Inércia térmica responde pelo conforto de edificações. Entenda por quê
Quando bem aplicado, conceito ajuda a manter a sensação de bem-estar no interior do edifício, reduzindo a necessidade de condicionadores de ar, especialmente em regiões quentes
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Para manter o interior de um edifício dentro dos valores térmicos próximos ao ideal, a inércia térmica precisa ser bem trabalhada (foto: shutterstock / Ivan Smuk)
Em um dia típico de verão na cidade de São Paulo, é comum a temperatura variar de 12°C no início da manhã para 32°C no meio da tarde. No entanto, a amplitude térmica de 20°C que ocorre externamente não é a mesma que acontece no interior da edificação. O exemplo traduz o conceito de inércia térmica, resposta do imóvel influenciado pelo clima local e perfil da ocupação.
“Também é possível falar de inércia térmica dos componentes, como paredes e cobertura, comparando os perfis de variação diária das temperaturas superficiais interna e externa dos elementos construtivos”, explica a física Maria Akutsu, responsável técnica pelo Laboratório de Conforto Ambiental e Sustentabilidade dos Edifícios – Centro Tecnológico do Ambiente Construído do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
DIFERENÇAS ENTRE INÉRCIA TÉRMICA E ISOLAMENTO TÉRMICO
Os conceitos são bastante diferentes. A estratégia utilizada para diminuir o fluxo de calor que atravessa determinado componente, como paredes, coberturas, pisos, porta e janelas, recebe o nome de isolamento térmico. A característica de determinado elemento de reter a passagem do calor pode ser alterada com o uso de materiais isolantes, técnica útil quando se deseja reduzir o uso de equipamentos condicionadores de ar.
A aplicação de elementos térmicos de maneira indiscriminada nem sempre contribui para melhorar o desempenho da edificação. Em alguns casos, pode até diminuir a inérciaMaria Akutsu
A inércia térmica é mais ampla e, inclusive, depende de como são utilizados os materiais isolantes. “A aplicação de elementos térmicos de maneira indiscriminada nem sempre contribui para melhorar o desempenho da edificação. Em alguns casos, pode até diminuir a inércia. Por exemplo, quando a solução isolante é aplicada em superfície interna com alta inércia térmica”, destaca a especialista.
AMBIENTE EXTERNO
Em regiões de clima quente e seco, com alta amplitude na variação diária da temperatura exterior, é particularmente interessante ter atenção redobrada com esse conceito. Isso porque as edificações localizadas nessas áreas tendem a apresentar temperatura interna mais atenuada. Com isso, se a inércia térmica for bem trabalhada, é possível manter por bom tempo o interior do edifício dentro da zona de conforto, ou com valores próximos do ideal.
“O índice correto de inércia térmica garante condições satisfatórias praticamente durante todo o ano, inclusive em locais com características menos marcantes, como os que apresentam menores variações diárias de temperatura. Nesses casos, é possível manter o adequado conforto interno sem a necessidade de instalar sistemas de condicionamento de ar”, detalha Akutsu. Mesmo quando os equipamentos estão presentes, a inércia contribui para a diminuição no consumo de energia, seja por reduzir a demanda por carga térmica, seja por abreviar o período em que os sistemas permanecem operando.
“Poderíamos dizer que apenas em locais com clima frio, que demandam uso intensivo de materiais isolantes para a diminuição do consumo de energia com calefação, a inércia térmica é menos importante. Entretanto, mesmo nessas regiões o conceito não deve ser esquecido, dependendo das condições do período de verão”, detalha a especialista.
SOLUÇÕES
Os materiais que conferem maior inércia térmica às edificações são aqueles com elevada densidade e grande calor específico. “O que confere a alta inércia aos ambientes é a capacidade térmica de seus componentes, calculada através do produto de sua massa pelo seu calor específico”, afirma Akutsu. Quanto maior for a capacidade térmica de um elemento, menor será sua variação de temperatura para a mesma quantidade de calor recebido.
Resumindo, itens com grande capacidade térmica absorvem mais calor com menor variação de temperaturaMaria Akutsu
“Na prática, excluindo os elementos isolantes, quanto mais espesso for o componente, melhor será a inércia térmica do ambiente, uma vez que a maioria dos materiais de construção tem calor específico da mesma ordem de grandeza. Resumindo, itens com grande capacidade térmica absorvem mais calor com menor variação de temperatura”, fala a especialista.
O PAPEL DAS FACHADAS
As fachadas influenciam na inércia térmica dos ambientes proporcionando maior atenuação na variação diária da temperatura do ar interior. De maneira geral, quanto mais espesso for o sistema, maior será a inércia do ambiente. “No caso particular das fachadas, se acrescentarmos camada de material isolante térmico na sua superfície externa, pode haver aumento da inércia do ambiente”, comenta Akutsu.
Porém, se o componente isolante for posicionado na superfície interna, o efeito da inércia será prejudicado. Isso porque a solução de isolamento vai impedir que o calor presente no ambiente interno seja absorvido pela massa da fachada, que contribuiria para a atenuação das variações de temperatura.
A IMPORTÂNCIA DAS COBERTURAS
No nível mais elevado das edificações, o fator que contribui significativamente para o aumento da inércia térmica dos ambientes é a diminuição do fluxo de calor que atravessa a cobertura, elemento mais exposto às condicionantes climáticas. “É fundamental que se garanta uma boa isolação térmica da cobertura, sem prejudicar a sua inércia”, recomenda a especialista.
SUSTENTABILIDADE
Considerando que um dos preceitos da sustentabilidade é a diminuição do consumo de energia pelas edificações, sem prejuízo do conforto e bem-estar das pessoas, a aplicação da inércia térmica auxilia os projetos de empreendimentos ‘verdes’. O correto aproveitamento do conceito é capaz de adequar a construção ao clima local, contribuindo significativamente para a adoção de práticas mais sustentáveis.
NORMAS TÉCNICAS
A norma de desempenho ABNT NBR 15575 incorpora o conceito de inércia térmica na parte referente ao desempenho térmico. “O documento contempla a determinação da capacidade térmica das paredes no método simplificado, com referência inclusive ao posicionamento dos isolantes térmicos, bem como a especificação dos perfis diários das temperaturas do ar”, finaliza Akutsu.
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Colaboração técnica
- Maria Akutsu – Física, pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em 1974; mestre em engenharia civil pela Escola Politécnica da USP, em 1983; engenheira da qualidade, CQE, pela ASQC em 1991; e doutora em arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP), em 1998. É pesquisadora no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) desde 1975, atuando na área de conforto ambiental e também a responsável técnica pelo Laboratório de Conforto Ambiental e Sustentabilidade dos Edifícios – Centro Tecnológico do Ambiente Construído do IPT, que realiza ensaios para a determinação de valores de propriedades térmicas, acústicas e lumínicas de elementos e materiais de construção, bem como simulações computacionais e medições ‘in loco’ para determinação de níveis de ruído e temperaturas em edificações.