Formação de engenheiros deixa a desejar
Segundo profissionais da área, cursos deveriam proporcionar conhecimento técnico e multidisciplinar, trazendo noções de gestão e administração
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Percepção comum de quem vive o cotidiano da engenharia é que o ensino da profissão ainda precisa avançar muito no Brasil. Cursos superiores com lacunas em suas grades curriculares ou com corpo docente despreparado acabam formando profissionais sem habilidades e conhecimentos necessários para assumir responsabilidades no mercado de trabalho.
De acordo com avaliação do engenheiro Jorge Batlouni Neto, diretor superintendente da Tecnum construtora, e vice-presidente de Tecnologia, Qualidade e Meio Ambiente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (SindusCon-SP), as mais tradicionais instituições de ensino do estado se destacam por dispor de experiente corpo técnico, que consegue proporcionar boa base tecnológica aos alunos. “Porém, infelizmente, muitas outras faculdades não transmitem os conceitos básicos, o que é uma temeridade”, lamenta.
A formação abaixo da expectativa é encarada com preocupação pelas grandes empresas do mercado, que precisam dedicar tempo e dinheiro para melhor preparar seus profissionais. “Hoje, é fundamental que a pessoa faça um estágio para se capacitar minimamente e entender do que falamos. São inúmeros os processos de execução de serviços, desde a realização de uma fundação até os trabalhos de alvenaria. Estar em uma boa empresa, com tecnologia avançada, faz toda diferença no desenvolvimento da carreira desse profissional”, analisa Yorki Oswaldo Estefan, fundador e sócio da Conx Construtora e Incorporadora. A avaliação é corroborada por Joe Yaqub Khzouz, fundador e CEO da BKO, que acredita que os engenheiros não saem bem formados da universidade brasileira. “Eles vão ficando bons à medida que ganham experiência”, afirma.
Essa evolução profissional só acontece em média, depois de dez anos, conforme calcula Mauro Piccolotto Dottori, presidente da MPD Engenharia. “Um engenheiro demora, pelo menos, cinco anos para poder ‘tocar’ uma obra sozinho. O ciclo de uma construção é de dois anos. O profissional precisa fazer a primeira para aprender, a segunda para começar a se desinibir, e, na terceira – se conseguir passar essas duas fases –, estará apto”, explica. Os números levantados por Dottori são semelhantes aos apresentados por Estefan. “Quando o engenheiro já tem pelo menos cinco anos de experiência e passa a entender como funcionam os processos, é que proporcionamos a ele uma primeira tentativa como gestor. Por outro lado, quando o profissional vem do mercado e não foi formado aqui na empresa, exigimos experiência mínima de dez anos”, diz Estefan.
GRADE CURRICULAR
Para Luiz Augusto Milano, fundador e presidente da Matec, o currículo das faculdades é uma das origens do problema: “15% você aproveita, 85% não é usado”. Yorki Oswaldo Estefan completa: “Em muitas faculdades o que é ensinado sobre métodos construtivos é igual ao que era ensinado há 30 anos”.
Além de saírem da faculdade sem conhecimento técnico suficiente, muitos dos jovens engenheiros pecam também por não apresentarem formação multidisciplinar. “Existe uma deficiência grande na gestão financeira, e os engenheiros de obra deveriam aprimorar esse lado. Os profissionais cuidam muito da produção, mas não atuam na gestão do contrato. Isso atrapalha um pouco e precisa ser melhorado”, comenta Khzouz.
Existe uma deficiência grande na gestão financeira, e os engenheiros de obra deveriam aprimorar esse lado. Os profissionais cuidam muito da produção, mas não atuam na gestão do contratoJoe Yaqub Khzouz
FORMAÇÃO CONTINUADA
São poucos os profissionais que, depois de formados, procuram se atualizar e investir em cursos de especialização, fato que é percebido, inclusive, dentro da Poli-USP, universidade que é referência de qualidade em toda a América Latina. “A medicina, por exemplo, tem constantes avanços tecnológicos, e seus profissionais estão sempre se atualizando. A engenharia também se renova com velocidade alta, mas ainda é mínimo o número de engenheiros que procuram se aprimorar e atualizar sua formação técnica”, destaca o professor Alex Kenya Abiko, docente da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). A falta de interesse pela formação continuada é resultado de uma série de fatores, como recursos financeiros ou tempo escassos.
