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Do mosaico português ao piso drenante

Da terra batida à era da impermeabilização desenfreada, as cidades brasileiras aceitaram bem as tecnologias de revestimento de piso

Publicado em: 02/03/2009

Texto: Redação AECweb

Da terra batida à era da impermeabilização desenfreada, as cidades brasileiras aceitaram as tecnologias de revestimento de piso, sem questionamentos.

Do mosaico português ao piso drenante

Redação AECweb

Há alguns anos, soou o alerta de que algo estava errado nas metrópoles brasileiras, com as enchentes provocadas pela pavimentação das ruas, calçadas e áreas externas de edifícios e residências. O arquiteto paisagista Benedito Abbud comenta que mesmo as quadras esportivas dos condomínios residenciais, inicialmente gramadas, são posteriormente reformadas e cimentadas. As calçadas de grandes cidades, como São Paulo, merecem um tratamento sistêmico, envolvendo sub-solo e piso, para atenderem as necessidades de acessibilidade e, ainda, se tornarem elementos amigáveis ao meio ambiente.

“O mosaico português foi adotado no país inteiro – de Manaus à arte de Burle Marx, em  Copacabana. É um material bastante plástico, que permite gerar qualquer forma”, diz o Benedito Abbud. Nessa linha do tempo, ele menciona as pedras planas, como a ardósia, arenitos, granitos, que foram perdendo o formato inicial irregular e sendo esquadrejadas e serradas. O passo seguinte foi o calçamento com base cimentícia, com as primeiras juntas de dilatação em madeira. Vieram, depois, dos Estados Unidos, os pisos de concreto estampados, processo realizado através de grandes carimbos de borracha. E, na década de 90, foram introduzidos, aqui, os pisos intertravados de concreto, com ranhuras e desenhos que se intertravam. São assentados sobre areia e dispensam rejunte.

Do mosaico português ao piso drenante

Piso drenante, a evolução

O arquiteto destaca que todos os pisos assentados sobre areia têm maior permeabilidade, se comparados aos que têm como base o concreto ou os rejuntados com massa, como ocorre com as pedras planas. “O mosaico português pode ser assentado somente sobre areia ou, sobre uma mistura de cimento com areia. Depois de molhado, fica mais rígido. Assim, ele se torna menos drenante do que um paralelepípedo, por exemplo”, diz.

Considerando essa premissa, Abbud desenvolveu em parceria com a ABCP – Associação Brasileira de Cimento Portland – o que considera a melhor tecnologia em revestimentos para calçadas, os pisos drenantes. “O material não leva areia na sua composição, mas utiliza pedrisco e cimento, deixando muitos vazios na sua massa, o que lhe confere a condição de dreno para a água. Os pedriscos podem ter várias cores, pintados ou com pedras naturalmente coloridas. É um piso também assentado sobre areia para facilitar a drenagem”, explica. Uma malha, que pode ser de fibra de coco ou à base plástica, estrutura a peça que adquire formas variadas, intercaladas ou em placas. Deve ser fixado sobre uma base absorvente – terra socada e, sobre ela, uma camada de brita grossa e areia. Se na região a terra for muito argilosa, é interessante fazer alguns drenos.

“O piso drenante surgiu de uma reflexão que se fez sobre as enchentes em São Paulo. Com o crescimento cada vez maior da cidade, as diferenças de temperatura chegam a até 7 ºC, decorrência da reduzida área verde e da impermeabilização da cidade. São 60 mil km de calçadas, o equivalente a 72 milhões de m2 , o mesmo que 120 piscinões semelhantes ao da Praça Charles Muller, com capacidade de 75 mil m3. Com o piso drenante, a água iria para o sub-solo, melhoraria o lençol freático e as árvores da calçada conseguiriam absorver essa água. Se fosse aplicado às calçadas da cidade, a prefeitura não precisaria mais fazer piscinões e o custo seria menor”, estima o arquiteto. “É uma solução inteligente, que pode ser executada pelos próprios moradores. Aqueles que não tiverem condições financeiras deveriam contar com subsídios por parte da prefeitura. Além de ser um piso bonito esteticamente, contribui para a sustentabilidade”, recomenda Abbud.

A calçada, no entanto, vai além do revestimento de piso. “Além das enchentes, o piso tem a ver com a largura da calçada, com a memória da paisagem urbana e com as sucessivas obras das concessionárias”, diz, referido-se à criação de solução que prevê, pelo menos, três faixas: mais próxima à guia, uma faixa de serviços como orelhão, poste e lixeira, que pode ser em grama; a central destinada à circulação, inclusive de pessoas com limitações físicas; e, junto ao muro, uma faixa verde para as trepadeiras que deverão correr pelos muros e gradis, tornando a cidade mais verde.

Problema comum a todas as cidades é a falta de comunicação entre as concessionárias de serviços públicos. Daí que a calçada é sempre uma obra em processo. Mesmo as adaptadas impõem dificuldades para cadeiras de rodas, carrinhos de bebê e pessoas com deficiências. Neste caso, pisos intertravados são uma boa solução”, afirma, complementando: “Por isso temos sugerido o uso de canaletas técnicas, ou seja, deixar sob a área de circulação, tubulações que abrangem as necessidades de todas as concessionárias. É um pouco mais caro e complicado, mas evita o quebra-quebra oneroso”.

