Fissuras no concreto podem ser decorrentes do calor
O efeito das tensões geradas por questões térmicas no concreto pode comprometer a segurança estrutural da edificação
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Todos os materiais de construção, especialmente os sólidos, estão sujeitos a deformações por origem térmica. No caso das estruturas de concreto, o problema acontece quando este se dilata em função do calor emitido pela reação de hidratação do cimento em contato com a água e das condições ambientais no entorno, como temperatura, umidade, insolação etc. Essa situação, geralmente, é desencadeada nas primeiras idades pós-concretagem, podendo gerar fissuras quando o concreto tende a se retrair, no momento de seu resfriamento. Parte dessa retração de origem térmica fica restringida por vários motivos (ex.: pela própria rigidez interna do concreto e vinculação da estrutura no solo), gerando tensões de tração que podem ultrapassar a capacidade de resistência mecânica do concreto. “O grande ‘vilão’ do problema térmico no concreto, portanto, está na fase do resfriamento da estrutura e não no aquecimento como se imagina”, esclarece o consultor Sergio Botassi dos Santos, mestre e doutor em engenharia civil e coautor de dois livros relacionados a estruturas de concreto pelo Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON).
FATORES DE RISCO
O grande vilão do problema térmico no concreto está na fase do resfriamento da estrutura e não no aquecimento como se imagina
Diversos elementos podem ocasionar o aumento da temperatura no concreto, tanto de origem externa quanto interna. “Do ponto de vista externo, as oscilações climáticas extremas, aliadas à baixa umidade do ar e à ação do vento, são fatores agravantes”, explica Sergio.
O tamanho da estrutura no início da concretagem também está entre as principais causas. “Estruturas de concreto de grandes dimensões tendem a acumular mais calor em seu interior”, revela o engenheiro. A partir da experiência do profissional observa-se que estruturas que apresentam a menor dimensão com tamanho superior a 60 cm e volume maior que 3m3 começam a apresentar risco de fissura térmica. “Uma fundação em sapata de 70 x 210 x 250 cm, por exemplo, possui potencial de apresentar problemas térmicos. Caso a temperatura média de concretagem, em fase de lançamento, esteja acima de 35o C e a temperatura mínima ambiente, posterior à concretagem, alcançar valores abaixo de 20o C por um longo período, o risco de fissuras também aumenta”, garante.
Em relação às causas internas, o calor proveniente da hidratação do aglomerante (cimento + adições) é uma das principais fontes térmicas para a variação volumétrica nas estruturas, do estágio inicial à idade avançada, quando ocorre o equilíbrio térmico com o ambiente. De acordo com o engenheiro, o calor proveniente da hidratação dos componentes do concreto é um dos principais motivos de elevação significativa da temperatura nas estruturas nas primeiras idades pós-concretagem.
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CONSEQUÊNCIAS
As fissuras ocasionadas por elevadas temperaturas podem reduzir a capacidade de resistência global da peça estrutural afetada, como nos casos das fundações, grandes lajes maciças, vigas-paredes e pilares-paredes, e ainda tende a diminuir a durabilidade do concreto armado, já que permite a entrada de agentes agressivos com mais rapidez e facilidade, diminuindo a vida útil estrutural. “Obviamente a gravidade dessas patologias pode variar, considerando-se os fatores de maior ou menor potencial deletério”, argumenta Sergio.
O especialista defende ainda, que, se o consumo de cimento em uma dosagem for muito elevado, no sentido de garantir maior resistência na fundação, o potencial das fissuras de origem térmica pode chegar até a seccionar uma peça estrutural, em função do alto calor de hidratação gerado pela matriz cimentícia. Já em outros casos, as fissuras térmicas podem ser mais brandas, não agravando os problemas patológicos decorrentes deste fenômeno, como em fissuras mais superficiais, que não atingem grande profundidade.
Sendo assim, essas patologias podem prejudicar a segurança da edificação, fugindo das condições pré-estabelecidas no que diz respeito aos coeficientes adotados nos cálculos estruturais.
