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Desempenho acústico assusta o mercado

Norma de Desempenho das Edificações é adiada e exigências dos sistemas envolvidos podem decair.

Publicado em: 28/01/2011

Texto: Redação AECweb

Entrevista: Maria de Fátima Ferreira Neto

Desempenho acústico assusta o mercado

Frustrando a expectativa dos que desejam a evolução da qualidade da construção civil brasileira, a Norma de Desempenho das Edificações – NBR 15575 – ficou para 2012. Um dos aspectos mais polêmicos foi o do isolamento acústico envolvendo diversos sistemas construtivos. Apesar de estabelecer parâmetros modestos, se comparados aos praticados em países como Argentina e Chile, a novidade assustou principalmente os fabricantes de materiais e as construtoras, segundo a doutora em acústica Maria de Fátima Ferreira Neto. Em entrevista ao AECweb, a pesquisadora da Unicamp e participante da comissão de estudos da norma, fala sobre as exigências e desempenho dos sistemas envolvidos, e diz temer que, no processo de revisão já iniciado, as exigências possam cair ainda mais.

Redação AECweb

AECweb – O que a Norma de Desempenho das Edificações propõe quanto ao isolamento acústico?
Neto -
Em primeiro lugar, gostaria de lembrar que essa é uma norma que, ao contrário da prescritiva, não diz como fazer, mas estabelece parâmetros de desempenho. O objetivo é garantir condições de habitabilidade ao imóvel no tocante ao isolamento acústico e a vários outros aspectos dos sistemas que compõem a edificação. No caso das fachadas, as exigências acústicas abrangem o sistema integrado pelas paredes e caixilhos; piso; cobertura; e paredes internas da própria unidade, entre unidades e, também, em relação aos corredores e áreas comuns.

Desempenho acústico assusta o mercado

AECweb – O que a norma define para as lajes?
Neto - A Norma de Desempenho não diz qual a espessura que a laje deve ter, mas estabelece que deve atender determinado nível de ruído de impacto. Dessa forma, se a construtora quiser fazer uma laje de 5 cm, teoricamente pode fazer desde que atenda, além da questão estrutural, o critério mínimo de isolamento acústico. Sabe-se, no entanto, que para estar em conformidade com esse requisito a laje deve ter 10 cm, no mínimo.

AECweb – Falou-se muito que as esquadrias não atendem a norma. O que houve realmente?
Neto - O que houve foi uma grande confusão de informações envolvendo duas normas técnicas: a de Desempenho que trata do desempenho do edifício; e a de conforto acústico - NBR 10152, em fase final de revisão – que se refere aos níveis de conforto considerados adequados para o ambiente interno, sem mencionar o desempenho do edifício. A Norma de Desempenho não aborda especificamente as esquadrias, mas o conjunto que compõe as fachadas: alvenaria, janelas e portas. E remete para uma terceira norma, a NBR 10151 que trata do ruído externo ao edificio. Para que o nível de ruído da NBR 10152 seja atendido, há que se levar em conta que o nível de ruído externo do edifício, em área mista ou predominantemente residencial, seja de 55 dB para o período diurno. A exigência do desempenho da fachada (basicamente seria o nível de ruído externo menos o nível de ruído interno, em dB), pela NBR 15575 é de 25 dB, o que já atende o nível de ruído interno entre 35 e 45 dB(A), conforme a norma NBR 10152. Tecnicamente, as esquadrias podem, sim, atingir os níveis de conforto que a NBR 10152 determina por meio do Desempenho da NBR 15575, tendo apenas que melhorar um pouco.

AECweb – Defina melhor os conceitos de conforto e de desempenho acústico.
Neto - A diferença entre conforto e desempenho tem um limite muito sutil, um pode levar ao outro mas, não quer dizer que são propriamente a mesma coisa. O desempenho envolve conceitos objetivos e conforto envolve conceitos subjetivos. Na minha tese de doutorado trabalhei com esses dois conceitos, aliados a parâmetros psicoacústicos e inteligibilidade, e pude chegar ao que foi chamado de nível de conforto acústico. Por vezes, o nível de conforto maior pode ser obtido ao atingir o nível de desempenho superior àquele mínimo que a Norma de Desempenho exige.

Desempenho acústico assusta o mercado

AECweb – São parâmetros usados para avaliar a acústica de um edifício residencial?
Neto - Na verdade, não. Mas usei parâmetros como a inteligibilidade visando avaliar o desempenho de uma parede entre unidades habitacionais e o conforto proporcionado por ela. Coloquei um sistema de som em um apartamento e, na unidade ao lado, ficou o júri. O som emitia vozes masculinas e femininas, dizendo sentenças curtas. Foi possível cruzar o nível de desempenho acústico da parede, os parâmetros psicoacústicos e a avaliação subjetiva do júri, ou seja, daquilo que eles entenderam para, então, avaliar o quanto aquela parede isola e o conforto que pode apresentar. O resultado é o nível de conforto acústico.

