Fachadas devem acompanhar diretrizes sustentáveis do projeto
Arquitetura sustentável do edifício deve ser adequada ao clima e engloba o uso de fachadas duplas, brises e vidros duplos para obter a eficiência energética
Redação AECweb
A eficiência energética do edifício não depende exclusivamente das fachadas: “A sustentabilidade da edificação remete para o projeto de arquitetura do edifício, e não só da fachada. Além do que, ainda não existe fachada sustentável”, afirma a professora Joana Gonçalves, do Labaut - Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética do Departamento de Tecnologia da FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
“A maior eficiência energética dependerá, desde a orientação do prédio, até tudo o que está atrás da fachada, como a profundidade da planta e a configuração do layout interno. Prefiro colocar a questão como um projeto de arquitetura voltado ao desempenho ambiental e energético mais adequado para determinado clima, uso e eficiência. Pode-se chamar a isso de ambientalmente e energeticamente sustentável”, diz.
Joana explica que a arquitetura sustentável deve ser entendida como a mais adequada para o clima, e que tem uma fachada pensada junto com o projeto de arquitetura. Raramente essa fachada vai ser algo simplificado, sem elaboração de projeto. Na área de transição entre dois meios - dentro e fora -, onde acontecem fenômenos físicos, a fachada precisa ser projetada como tal. A professora, doutora em impacto ambiental, observa que isto já vem ocorrendo no país, em casos específicos.
“Não só como especialista na área de conforto e desempenho energético, mas como cidadã, diria que olhando a cidade de São Paulo hoje, em comparação com o que se fazia há alguns anos, houve uma evolução. Um bom exemplo é a adoção do vidro verde que é o melhor vidro, pois equilibra energia e luz, térmica e iluminação. Deixa passar mais luz, com menos calor pela pigmentação da cor”, observa Joana Gonçalves.
É preciso, no entanto, “aproveitar o momento em que o Brasil tem mais recursos para construir e a nova tecnologia nacional que está em desenvolvimento, para fazer uma autocrítica e redefinir nossos modelos”.
Faz parte dessa busca o fim do uso dos vidros refletivos nas fachadas, como já ocorre em cidades européias, onde estão proibidos. “Vemos nas cidades brasileiras que não acabou a era dos vidros refletivos. Não recomendo sua utilização por duas razões. Eles escurecem mais do que barram o calor, exigindo maior gasto energético com iluminação artificial. É um contra-senso, pois temos um clima com muita luz para se trabalhar, sem falar no fato de que a iluminação artificial em excesso faz mal à saúde. O outro aspecto é o conceito autoritário implícito no refletivo, porque vejo o mundo lá fora e ele não me vê. Por isso, como arquiteta e urbanista, sou contra os vidros refletivos”, ressalta, lembrando que, além disso, esse vidro afeta negativamente o desempenho dos edifícios do entorno, criando riscos de ofuscamento ao refletir a radiação.
Vidro Ideal
Para Joana Gonçalves, o vidro ideal - que ainda não exista -, seria aquele que deixaria passar toda a radiação visível e nada dos raios infravermelhos. Mas, todo o vidro deixa passar tudo, de acordo com frações diferentes de partes dos espectros da radiação eletromagnética. “A radiação visível, quando passa, vira calor também, mas é antes de tudo iluminação”, diz.
Soluções como as fachadas duplas com cavidade de ar e o vidro Low-e foram projetados para climas temperados e frios. “Está em estudo na USP a fachada ventilada para latitudes como a nossa, considerando aspectos como abertura para a ventilação controlada, além da profundidade da cavidade. São questões que ainda não foram resolvidas para São Paulo. Não existem estudos técnicos sobre o que acontece dentro dessa fachada para contexto climático como o nosso. Estamos fazendo isso na USP, mas ainda não temos respostas afirmativas. Acredito, no entanto, que se o fluxo da ventilação da fachada ventilada for bem controlado, pode ajudar no desempenho do edifício. Se ela é mais eficiente do que as fachadas de uma camada só, com a devida proteção solar, não sei, lembrando que a fachada dupla não dispensa a necessidade de proteção solar. Acho difícil uma fachada dupla ventilada ser muito melhor do que a de um bom vidro laminado, com sombreamento”, explica, ressalvando que a dupla ventilada vai exigir grandes investimentos em automação predial.
Na opinião da professora, o Low-e pode contribuir para o clima do país, porque ele atua na redução da temperatura radiante média interna, por baixar a emissividade do vidro. “O grande problema térmico do vidro é a transparência, e se não sombrear vai passar energia. E estamos falando de 1 mil w/m² em São Paulo , que é muita energia. Contudo, não adianta ter o Low-e e não ter sombra, porque vai reduzir a emissividade do vidro à temperatura superficial, mas vai continuar passando a energia do sol para o ambiente interno”, alerta.
Brises
O sombreamento obtido através de brises construídos com materiais leves, preferencialmente do lado externo da fachada, pode alcançar desempenho superior se comparado às soluções caras e complexas envolvendo camada Low-e e vidro duplos.
Um projeto de proteção solar, bem feito e detalhado, é o ideal do ponto de vista da arquitetura para o clima brasileiro. O brise deve atender a requisitos como não absorver nem acumular calor, que seja claro e não reflita - porque não pode afetar a janela de cima com mais ofuscamento. “Agora, não podendo ter os brises externos, o vidro duplo com persiana dentro passa a ser interessante para colocar essa sombra para o interior do edifício”, destaca.
Vidro Duplo
O principal papel do vidro duplo é reduzir as trocas térmicas. Quanto maior as diferenças de temperaturas, maior a troca. Mas, se o vidro é engrossado aumenta a resistência e enfraquece essa troca, gastando menos energia para aquecer ou resfriar o ambiente. “Em São Paulo , um vidro laminado de 12 mm aliado a elemento de sombreamento é uma ótima solução, pois temos muita energia do sol, mas a temperatura do ar não passa de 30 ºC por mais de meia dúzia de horas no ano. E se o edifício quer ser eficiente energeticamente pode manter uma temperatura de 26 ºC. São só 4 ºC de diferença! Por isso, a troca térmica por diferença de temperatura não é problema para o Brasil. Então, para que investir fachadas complexas e caras?”. Ela defende que, se o prédio não utilizar brise, o vidro colorido, de preferência o verde, cria o efeito de sombra.
Joana Gonçalves finaliza propondo que a arquitetura brasileira retome os modelos tradicionais de esquadrias entre vãos, anteriores à década de 70, antes das torres de vidro e seus sistemas de ar condicionado, levando em consideração as necessidades ambientais e possibilidades tecnológicas atuais. “É um grande desafio para a arquitetura contemporânea”, arrisca.
Colaborou para esta matéria:
Joana Gonçalves
Arquiteta, doutora em impacto ambiental pela FAU/USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Joana tem Mestrado em Londres, na Architectural Association Graduate School. Atualmente é professora da FAU/USP.