Cultura da construção artesanal é o maior obstáculo aos módulos off site
Vários fatores seguram o desenvolvimento da produção e apropriação pelas construtoras dos módulos off site, como a falta de gruas e a falha na formação dos arquitetos nessa tecnologia
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
(Foto: Jacktamrong/Shutterstock)
A construção de edifícios feita com módulos off site ainda não decolou no Brasil. Dependente de vários elos da cadeia, essa tecnologia está limitada, principalmente nos centros das grandes cidades onde se encontra o principal mercado. A construção industrializada, por sua vez, atende a cerca de 1% das obras. O segmento de habitação popular concentra o maior uso das soluções produzidas em fábrica, por propiciarem produtividade e racionalidade – aspectos fundamentais nos programas de governo, pois as margens são baixas.
Um dos maiores defensores brasileiros da construção industrializada, o engenheiro e mestre Luiz Henrique Ceotto, criou a Urbic Empreendimentos Imobiliários com a disposição de utilização máxima de elementos produzidos off site. Porém, essa meta se restringe à estrutura metálica, fachadas pré-fabricadas em concreto e sistemas elétrico e hidráulico. “O ideal seria levar os módulos prontos, produzidos off site, e colocar na obra. Mas, com as limitações existentes, é impossível”, conta.
Essa escolha, segundo ele, depende de vários fatores, como as condições do terreno e do projeto quanto às características geométricas do edifício, além dos custos. “Para construção residencial, tanto vertical quanto horizontal, o segmento de módulos off site tem um potencial de atender 40% do mercado. Hoje não atende quase nada”, diz. As razões são muitas, começando pelo transporte dos módulos, restritos à uma geometria com 3 m de largura, 3,20 m de altura e, no máximo, 10 m de comprimento.
O ideal seria levar os módulos prontos, produzidos off site, e colocar na obra. Mas, com as limitações existentes, é impossívelLuiz Henrique Ceotto
Nas ruas das cidades essa circulação é praticamente inviável, devendo ser feita em caminhão trucado (truck), que suporta cargas mais pesadas. Nas rodovias, é possível trafegar com módulos com larguras superiores a 3 m, mas o custo se torna muito alto, pois exige escolta com carros batedores. Já a altura de 3,20 m é determinada pelo limite dos viadutos.
Gruas e guindastes
Outra importante restrição da construção off site é a capacidade de carga dos equipamentos para içamento dos módulos até os pavimentos. “Por enquanto, ela está voltada apenas para obras de até quatro pavimentos, o que ocorre principalmente nos segmentos residencial, hospitalar e de escolas. A pouca altura dessas obras aliada à disponibilidade de grandes áreas de terreno para manobra permite o uso de guindaste”, observa Ceotto.
Para o içamento dos módulos em obras de múltiplos pavimentos, comuns em regiões metropolitanas, é obrigatório o uso de gruas. No entanto, as disponíveis no Brasil são limitadas a 2 ou 3 toneladas. “Se o módulo sai de fábrica muito acabado, seu peso é elevado”, lembra. Mesmo uma grua de 5 toneladas – difícil de encontrar no mercado –, muitas vezes não pode ser montada em regiões muito adensadas, pois vão colidir com os prédios do entorno da obra.
“A solução seria uma grua de lança inclinada, escamoteável, quase inexistente no Brasil. Não tem mais do que 10 unidades em todo o país”, alerta, frisando que o mercado fornecedor de equipamentos é ainda muito incipiente.
Ceotto dá o depoimento de quem está executando prédios residenciais de até 20 pavimentos com construção industrializada, ou seja, um mix de off site com in site: “Vou iniciar uma nova obra em março do ano que vem e não consigo contratar grua. Só vai ter para setembro. Mas não posso atrasar seis meses”.
Mudança cultural
A fragilidade desse e de outros elos da cadeia que dificulta a industrialização é consequência da cultura brasileira da construção artesanal, de empilhar tijolos. O caminho para avançar, segundo ele, é a industrialização da construção montada in site, passo essencial para chegar à construção modular off site, como Ceotto está fazendo. “É diferente de levar para a obra um módulo 3D, que pode ser tão acabado ao ponto de ter cama e colchão”, completa.