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PREVENÇÃO
Consumos relativamente intermediários de cimento em uma típica dosagem de concreto para edificações (estima-se em torno de 250kg/m3 a 300kg/m3 para resistências da ordem de grandeza entre 25MPa a 35MPa), podem gerar calor potencial de, aproximadamente, 30oC a 45oC. “Normalmente, cimentos com maior presença de adições, já incorporadas na mistura, como o CPIII e CPIV, tendem a gerar menor calor de hidratação e são mais aconselháveis para combater a questão térmica, pois esses materiais adicionais ao clinquer do cimento (escória de alto-forno e pozolanas, respectivamente), em função de suas características físico-químicas mais eficientes, reduzem a necessidade de um elevado consumo de cimento na dosagem do concreto”, explica o consultor.
Há também como se prevenir do problema térmico junto à dosagem do concreto fazendo uso de aditivos químicos que melhoram a plasticidade no estado fresco, reduzindo a quantidade de água (que diminui a resistência mecânica) e, consequentemente, diminuindo a necessidade de cimento, para uma mesma resistência (fck).
Já nas iniciativas extrínsecas, Sergio destaca a concretagem em camadas, que permite ao concreto dissipar a energia calorífica em etapas, evitando que o calor se acumule em grande quantidade, como se fosse concretado de uma única vez. “O problema deste tipo de solução é o prazo, geralmente maior que o convencional, e a difícil logística demandada para a execução”, ressalta o especialista.
Há também providências que envolvem maior custo, porém mais eficientes em situações que necessitem de prazo mínimo para a solução, ou quando não se permite qualquer risco de aparecimento de fissura no corpo estrutural, com o uso de pré ou pós-refrigeração. Em todos esses procedimentos, no entanto, deve-se buscar orientação com um profissional experiente para dimensionar essas e outras situações de campo.
SOLUÇÕES
A prevenção é uma medida muito mais econômica do que o processo de recuperação. Porém, após o surgimento da fissuração, é fundamental avaliar, o quanto antes, o tamanho do dano, simulando as condições reais ocorridas e algumas in loco, como o tamanho, o formato, a quantidade e a distribuição das fissuras na peça estrutural danificada.
A intenção, na recuperação, é sempre tentar reaver as condições da estrutura como se as fissuras não estivessem ali, levando em conta também a economicidade e as condições de execução do reparo. “Em muitos casos, a injeção de argamassas especiais de elevada plasticidade sob alta pressão tendem a preencher os vazios deixados pelas fissuras, mantendo o maciço estrutural íntegro e monolítico”, alerta o engenheiro. Segundo ele, reforços estruturais externos são casos extremos de reparos, quando a capacidade da peça estrutural depende diretamente da resistência à compressão do concreto fissurado, mas que se encontra estruturalmente danificado. “Nestes casos, deve-se dimensionar o reforço estrutural a partir de soluções disponíveis no mercado: chapas e cantoneiras de aço chumbadas ou coladas com resina, acréscimo de seção transversal com concreto armado, uso de fibra de vidro ou carbono sobre a superfície devidamente preparada e com aplicação de resina especial, entre outros recursos”, conclui.
Colaborou para esta matéria
- Sergio Botassi dos Santos – Engenheiro civil há 14 anos, mestre e doutor em construção civil formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Possui empresa de consultoria (SBS Consultoria em Engenharia) direcionada a soluções estruturais e análise de patologias em concreto, além de realização em gestão de risco. Atua como perito em engenharia em causas judiciais e pelo Ministério Público há mais de 5 anos. É professor e coordenador de cursos de pós-graduação latu sensu do IPOG e na PUC-Goiás. É coautor de 2 livros relacionados com estruturas de concreto pelo Instituto Brasileiro do Concreto - IBRACON, e possui mais de 30 artigos técnicos publicados em eventos e revistas nacionais e internacionais. Foi agraciado com o prêmio de melhor tese pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República em 2011.