Cimento queimado
Quando o assunto é calçada, há um leque de possibilidades em pisos, mas sempre antiderrapante, de acordo com a norma técnica. O mais antigo e usual são os pisos cimentados, que pode ser pigmentado na própria betoneira e o acabamento, que resulta em texturas, pode ser varrido, com sal grosso ou desempenadeira de tungstênio. “O tungstênio é um material que não deixa o cimento tão queimado quanto a desempenadeira de aço, e nem tão rústico quanto a de madeira. O grande segredo é saber a hora de jogar o sal grosso: o ideal é quando o cimento está com a consistência de massa de bolo, nem mole, nem dura. O sal reage com o cimento, que endurece um pouco mais e, depois que cura, lava-se com a mangueira - o sal vai embora e ficam todos os buraquinhos no cimento, deixando um aspecto muito interessante e é barato. A mão-de-obra é uma questão de treino e capricho”, ensina, sugerindo como uma solução interessante para pequenas e grandes áreas de residências.

Nos edifícios

As áreas externas dos edifícios apresentam grandes superfícies sobre lajes. Portanto, não adianta usar o piso drenante. “Usamos pisos impermeáveis, deixando os permeáveis para as áreas de obrigatoriedade legal. No entanto, a lei de áreas drenantes acaba sendo desrespeitada facilmente, porque algum tempo depois de ocupado, o condomínio para o qual especifiquei quadra esportiva gramada, decide por cimentar tudo a pedido das mães, que não querem que as crianças se sujem!”, conta, indignado, Benedito Abbud.

Em seus projetos, ele sofistica as áreas externas ao compor o piso com materiais de texturas e cores diferentes, e antiderrapantes. “Nunca uso granito. No máximo, filete delicado de cerca de 2 cm para dar brilho, senão as pessoas caem”, comenta. Favorável ao desenho suave ao invés de pisos estampados, Abbud diz que “esta é uma questão estética e pessoal”.

Áreas esportivas, pisos especiais
“Todas as áreas esportivas exigem revestimentos específicos e contra-piso preparado de acordo com a exigência do material”, ensina o arquiteto Eduardo de Castro Mello, sócio do consagrado escritório Castro Mello Arquitetura Esportiva. “No ambientes cobertos para a prática esportiva, temos os pisos em madeira natural flutuante, os sintéticos em poliuretano, PVC e borracha em mantas ou placas. Nos descobertos, as soluções são a grama natural e a artificial, os pisos em poliuretano moldados in-loco, os de manta de borracha, os de base asfáltica e os de concreto com pintura em acrílico. Já nas quadras de tênis e em canchas de bochas, o piso em saibro também é utilizado”, explica Eduardo.

Ele lembra que nas piscinas de competição são usados revestimentos em placas de cerâmica com medidas coordenadas com a norma DIN. “Isto para que sejam adaptadas perfeitamente as marcações das raias, dispensando corte nas peças. Na Europa e Estados Unidos são construídas piscinas em aço inox, mas que tem custo ainda elevado no Brasil”, comenta, acrescentando que “os pisos aqui produzidos atendem perfeitamente as normas esportivas para uso normal. Para campeonatos e centros de treinamento de alto nível, muitas vezes são exigidas características especiais e, neste caso, se recorre a importação”.

Para as piscinas recreativas, as opções se ampliam para os azulejos, cerâmicas, pastilhas, mosaicos, vinil e, até mesmo, pintura em base epóxi. “Como os demais componentes de qualquer tipo de edificação, devemos exigir que o revestimento de piso, desde a sua produção até a sua manutenção, sejam desenvolvidos de acordo com os princípios da sustentabilidade”, destaca.

Eduardo de Castro Mello recomenda aos arquitetos que desejam se especializar no segmento que “a pesquisa é o melhor caminho”. É preciso se atualizar e acompanhar o que a indústria de equipamentos e materiais esportivos vem desenvolvendo, tendo sempre em mente as melhores performances dos atletas.

“No detalhamento de seus projetos, o arquiteto deve ter conhecimento profundo das técnicas esportivas de cada modalidade, para que sejam evitadas situações físicas que venham a prejudicar a prática esportiva. A implantação de equipamentos ao ar livre fora da orientação norte–sul; em local com ventos fortes, ou em ambientes fechados com grandes áreas envidraçadas que ofuscam os atletas, são preocupações básicas que o bom profissional deve levar em consideração em seus projetos”, finaliza.




Colaboraram para esta matéria:

Eduardo de Castro Mello
, arquiteto e consultor em arquitetura esportiva, desde 1970 vem projetando instalações esportivas de expressão no país e no exterior, inclusive com obras premiadas em bienal internacional de arquitetura. É membro da diretoria da IAKS-LAC, Associação Internacional para Instalações Esportivas, seção América Latina e Caribe, entidade com sede em Colônia, na Alemanha, que estuda e orienta projetos de instalações esportivas em todo o mundo.


Benedito Abbud
é formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Tem mais de 35 anos de profissão, período em que desenvolveu cerca de 3,5 mil projetos, muitos deles premiados. Seu escritório nasceu em 1981, com o objetivo de criar projetos e planos com identidade própria na área específica de Arquitetura Paisagística. Benedito atua nas áreas de residências unifamiliares, empreendimentos corporativos e comerciais, hotéis e flats (urbanos e resorts), loteamentos (residenciais e industriais), habitações compactas, shoppings centers, parques e projetos especiais.