AsBEA-SP cria diretoria para apoiar programas de inclusão e diversidade
Confira entrevista exclusiva com Gustavo Garrido e entenda quais são os desafios, as perspectivas e expectativas para os arquitetos em 2024
Foto: Adobe Stock
O arquiteto Gustavo Garrido, sócio do escritório Archscape, está à frente da AsBEA-SP (Associação Regional dos Escritórios de Arquitetura de São Paulo) desde meados de 2023 e já traz uma série de novidades. Em entrevista ao portal AECweb, ele fala da importância de a entidade contar com associados de áreas complementares, como ele que é especialista em arquitetura da paisagem. Conta que estão em estudo estratégias para, junto com as faculdades, preparar os novos profissionais em cursos a serem propostos. Afinal, o setor praticamente não emprega estagiários. Ele também aponta deficiências na formação de arquitetos negros, destacando o papel da recém-criada diretoria de Diversidade e Inclusão nesse contexto. Confira a entrevista completa a seguir!
AECweb – Como foi a trajetória que o levou à presidência da AsBEA-SP?
Gustavo Garrido – De certa forma, foi uma surpresa para mim. Associei-me à AsBEA-SP há pouco mais de três anos e logo ocupei o cargo de diretor de Grupos de Trabalho. No início de 2023, já caminhando para o final de sua gestão, a então presidente Milene Abla Scala me convidou para presidir a chapa única que disputou a eleição. Entendi que o convite foi feito por confiarem em mim, pois, apesar de se tratar de um trabalho voluntário, é sério e exige comprometimento. E assim foi feita a renovação.
AECweb – Tudo isso aconteceu em paralelo à convenção dos 50 anos?
Garrido – Exatamente, nós passamos aquele período preparando e realizando a convenção dos 50 anos da associação. Demandou muito trabalho de todos nós, membros da comissão organizadora, da qual eu fazia parte. Inclusive, montei o painel de Tecnologia, o mais bem avaliado na pesquisa que fizemos com os participantes.
AECweb – Como é para você que atua com arquitetura da paisagem estar à frente de uma associação de escritórios que projetam prédios e residências?
Garrido – Como trabalhamos, majoritariamente, com projetos paisagísticos e não de edificações, entendo que temos na associação uma renovação dupla. Em parte, por eu ser mais jovem, mas também por representar uma área da arquitetura que é complementar, assim como tem os escritórios especializados em luminotécnica ou interiores, entre outros segmentos. É uma forma de ampliar a visão sobe o trabalho do arquiteto.
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AECweb – Quais os planos em andamento?
Garrido – Nessa linha de maior abordagem, estamos organizando grupo de trabalho para tratar de urbanismo. Ainda são poucos os escritórios com esse foco que começam a se associar. São novas áreas e consideramos importante nos posicionarmos e organizarmos o sistema de trabalho. Afinal, a arquitetura se desdobra em diversas áreas e o profissional é responsável por seu projeto. Quando fazemos um parque, assinamos como responsáveis, assim como aquele que projeta um edifício.
AECweb – Quais os desafios já identificados e que exigem enfrentamento?
Garrido – O principal desafio é mobilizar os profissionais para participarem mais ativamente da associação. Hoje temos 90 escritórios associados que reúnem 1 mil profissionais – no Brasil, são cerca de 450 e 2 mil, respectivamente. Mais do que o objetivo de ampliar esses números, nosso desejo é os profissionais se tornem mais presentes, por exemplo, organizando grupos de trabalho. Os espaços estão aí para serem ocupados. É o caso da cadeira que conquistamos, em 2022, na Câmara Técnica de Legislação Urbanística de São Paulo. Ou, na ABNT, na qual estamos presentes.
AECweb – Há novas normas ABNT específicas para o setor?
Garrido – Participo, desde o ano passado, da elaboração da norma técnica de Arquitetura Paisagística – NBR 16636-4. Estão em vigor as partes que falam sobre arquitetura, urbanismo e paisagismo. Agora, ela entra em outra etapa para abordar arquitetura de interiores. Avisamos os associados e dois deles já se voluntariaram. O objetivo é similar em todas as áreas, ou seja, fazer com que o mercado incorpore qualidade aos projetos e adote parâmetros justos para as pessoas trabalharem e competirem.
Participo, desde o ano passado, da elaboração da norma técnica de Arquitetura Paisagística – NBR 16636-4. Estão em vigor as partes que falam sobre arquitetura, urbanismo e paisagismo. Agora, ela entra em outra etapa para abordar arquitetura de interioresGustavo Garrido
AECweb – Serão ampliados os cursos de capacitação oferecidos pela associação?
Garrido - Capacitar profissionais é outro desafio que temos pela frente. Estamos lançando quatro novos cursos para o próximo ano voltados para gestão de escritórios de arquitetura, gestão de pessoas, gestão financeira e marketing. A meta é profissionalizar a atuação da arquitetura por meio dos escritórios.
AECweb – A área de gestão é a mais deficitária nos escritórios?
Garrido – Cada porte de escritório tem a sua necessidade. Naqueles de médio para grande porte, acima de 30 ou 40 pessoas, essa parte de gestão é a mais sensível. Exige, e nem sempre essas empresas dominam, conhecimentos como preparar um plano de carreira para os funcionários e/ou implantação e gestão de TI. E nem sempre são arquitetos que gerenciam, o que também está mudando. Em alguns, são engenheiros. Tem um escritório em Campinas, por exemplo, no qual a gestora financeira é uma matemática. Precisamos, portanto, entender que não conseguimos dominar todos os princípios profissionais de áreas correlatas.