Entretanto, segundo avalia Abiko, o maior obstáculo é a falta de informação. “Muitos não sabem da existência de cursos rápidos, que acabam sendo mais baratos e focados em temas de interesse do aluno”, comenta o professor, citando o exemplo de um curso ministrado na Poli sobre engenharia acústica – assunto vinculado à norma de desempenho, que não conta com muitos especialistas. “Há uma lacuna de conhecimento acerca disso porque antes esse não era um tema de interesse. Os engenheiros se preocupavam mais com questões como segurança estrutural, umidade e desempenho térmico”, informa. Mas, como o usuário começa a ficar cada vez mais exigente em relação ao conforto acústico, as construtoras estão buscando profissionais capacitados.
FORMAS DE SE ATUALIZAR
Além dos cursos, um engenheiro pode se atualizar com a participação em seminários e congressos. “A leitura de revistas técnicas e das que tratam de aspectos gerencias deve ser prática constante”, recomenda Batlouni. Além das universidades, as associações setoriais e algumas empresas organizam treinamentos técnicos interessantes. “O SindusCon-SP desenvolve cursos para contribuir nessa atualização, como é o caso do Building Information Modeling (BIM) e do Lean Construction”, comenta.
O PAPEL DAS EMPRESAS NO APRIMORAMENTO PROFISSIONAL
Existem muitas companhias que têm como prática o apoio à formação continuada de seu corpo profissional. “Há, sim, aquelas que destinam recursos para aprimoramento de seus engenheiros, e não só dos jovens, porque o conhecimento é dinâmico e todos devem se atualizar”, diz Batlouni.
O JOVEM ENGENHEIRO E A UNIVERSIDADE
Muitos dos jovens que concluem os estudos na Poli optam por realizar graduações em outras áreas, como administração, para complementar os conhecimentos adquiridos nas aulas de engenharia. “Depois que o profissional se forma e vai vivenciando o cotidiano das empresas, acaba sendo solicitado para assumir tarefas de recursos humanos, financeiros e, muitas vezes, até em áreas que não têm relação com a engenharia”, afirma Abiko. Um exemplo disso é a forte presença de engenheiros civis no setor bancário. “E não é para fazer reforma de agência, mas sim para atuar no sistema financeiro”, comenta o professor.
A necessidade por profissionais cada vez mais multidisciplinares é percebida pelo Poli-Integra, que mantém, por exemplo, curso de especialização em gestão de projetos na construção civil. “Nessa área de atuação, os profissionais precisam de conhecimentos que vão além da engenharia, como noções de administração”, afirma Abiko. Aulas oferecidas pelo programa que atraem sempre um grande público são as de Real Estate. “Esse é um curso de muito sucesso, que aborda o tema das concessões dentro das parcerias público-privadas de infraestrutura”, ressalta.
Segundo o professor, as grandes deficiências dos engenheiros estão nas áreas de gestão de canteiros, projetos e contratos, entre outras. “A gestão de contratos é pouco estudada por envolver a questão jurídica, o que força o engenheiro a ter conhecimentos específicos. Em muitos dos nossos cursos temos advogados especializados em licitação e contratos para poder dar algumas aulas. Por sua relevância, essa área mereceria um curso específico”, conclui Abiko.
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Colaboraram para esta matéria
- Alex Kenya Abiko – Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), com mestrado e doutorado em Engenharia Civil pela mesma Universidade. Atualmente é professor titular da Poli-USP. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Construção Civil, atuando nos seguintes temas: cadeia produtiva da construção civil, gestão urbana e habitacional, habitação de interesse social, urbanização de favelas e sustentabilidade urbana.
- Jorge Batlouni Neto – Engenheiro civil pela Poli-USP e mestre Engenheiro em Habitação e Tecnologia pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). É diretor superintendente da Tecnum Construtora, professor do MBA da Poli-USP e coordenador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (SindusCon-SP).
- Yorki Oswaldo Estefan – Engenheiro civil pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). Foi estagiário na construtora Construarc e, em 1990, foi sócio-fundador da Tecnum, que deixou em 2009 para criar a construtora Conx, da qual é sócio e diretor de Engenharia. É membro do Comitê de Tecnologia e Meio Ambiente do SindusCon-SP.
- Joe Yaqub Khzouz – Engenheiro civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É um dos fundadores e CEO da BKO.
- Mauro Piccolotto Dottori – Engenheiro civil pela Poli-USP. É diretor presidente da MPD Engenharia.
- Luiz Augusto Milano – Engenheiro civil e de produção pela Poli-USP. É presidente da Matec Engenharia.