Guia sobre cal: tipos, aplicações, cuidados e normas técnicas
Entenda as diferenças entre a cal virgem e a hidratada e saiba como usá-la na pintura ou na preparação de argamassas. Veja, ainda, dicas, recomendações e requisitos de desempenho
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
A cal é uma solução amplamente utilizada na construção civil (foto: Nina.G/shutterstock)
Elemento mineral proveniente de rochas calcárias ou magnesianas, a cal é amplamente aproveitada pela construção civil. É usada, por exemplo, na execução de concretos asfálticos e solos estabilizados; e também na produção de isolantes térmicos e blocos sílico-calcários. Contudo, seus principais usos no canteiro estão relacionados à preparação de argamassas ou aos processos de pinturas.
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“Bastante versátil, é empregada ainda em outros campos como siderurgia, tratamento de água, neutralização de resíduos ácidos e produção de papel”, complementa o químico Valdecir Angelo Quarcioni, pesquisador e chefe do Laboratório de Materiais de Construção Civil do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Com características diferentes, o mercado disponibiliza dois tipos do produto.
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VIRGEM X HIDRATADA
A composição da cal virgem é diferente da hidratada, sendo que na primeira há maior presença de cálcio e magnésio. No segundo tipo, prevalecem os hidróxidos de cálcio e de magnésio, além de pequenos teores de óxidos não hidratados. Além dos constituintes principais, podem estar presentes no material carbonatos de cálcio e magnésio.
“A norma ABNT NBR 6453 — Cal virgem para construção civil especifica três tipos de produtos: CV-E, CV-C e CV-P. Basicamente, as categorias traduzem os graus de pureza da matéria-prima empregada e as diferentes características do processo industrial de produção”, explica o especialista.
Já para as cales hidratadas, existem outros três grupos no mercado brasileiro: CH I, CH II e CH III. “Categorias que também são determinadas em função da matéria-prima e processo de industrialização”, comenta o pesquisador. Esses produtos são regulados pela ABNT NBR 6473 — Cal virgem e cal hidratada — Análise química.
Como comparação, a CH I se caracteriza pelo elevado teor de óxidos totais (cálcio mais magnésio, que são os responsáveis pela capacidade ligante do material), enquanto a CH III tem teor limite maior de material carbonático (em função de sua fabricação).
APLICAÇÕES
De maneira geral, a cal hidratada é a mais usada na construção civil nacional. A escolha se justifica pela maior segurança no transporte, manuseio e aplicação. Seu aproveitamento acontece, principalmente, na preparação de argamassas destinadas ao revestimento de fachadas ou assentamento dos elementos de alvenaria. “A solução é ainda especialmente empregada nas argamassas industrializadas”, fala Quarcioni.
Apesar de a hidratada ser a mais popular, a virgem também pode ser utilizada nas argamassas. No entanto, seu uso requer uma hidratação prévia que deve ocorrer no próprio canteiro. Para isso, a cal é submersa na água e tem que ficar “descansando” por alguns dias. Somente depois, é misturada ao cimento para compor as argamassas mistas.
“A prática é importante para evitar problemas de expansão e consequente desagregação e esfarelamento do revestimento, uma vez que a reação química de hidratação acaba por ocorrer lentamente na parede, no decorrer da vida útil das argamassas”, detalha o pesquisador.
Para pintura, a hidratada também é preferência — mercado em que existe predominância do uso do tipo dolomítica. Com base de pigmentos inorgânicos, como óxido de ferro, essa cal oferece um leque variado de cores.
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PREPARO DE ARGAMASSAS
Os benefícios da presença da cal nas argamassas mistas de acabamento estão associados, majoritariamente, ao aumento da plasticidade no estado fresco e ao favorecimento da deformabilidade da mistura endurecida. “A elevada capacidade de retenção de água favorece também a hidratação do cimento”, comenta Quarcioni, lembrando que em ambientes quentes ou ventilados as argamassas podem perder água rapidamente, prejudicando a cura.
As misturas de cimento e cal, quando comparadas àquelas produzidas com cimento e areia, têm menor módulo de elasticidade do revestimento. Essa propriedade permite a deformação ou absorção de tensões em função de choques térmicos no decorrer da vida útil da argamassa. Isso explica o motivo de as argamassas que têm cal em sua composição serem menos suscetíveis ao surgimento de fissuras.
