Entidades se unem em busca de soluções para desvalorização da arquitetura
Representantes de arquitetos e urbanistas defendem a importância do projeto para execução de obras regulares e para retomada da confiança no setor
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Líderes de entidades e convidados reuniram-se no prédio do IAB-SP (Foto: Ari França)
Entidades que representam os profissionais responsáveis por projeto se reuniram, na noite do dia 16 de março de 2016, para debater a desvalorização da arquitetura. Foram levantados diagnósticos de diversos campos de atuação dos arquitetos e urbanistas para esclarecer os problemas e oportunidades no contexto do atual momento político-econômico do país.
Em aproximadamente duas horas de articulação, os representantes e convidados abordaram as nuances do modelo de produção de obras, do papel da arquitetura na sociedade e da formação dos arquitetos e urbanistas.
A reunião aconteceu no prédio do departamento de São Paulo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP), com a presença de líderes de três associações e de dois sindicatos. “O maior ganho é essa busca por um caminho comum, pois, se alguma entidade pensa que vai resolver o problema sozinha, está enganada”, reconhece Maurilio Ribeiro Chiaretti, presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado de São Paulo (Sasp).
MODELO DE PRODUÇÃO
As críticas ao modo como o mercado se organiza foram diversas. Segundo os representantes, o conceito do mercado desvaloriza o papel dos arquitetos, pois segrega a categoria da própria construção civil e prevê prazos ou cronogramas fora de contexto.
Carlos Roberto Soares Mingione, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), lembrou que o estabelecimento do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) é uma medida que defasa a execução das obras, uma vez que dispensa a necessidade do projeto.
“É visto, até hoje, que muitos empreendimentos previstos para a Copa do Mundo de 2014 ainda não foram entregues. Contratação sem projeto leva a isso", exemplifica. Criado para acelerar obras do evento da Fifa, o RDC é hoje uma medida que alcança a quase totalidade das obras públicas do país, o que restringe a participação dos arquitetos.
O presidente do Sinaenco também defendeu que é necessário “quebrar o vício” de se administrar obras conforme os cronogramas de governo. “Hoje o indivíduo se elege, passa um ano vendo a situação em que se encontra o órgão que assumiu, em dois anos quer fazer uma obra e entregar porque no quarto ano já está em época de eleição”, diz.
Para o presidente do Sasp, a situação é reflexo de um fenômeno nacional que não compreende a função da arquitetura para com a sociedade. “A população, os governantes e as empresas não entendem a arquitetura como algo necessário para o desenvolvimento nacional. Entendem a arquitetura como custo. E entendendo ela como custo, tendem sempre a rebaixar”, analisa.
Para José Armênio de Brito Cruz, presidente do IAB-SP, quem trabalha com balancete é contador. "As empresas precisam ser saudáveis, é claro, mas nós trabalhamos com teto, proteção, sombra, acolhimento, qualidade de vida, distância do trabalho, habitação etc”, acrescenta.
Um problema, para ele, é o Brasil não se assumir como urbano, alimentando um esquema “oligárquico de fazenda”. No entanto, revela que “85% da população nacional mora nas cidades” e que, se o país se reconhecer como um território urbano, consequentemente irá assumir que a arquitetura e o urbanismo representam a forma de conhecimento para resolver problemas. “A cidade não é um problema, ela é a solução para a produção brasileira. Para arrumar a cidade, precisa de técnica. E a técnica somos nós que fazemos”, pontua.
MERCADO INSTÁVEL
A instabilidade econômica do país é outro fator que problematiza a atividade da categoria. "Nós fazemos parte de uma cadeia produtiva que está interrompida. Tivemos de despedir uma porção de colegas", conta Nina Vaisman, presidente da Associação Brasileira dos Arquitetos Paisagistas (Abap).
Segundo Chiaretti, de 2014 até agora houve um aumento de quase 500% no número de demissões no Estado de São Paulo, sendo que mais de 50% delas são de empresas ligadas à Operação Lava Jato.
De acordo com Miriam Addor, presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), há uma “crise ético-política” que afasta investimentos externos. "Não se acredita mais no país e, portanto, não se investe em lugares onde não há confiabilidade", acredita. "Quando se voltar a ter confiabilidade aqui, esse cenário vai se reverter", aposta.
Além de não atrair capital externo, a situação gera uma concorrência entre os profissionais que não é saudável para a qualidade do serviço. “Quando a sobrevivência começa a falar mais alto, nós mesmos começamos a deteriorar nosso mercado de trabalho. Nas poucas licitações que se vê, ocorre uma carnificina, com empresas trabalhando com descontos, jogando o preço para baixo para tentar ganhar o serviço”, justifica Mingione.
Ele também entende que, se tal prática se tornar costume, não haverá muitas alternativas para implementar a qualidade da arquitetura e urbanismo no país. “O valor de referência do edital já está baixo. Aí nós ajudamos e baixamos de novo. É um ciclo que vai se repetindo e que deteriora cada vez mais a condição do mercado”, alerta.
“Os nossos representantes que estão em Brasília precisam entender que o projeto é um serviço de qualificação que oferecemos para a sociedade e passar isso para a Lei”, arremata Addor.
FORMAÇÃO DE ARQUITETOS
A formação acadêmica de arquitetos e urbanistas passa por uma tendência de precarização. Isso porque, segundo os representantes, há uma fragilidade na fiscalização dos cursos, que é feita pelo Ministério da Educação (MEC) por meio de um “formulário padrão” que ignora especificidades.
“Estamos tentando definir e aprovar padrões mínimos de qualidade entre os cursos, como laboratórios, número de professores, abrangência da profissão, entre outros”, informa Enio Moro Júnior, diretor da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (Abea).
Ele diz que a prática é viável em cursos de grandes centros, mas não em locais mais distantes. “Temos uma série de cursos em pequenas cidades com pouca infraestrutura na qual os professores são profissionais da região que dão aula sem nenhum tipo de preparo ou informação”, conta Moro Júnior.
OPORTUNIDADES E CONSCIENTIZAÇÃO
Após reconhecer os problemas que afetam negativamente a atividade dos arquitetos, os representantes também apontaram as oportunidades que surgem. Segundo Chiaretti, “demanda não falta”, uma vez que o déficit habitacional já passa da casa dos 6 milhões.
Embora o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) opere dentro dessa necessidade, o presidente do Sasp diz que ele “não permite” a participação efetiva dos profissionais de projeto, favorecendo um modelo concentrado que afeta toda a categoria.
Para o presidente do Sasp, tem de haver uma agenda com os governantes que coloque o projeto de arquitetura como fundamental dentro das políticas públicas para resolver os grandes gargalos da sociedade. "É necessário envolver arquitetos autônomos, pequenos escritórios, cooperativas e universidades para intervir de forma mais participativa na cidade, antes que os governantes fechem de novo com as grandes construtoras”, afirma Chiaretti.
“Temos inúmeros exemplos do que acontece com projetos inadequados. Eles saem diariamente na mídia, sejam em obras superfaturadas ou paradas", finaliza Mingione.
Leia também
Arquitetos defendem regulamentação da categoria na Expo Revestir 2016
Arquitetos e engenheiros pedem veto ao RDC