Capacitar profissionais é outro desafio que temos pela frente. Estamos lançando quatro novos cursos para o próximo ano voltados para gestão de escritórios de arquitetura, gestão de pessoas, gestão financeira e marketingGustavo Garrido
AECweb – O que a AsBEA-SP apurou na pesquisa feita, em 2022, junto aos escritórios?
Garrido – Constatamos que as empresas não têm estagiários. Entre 1 mil funcionários, tinha, no máximo, cinco. O motivo, com exceções notáveis, é que a formação dos arquitetos nas universidades está muito aquém do que precisamos num escritório. Os conhecimentos são insuficientes tanto na área técnica e de softwares quanto de bagagem cultural arquitetônica. Se propomos para um estagiário pensar, por exemplo, numa solução usada por Paulo Mendes da Rocha na Casa Gerassi, é provável que ele nem saiba quem foi o arquiteto ou que projeto é esse.
AECweb – Isso leva a pensar que na profissão de arquiteto não existe etarismo.
Garrido – Exato. O arquiteto mais velho é muito precioso, tem uma bagagem técnica e histórica. Os associados perceberam isso. Ao empregar um estagiário, vai demorar um ano para que ele comece a dar algum retorno. Até lá será investimento. Temos debatido internamente sobre como colaborar, levar esse problema para as universidades. Um caminho talvez seja estimular a criação de cursos, estruturados com a ajuda da AsBEA-SP. Dessa maneira, os escritórios teriam o referencial de que aquela pessoa passou pelos cursos e o conhecimento que foi ofertado. E poderia ser contratada como, por exemplo, arquiteto júnior.
AECweb – A ideia ainda não está formatada?
Garrido – Ainda não. Estamos numa etapa anterior, procurando definir em conversas com escritórios de vários portes, o que é um arquiteto júnior, um sênior, e por aí vai. É difícil dada a multiplicidade de atuação dos arquitetos e dos escritórios. Porém, claro que podemos entrar num consenso sobre o que a pessoa consegue fazer sozinha e o que só consegue produzir assistida. Ao lançar a discussão e estabelecer esses critérios, já traz um caminho até para quem quer se candidatar a uma vaga de estágio.
AECweb – O que muda em relação às políticas da gestão anterior?
Garrido – A gestão anterior investiu esforços nas comemorações dos 50 anos da associação e na representação institucional. Daremos continuidade às iniciativas institucionais, mas também de expansão de sistemas para melhor estruturar a profissão. E, ainda, de conversas fora do ambiente dos arquitetos, com profissionais como corretores de imóveis, administradores de condomínios e advogados especializados em direito imobiliário. Com isso, queremos ter um olhar de fora, e não somente falar para dentro do setor.
AECweb – O que levou à recém-criada diretoria da Diversidade e Inclusão?
Garrido – Para montar a pauta de trabalho da gestão, procurei diversos escritórios. Entre eles, Lourenço Gimenes, do FGMF, mostrou-se muito preocupado com a falta de diversidade racial nas empresas. Nelas, não há negros ou indígenas, apenas brancos, reflexo do perfil elitista das faculdades de arquitetura, diferentemente do que ocorre em outros cursos como direito e engenharia, entre outros. Lourenço estava criando um programa para admissão de estagiários negros e pediu o apoio da AsBEA-SP. Concordei imediatamente, mas pedi que a diretora administrativa da FGMF, Caroline Martins, se tornasse nossa diretora de Diversidade e Inclusão. E assim foi. Lembrando que o Prêmio Pritzker de Arquitetura 2022 foi para o arquiteto negro Francis Kéré, nascido em Burkina Faso.
AECweb – E qual o papel dessa diretoria?
Garrido – O trabalho da Caroline é captar ações de inclusão, à semelhança da entidade que está sendo criada pelo Lourenço, para que a AsBEA-SP possa dar o apoio institucional. Esse programa incluirá estágios a partir do critério de inclusão de negros, indígenas, pessoas com deficiência e, também, de baixa renda. O desenvolvimento e realização será feito em parceria com terceiros. Para as vagas, haverá dois eixos: um voltado para o treinamento do escritório em relação à diversidade; e outro de capacitação para que o candidato possa contribuir efetivamente. Terá, ainda, a figura do patrocinador, que vai participar com uma bolsa ou licença de software, por exemplo. O apoio institucional da associação, com seus 50 anos, tem muita força para articular toda essa rede.
AECweb – Como foi o desempenho dos escritórios de arquitetura ao longo de 2023?
Garrido – Foi um ano de pequeno crescimento. Como a cidade de São Paulo representa a maior parte de nossos associados e passou boa parte do ano discutindo a revisão do Plano Diretor Estratégico, os incorporadores mantiveram pé no freio. O cenário de insegurança reduziu um pouco o ritmo do trabalho. Agora, definidas as regras para a cidade, o setor voltará a crescer naturalmente. Se analisarmos a economia do país, claro que ajudaria se houvesse uma boa queda dos juros.
Colaboração técnica
- Gustavo Garrido – Arquiteto e Urbanista formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP (2003), MBA em Desenvolvimento Imobiliário pela FUPAM (2008). Foi pesquisador pelo CNPQ e FAPESP na área de Paisagem e Ambiente, sendo autor de publicações na área. Foi diretor administrativo da Associação Brasileira de Paisagismo (ABAP) na gestão 2018-2020. Lecionou durante quatro anos no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e, recentemente, contribuiu para a redação da NBR-16636-4 (Projetos de Arquitetura Paisagística). Sua trajetória profissional se iniciou na DW/Santana, filial brasileira do escritório americano Designworkshop, se transformando depois na Sergio Santana Planejamento e Desenho da Paisagem, empresa da qual foi sócio por seis anos. Após sociedades com outros arquitetos, fundou em 2017 a Archscape, empresa especializada em projeto de arquitetura de espaços livres, da qual é sócio majoritário.