Passo inicial para o fortalecimento da indústria off site está na criação do diálogo entre os elos da cadeia da construção, o que, segundo ele, pode ser feito sob a liderança das entidades setoriais como o SindusCon e o Secovi. “Nós precisamos organizar a cadeia e dar tempo a ela para investir”, defende. E, também, formar arquitetos para a construção industrializada, seja ela off site ou in site.
“Atualmente, são poucos os que realmente entendem e conseguem trabalhar com os benefícios e as limitações de cada tecnologia. Os arquitetos precisam saber usar a criatividade para superar essas restrições – que não são grandes – em seus projetos”, argumenta Ceotto, dizendo que muitos profissionais rejeitam, por exemplo, as estruturas metálicas porque não querem ver os parafusos próprios desse sistema. Posturas como essa jogam contra o desenvolvimento da construção industrializada.
É fundamental, ainda, formar projetistas para as diversas tecnologias industrializadas, como estruturas metálicas e drywall, para atuarem nas construtoras e nas fábricas. “Está difícil até mesmo renovar o mercado de projeto, porque não há projetistas. O mercado está esgotado”, afirma. Ele prevê que daqui a 10 anos não haverá metade da mão de obra disponível hoje, a qual já é crítica. Os trabalhadores da construção civil estão envelhecendo e seus filhos não querem continuar em obras, por conta dos baixos salários, dos riscos que o canteiro envolve e pelo fato de ser sazonal.
“Está havendo um êxodo enorme, o filho do pedreiro quer ser qualquer coisa menos operário de obra como ela é hoje, hostil. Quando esse homem passa a ser um montador de construção industrializada, ele conquista condição similar a de um metalúrgico, exercendo seu trabalho com mais conforto, em ambiente com ar-condicionado na fábrica ou abrigado na obra, sem fazer força ou atividades penosas, ou respirar pó de cimento”, comenta.
A construção industrializada, independentemente se produzida em fábrica ou in loco, é a alternativa para valorizar a mão de obra. “Não dá para continuar a ter uma construção em que o número de acidentes do trabalho chega a ser 15 vezes maior do que o da indústria de transformação. Temos que evoluir”, conclama Ceotto.
Não dá para continuar a ter uma construção em que o número de acidentes do trabalho chega a ser 15 vezes maior do que o da indústria de transformação. Temos que evoluirLuiz Henrique Ceotto
O papel dos componentes industrializados
Fator importante para o desenvolvimento da industrialização é o incentivo à criação de componentes ou, quando necessário, buscando tecnologia no exterior. É o caso dos kits elétrico e hidráulico. “Já temos empresas que estão criando excelentes soluções, como a Ambar, Barbier e Astra”, destaca. São sistemas que melhoram o tempo de obra, a produtividade e a qualidade, até porque são pré-testados em fábrica.
São muitas as oportunidades no mercado de industrialização. É o caso das fachadas pré-fabricadas em concreto e fibra, disponíveis há mais de 25 anos no país. “Três boas indústrias se dedicam a esse sistema, mas com produção muito concentrada em São Paulo. Faltam empresas no Sul e no Nordeste”, indica.
Neste momento, ele participa de grupo que orienta indústrias no desenvolvimento de fachadas em light steel frame para edifícios verticais, compatíveis com estrutura de concreto, metálica e de madeira. Enquanto isso, começam a nascer as fachadas pré-fabricadas em madeira, bonitas e resistentes ao fogo. Voltando à sua experiência construtiva, Ceotto conta que os compradores dos seus apartamentos sequer percebem as tecnologias construtivas empregadas na obra. “Declaram, sim, enorme satisfação com a qualidade final do prédio. É o que queremos”, finaliza.
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Colaboração técnica
- Luiz Henrique Ceotto – Engenheiro civil com mestrado em Engenharia de Estruturas pela USP, com mais de 40 anos de carreira, possui também o Executive Certificate in Strategy and Innovation pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Atual membro do RICS (Royal Institution of Chartered Surveyors), atuou na Tishman Speyer como Managing Director e Head of Design and Construction; na Encol, liderou as atividades de construção e de desenvolvimento tecnológico. Somando-se à sua experiência na Inpar Incorporação, alcança um total de mais de 800 prédios construídos sob sua orientação. Isso sem mencionar sua experiência acadêmica: professor visitante da Escola Politécnica da USP, com dois livros publicados, além de artigos diversos.