AECweb – O Brasil está muito defasado em relação aos demais países?
Neto - Sim, bastante. Países como Argentina e Chile são mais exigentes do que o Brasil, além de terem normas de desempenho que abrangem o isolamento acústico, desde respectivamente, 1985 e 1961. Os nossos números são mais generosos e, ainda assim, está todo mundo chorando. Aprovada em 2008, a norma deveria entrar em vigência a partir de novembro de 2010, mas fabricantes e construtores pediram mais tempo. Foi dado mais tempo, porém temos que avançar.

AECweb – É fato que as construtoras não estão dispostas a pagar mais caro?
Neto -
Independente do nível do mercado, as construtoras, os consumidores e os fabricantes não vão querer pagar mais. Mas, para obter um desempenho melhor, terão que investir um pouco. Constatei na minha pesquisa que uma obra pode encarecer entre 3% e 7%. Dependendo do nível cultural, as pessoas estão dispostas a pagar até 15% a mais para ter conforto. Já no caso dos imóveis populares é difícil pensar num custo maior. Para as classes de maior renda, a indústria da construção tem como investir em produtos e inovações. Entendo que as construtoras e os produtores estão dificultando muito, estão fazendo da Norma de Desempenho um ‘bicho de sete cabeças’. Mas dá para enfrentar, claro que terão que investir em produtos melhores, mas é um processo natural.

AECweb – Na alvenaria, qual é a vulnerabilidade?
Neto -
Nas pesquisas que fiz, avaliei somente blocos de concreto e cerâmico, com diversas espessuras. O bloco cerâmico obteve o pior resultado acústico. A espessura de 11 cm não tem um desempenho muito bom. Portanto, os fabricantes terão que desenvolver soluções de produtos para atender melhor aos parâmetros acústicos da norma.

AECweb – Quais seriam as opções?
Neto -
Também dependendo da espessura, as placas de concreto apresentam bons resultados. No caso das paredes internas, outra solução de ótimo desempenho acústico é o drywall, mas precisa ser cuidadosamente montado, inclusive utilizando as mantas internas como lã de rocha e lã de vidro.

AECweb – As construtoras estão mobilizadas para novas alternativas construtivas?
Neto -
As grandes construtoras estão preocupadas em atender a NBR 15575. Desconheço, no entanto, se estão buscando novas alternativas - acredito que sim. Já para o padrão de imóveis populares, existem materiais muito bons que atendem a norma, como as placas cimentícias preenchidas com isopor, mas que também exige boa montagem. O mesmo vale para as placas de concreto com revestimento em PVC que, teoricamente, parece ser um bom material.

AECweb – A norma vai mudar a cultura da construção civil?
Neto -
Eu diria que construtores e fabricantes terão que sair da zona de conforto. Eles estavam tranqüilos até agora, ninguém exigia muita coisa e as obras eram poucas. Se eles quiserem construir, vão ter que atender os parâmetros obrigatórios. Se o material que eles usam não atende, terão que buscar outros. É interessante constatar que tem construtoras que realmente estão dispostas, enquanto outras têm como política ‘driblar’ as exigências.

AECweb – As ações judiciais deverão crescer com o advento da norma?
Neto -
Essa norma vai ser forçada a entrar em vigor por conta do poder judiciário. Explico: hoje, há muitas ações judiciais dos proprietários de imóveis contra as construtoras, mas os juízes não têm um documento normativo no qual se apoiar e decidir quanto ao desempenho do edifício. De posse dessa referência técnica, haverá um número crescente de ações judiciais que, por sua vez, vai alavancar a conformidade.

AECweb – Qual a sua expectativa neste momento em que a norma é revisada?
Neto -
Temo que ocorra uma redução ainda maior do nível de desempenho estabelecido pelo texto atual, o que será ruim para a construção que se faz no país e uma vergonha diante de nossos vizinhos como Argentina e Chile – eles terão razão de concluir que o Brasil não é um país sério. O texto em revisão já é benevolente, e se reduzirem esses valores, podemos simplesmente jogá-lo na gaveta porque não valerá nada. A abordagem do isolamento acústico acabou sendo o aspecto mais polêmico, até porque o leigo está atento a poluição sonora de um modo geral e ao conforto no edifício.

Redação AECweb

Maria de Fatima Ferreira Neto – Física pela Universidade de São Paulo; Mestre e Doutora em Engenharia Civil pela UNICAMP. É professora titular da UNIP-Sorocaba e membro do Grupo de Pesquisa de Acústica da Faculdade Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP.