-cumulatividade. “Você compensa o tributo que é devido naquela operação com o que foi pago na operação anterior”, comentou. Por exemplo, na venda de um apartamento, o cálculo do tributo será sobre o valor apurado, que deduz tudo aquilo que foi pago em impostos na compra de bens e serviços para a construção do prédio. “Essa é a grande mudança cultural de paradigma com a qual o setor terá de viver a partir de agora”, ressaltou o vice-presidente Jurídico da CBIC.
Além disso, a alíquota-base provável será de 26,5% a 28%. “Você pensa: mas eu pago 4% de RET hoje e vou passar a pagar 26,5% na saída? É um aumento brutal de tributo? Não necessariamente, porque essa alíquota nada mais nada menos espelha a tributação sobre consumo caótica que nós temos hoje no Brasil”, explicou Guedes.
As mudanças trazidas pela reforma tributária terão, ainda, potencial de incentivar a produtividade, a eficiência e a industrialização. Isso porque os grandes dificultadores — e até impeditivos — do uso de produtos industrializados off-site no setor da construção são dois: frete e tributos. “Com destaque para os impostos, visto que quando se tem um pré-moldado ou um wood frame a tributação é muito complicada, mas a tendência é melhorar”, disse Guedes.
De acordo com o especialista, ainda é necessária uma calibragem para preservar a neutralidade. “Do jeito que está atualmente, com 40%, ainda há um aumento de carga que vai influenciar diretamente no preço dos imóveis, especificamente, e nos serviços de construção também. Nós precisamos pensar em como vai ser esse debate dentro do Congresso Nacional”, indicou.
Materiais de construção
Rodrigo Navarro, presidente da Abramat, começou a sua explanação reforçando a fala de Guedes. Para ele, já aconteceram algumas conquistas importantes e uma delas é a equalização dos tributos entre a construção industrializada e a convencional. “Esse foi um grande ganho. Feita a transição, ambos os modelos terão o mesmo tratamento tributário”, afirmou.
Em relação aos materiais de construção, existe a possibilidade de incluí-los no custo do bem de capital e isentá-los de IBS/CBS. Outro ponto é que na reforma não há previsão de substituição tributária, que hoje causa certos problemas. “Seja pela margem de valor agregado estabelecida pelo próprio governo, que é mais alta em muitos casos do que efetivamente o fabricante tem. Com isso, ele recolhe um tributo a mais”, explicou Navarro. Pode acontecer, ainda, de não haver status de material de construção na substituição tributária — causando distorções.
Outro ponto específico para a indústria de materiais são os canais (tipos de venda), com os negócios junto às construtoras sem mudanças. Porém, com os grandes varejistas, haverá o crédito do IBS/CBS e ainda vai se creditar o serviço de segurança, marketing, entre outros. “Mas, também, sem um grande impacto”, afirmou Navarro. Já o pequeno varejista que está no SIMPLES terá que fazer a conta e ver se vale a pena permanecer nesse sistema ou se é melhor sair e começar a creditar para minimizar o impacto. “O quarto canal, consumidor pessoa física, pode ter certo impacto e, talvez, caiba um cashback para aquela pessoa de baixa renda para comprar materiais básicos”, opinou.
Navarro também falou que a reforma tributária deve mexer com a falta de conformidade técnica e fiscal. A Abramat tem trabalhado junto ao Governo nesse sentido. Por exemplo, compras sem nota fiscal seriam desincentivadas porque o consumidor não receberia o crédito.
“No geral, estamos confiantes de que depois da transição teremos um ambiente mais simplificado, com alíquota mais justa para todo mundo”, opinou.
Percepção do setor
Fabrício Schveitzer, conselheiro de Negócios da Softplan para a Indústria da Construção, falou sobre pesquisa que mostra que o segmento da construção tem um sentimento de elevação de carga após a reforma. “Porém, temos que lembrar que somos apenas um pedacinho do país”, comentou o profissional, lembrando que a construção se preocupa porque desenha agora os empreendimentos que serão entregues daqui quatro ou cinco anos.
“Pegando uma regra de transição no meio do caminho, a pergunta é o quanto de tributação eu vou inserir no meu cálculo de viabilidade? Outra coisa é que temos contratos em vigência que terminarão depois de 2027 ou que vão começar agora no meio do caminho. Então, o que faremos? Qual vai ser o impacto da reforma sobre o crédito?”, questionou Schveitzer.
De acordo com ele, a impressão é que ainda não dá para se ter certeza sobre a alíquota final porque muita coisa ainda deve acontecer. “Vamos ser frios e com nervos de aço, porque muita água vai passar por debaixo da ponte”, antecipou. O conselheiro de Negócios da Softplan aproveitou para fazer um pedido: a cadeia da construção precisa se articular melhor.
“O Construsummit foi criado para que pudéssemos ter um papel político — não político partidário, mas político institucional — e poder trazer gente aqui para debatermos esses temas e ganharmos representatividade para discutirmos esses pontos”, ressaltou Schveitzer.
A cadeia da construção deve se beneficiar no final do ciclo da reforma, pois terá um país mais organizado do ponto de vista de estrutura tributária. “Talvez como cadeia possa ser penalizada em algum momento, principalmente na largada. Porque, a princípio, podemos ter um aumento de carga”, analisou Schveitzer, comentando que a preparação para a transição começa agora.
Funding
Sandro Gamba, presidente da Abecip, logo de início destacou que em um ambiente com maior previsibilidade, eficiência e governança, o crédito estará mais disponível e terá custo reduzido. “O mercado imobiliário tem por trás o crédito. Se ele não tiver um modelo capaz de suportá-lo, não há como fazê-lo crescer”, destacou.
Até 2004, o mercado imobiliário, de maneira geral, era financiado pela tabela direta (financiado pelo próprio comprador). Porém, a partir da implementação do patrimônio de afetação e da alienação fiduciária, esse mercado partiu de um patamar de 3% a 4% de crédito imobiliário sobre o PIB para os 10% que temos hoje. “Mas, tem potencial de crescer mais”, disse Gamba.
Segundo o presidente da Abecip, o mercado imobiliário brasileiro está em momento único de discussão de funding. Isso porque nas últimas décadas foi suportado por funding direcionado (poupança e FGTS). Mas hoje, a representatividade da poupança e do FGTS está em 60%.
“Saímos da dependência desses dois fundings e estamos discutindo outras estruturas para viabilizar o mercado imobiliário. Acho isso muito positivo, já que começa a permitir alternativas e tira a limitação de crescimento do mercado. Se há 10 anos disséssemos que a poupança não teria mais a representatividade que ela tinha, falaríamos que o mercado teria uma barreira de crescimento. Mas, estamos vendo que essa não é uma barreira”, detalhou.
Gamba explicou que nós temos uma estrutura de funding que está suportando o crescimento do mercado. “Tiramos a barreira e a limitação da dependência da poupança e o mercado está bastante atrativo e absorvendo essa demanda”, declarou.
Em termos de agentes financeiros e estruturas, também há condições de atender a demanda do setor, que está em um momento de encerramento de ciclo (quando se reconhece e captura a margem com a entrega do projeto). “Estamos vendo um volume de repasse desses clientes finais bastante positivo. Não vamos ter mais o modelo das últimas décadas, de ter um único funding na operação, haverá uma distribuição”, concluiu.