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Edifícios inclinados têm solução

Problemas com o solo e fundações inadequadas podem causar o desaprumo de prédios

Publicado em: 11/08/2016Atualizado em: 15/08/2016

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Concreto autoadensávelTorre de Pisa, localizada na Itália, é um dos maiores exemplos de construções que se inclinam com o passar do tempo (Foto: Robert Hoetink / shutterstock.com)

A construção que vai se inclinando ao longo do tempo não é exclusividade da Torre de Pisa, localizada na Itália e reconhecida mundialmente pelo seu desalinhamento. A catedral Nossa Senhora de Guadalupe, na cidade do México, e diversos edifícios em Santos (SP) são outros exemplos de obras que apresentaram problemas semelhantes. Os três casos têm em comum a característica de estar sobre solo difícil, o que faz com que as edificações estejam mais propensas a sofrer com os recalques, que são o rebaixamento motivado pelo adensamento do solo sob a fundação.

“Os recalques ocorrem quando há acréscimo de carga, gerando tensões maiores do que a resistência do solo. O fenômeno passa a ser um problema a partir do momento em que se torna superior aos valores admissíveis pela estrutura”, explica o engenheiro Celso Nogueira Corrêa, presidente do Núcleo Regional São Paulo da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (NRSP - ABMS).

O recalque absoluto é quando ocorre para um elemento isolado de fundação. Já no recalque diferencial, há diferença entre os recalques absolutos dos vários elementos de fundação
Celso Nogueira Corrêa

Se o recalque é diferencial, ou seja, há valores diferentes para cada pilar da estrutura, o edifício sofre um desalinhamento ou desaprumo. “Outra situação que pode gerar a inclinação é quando há uma escavação muito próxima e abaixo das cotas de apoio da fundação. Nesse caso, há potencial de desconfinar o maciço e induzir alívios de tensões horizontais indesejáveis”, complementa.

Corrêa explica que é possível dividir o fenômeno dos edifícios inclinados em três grupos. O primeiro é o elástico, ou imediato, que acontece logo após aplicação da carga. Já o recalque por adensamento ocorre devido a deformações volumétricas, com diminuição do índice de vazios do solo. Por fim, há o secundário ou secular, causado quando as sobre pressões se aproximam de zero e a argila continua a diminuir de volume. “O recalque absoluto é quando ocorre para um elemento isolado de fundação. Já no recalque diferencial, há diferença entre os recalques absolutos dos vários elementos de fundação”, acrescenta.

RECUPERAÇÃO DE EDIFÍCIOS INCLINADOS

Admitindo-se que o recalque seja excessivo, pode-se dizer que o problema da inclinação é causado por erros de cálculo ou escolha de fundação errada. A maioria das situações ocorrem em fundação direta (sapatas) apoiadas em argila muito mole ou mole e saturada, ou quando essa camada se encontra sob uma camada mais resistente. Quando uma edificação sofre com a inclinação, é possível lidar com o problema adotando-se diferentes técnicas. “Várias soluções já foram estudadas e algumas utilizadas, com sucesso total ou parcial. Em geral, é realizado um reforço da fundação com a instalação de estacas profundas. Essa ação tem grande chance de impedir que os recalques evoluam, porém, a inclinação vai permanecer”, detalha.

Os recalques ocorrem quando há acréscimo de carga, gerando tensões maiores do que a resistência do solo. O fenômeno passa a ser um problema a partir do momento em que se torna superior aos valores admissíveis pela estrutura
Celso Nogueira Corrêa

Já para resolver o desaprumo, pode-se utilizar macacos hidráulicos sob a fundação existente. O mecanismo é apoiado em estacas adicionais e, por meio de um sistema de ação e reação, consegue levantar o edifício até que o prumo correto seja atingido. “É uma técnica muito sofisticada, com difícil controle das consequências. A ação requer projeto muito bem pensado e detalhado por profissionais especialistas e experientes, além de execução primorosa”, adverte Corrêa.

Não é fácil determinar o custo-benefício da tarefa de recuperar edifícios inclinados. “Existem muitas variáveis a serem consideradas, entre as quais: o desaprumo; a espessura de solo mole; o comprimento das novas estacas; o número de pavimentos do edifício; em que região se encontra; e a valorização imobiliária”, lista o engenheiro. Uma análise precisa de todo o cenário é fundamental antes de se decidir por investir na manutenção ou na demolição do edifício.

O CASO DE SANTOS

O prédio Núncio Malzoni é apenas um caso de inclinação entre diversos outros edifícios inclinados que foram diagnosticados na Baixada Santista. Quase 100 edifícios sofreram e sofrem com o problema, todos construídos entre as décadas de 1950 e 1960 e localizados na orla da cidade. Desse total, 65 construções tiveram as suas estruturas comprometidas. O motivo para a grande quantidade de desaprumos é o tipo de fundação empregada nos projetos, sapatas apoiadas entre 1,50 e 3 m de profundidade. Na maior parte dessa região, próxima à orla, os primeiros sinais do topo rochoso são encontrados somente acima dos 50 metros de profundidade.

Com seus 17 andares, o Núncio Malzoni se destacava nesse cenário porque a sua inclinação chegou a atingir 2,10 m de diferença entre a sua base e o topo, enquanto os demais edifícios apresentavam desaprumo que variava entre 50 cm e 1,80 m. As primeiras tentativas de recuperar o prédio remontam ao ano de 1978, quando foram executadas estacas-raiz no lado mais adensado do edifício, que impediram recalques por cerca de três meses. Porém, após esse período, as inclinações voltaram. Foi somente no ano 2000 que a obra acabou sendo submetida ao processo do macaco hidráulico, que demorou cerca de três meses para reaprumar completamente o edifício.

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Colaboração técnica

Celso Nogueira Corrêa – Engenheiro Civil formado pela Escola de Engenharia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Tem cursos de especialização para obtenção de mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e curso de atualização do PECE – Programa de Educação Continuada da USP. Desde 1988, é engenheiro na ZF Engenheiros Associados. Atualmente, é também presidente do Núcleo São Paulo da ABMS. É membro associado do DFI – Deep Foundation Institute.