É sempre importante conhecer as propriedades da cal que será empregada, assim como prever o comportamento das argamassas tanto no estado fresco como no endurecidoValdecir Angelo Quarcioni
“É sempre importante conhecer as propriedades da cal que será empregada, assim como prever o comportamento das argamassas tanto no estado fresco como no endurecido. Essas informações são fundamentais para a adequada seleção de materiais e produtos entre as diversas opções oferecidas no mercado”, informa o especialista.
PINTURA
A pintura realizada com cal tem como função principal proteger o revestimento que, por sua vez, funciona como barreira para a alvenaria. Além do papel de escudo, o produto oferece vantagens estéticas.
Em relação às pinturas a base de resinas sintéticas, como PVA ou acrílica, a caiação é alternativa de baixo custo. “Recomenda-se aplicar sobre superfícies rugosas, onde a camada de revestimento adere por ancoragem. Por isso, deve ser evitada em locais lisos, como gesso, madeira, metais ou repinturas”, fala o químico.
É recomendável evitar a pintura à cal em locais sujeitos às chuvas ácidas, como em zonas industriais. A precaução se explica pela redução significativa da durabilidade do revestimento com a dissolução da camada de pintura que é constituída de uma faixa de carbonatos de cálcio e de magnésio.
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CUIDADOS
A cal é um produto químico cáustico, por isso, recomenda-se sempre manuseá-la com o uso de EPI. Destaque para as máscaras, que evitam a inalação prolongada do pó que é extremamente fino; óculos, visando proteção contra respingos nos olhos; e luvas, que impedem o contato direto com a pele. Caso ocorram contaminações, a parte afetada do corpo precisa ser lavada com uso abundante de água limpa.
A embalagem armazenada indevidamente pode apresentar ‘empedramento’ significativo causado pela carbonataçãoValdecir Angelo Quarcioni
No momento de adquirir a solução, é importante verificar a integridade da embalagem, confirmando se o saco não foi violado. O comprador deve desconsiderar produtos que aparentam estar estocados por longos períodos, pois ambientes abertos e úmidos reduzem a capacidade ligante da cal. “A embalagem armazenada indevidamente pode apresentar ‘empedramento’ significativo causado pela carbonatação — reação química da cal com o CO2 do ar em presença de umidade”, fala o pesquisador.
QUALIDADE
As principais normas técnicas do setor são a ABNT NBR 6453 e a ABNT NBR 6473. Os documentos definem as características ou requisitos necessários da cal que será comercializada no país. “Essas mesmas normas citam outras afins, como aquelas que devem ser aplicadas para os ensaios ou análises de laboratório para avaliação da qualidade”, ressalta o especialista.
É de extrema importância qualificar um produto antes de seu uso, especialmente em obras de maior porte. Para isso, é possível recorrer a laboratórios acreditados junto ao INMETRO com competência para exercer a atividade. “A prática preventiva, que deveria ser comum em nossas construtoras, evitaria sérios inconvenientes decorrentes de uso de material de má qualidade”, fala o pesquisador.
Também é preciso dedicar atenção aos chamados “substituintes da cal”, que são produtos químicos ou adições minerais inertes que conferem plasticidade às argamassas no estado fresco. Porém, não contribuem com o desempenho do revestimento no estado endurecido. “É importante que a escolha de produtos alternativos seja feita criteriosamente e por profissionais qualificados, uma vez que a industrialização irreversível da construção civil pode contribuir negativamente para se abolir a cal das argamassas industrializadas”, finaliza Quarcioni.
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Colaboração técnica
- Valdecir Angelo Quarcioni – Possui doutorado e mestrado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Pesquisador II do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT, onde é o chefe do Laboratório de Materiais de Construção Civil, que engloba as áreas de Concreto, Revestimentos, Petrologia e Tecnologia de Rochas, Química de Materiais e Setor de Produção de Areia Normal Brasileira. Atua na área de química de materiais de construção, com ênfase em caracterização de materiais por métodos de análise por via clássica e óptica. Atua com foco em ligantes, adições minerais, argamassas, concreto, durabilidade e reciclagem de materiais em construção civil. Professor do curso de Mestrado Profissional do IPT.