Investigação ambiental e remediação do solo são essenciais. Entenda
O processo de incorporação imobiliária em terrenos contaminados deve ser precedido de estudos e execução dos procedimentos de descontaminação para garantir a segurança
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Recomenda-se analisar o solo antes de começar qualquer atividade construtiva (Nick Starichenko/Shutterstock.com)
Em grandes centros urbanos, a escassez de terrenos aptos a receber novas edificações é um dos problemas enfrentados por construtoras e incorporadoras. Das poucas áreas disponíveis, grande parte apresenta algum problema de contaminação do solo. Por isso, antes de dar início a qualquer atividade de construção, é indispensável a realização de processos de investigação ambiental e, se necessário, a adoção de medidas de remediação.
Estudos mostram que a expansão industrial de meados do século passado concentrou-se na cidade de São Paulo, região do ABC e Cubatão, acompanhando os eixos ferroviáriosVagner Elis
Contaminações mais comuns são encontradas nos terrenos que abrigaram fábricas ou antigos depósitos de resíduos sólidos urbanos. “Estudos mostram que a expansão industrial de meados do século passado concentrou-se na cidade de São Paulo, região do ABC e Cubatão, acompanhando os eixos ferroviários”, explica o geólogo Vagner Elis, professor no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
COMPRANDO TERRENOS
Sob o aspecto de eventual passivo ambiental, antes de a incorporadora adquirir um terreno é preciso verificar se o local não consta na relação de áreas contaminadas, emitida pelos órgãos ambientais do município ou do estado. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) publica em seu site a ficha completa das áreas contaminadas que, em dezembro de 2016, totalizavam 5662 registros.
Além da verificação do documento, também é aconselhável que o responsável pela obra vá pessoalmente ao escritório do órgão ambiental. Nessa visita, o profissional consegue levantar se existe algum passivo na área. “Mesmo que não sejam encontradas ocorrências sobre o terreno em questão, a incorporadora deve contratar empresa ou técnico de consultoria especializada para realizar a investigação geoambiental”, complementa o docente.
ANÁLISES
A legislação determina que o proprietário de um terreno tem responsabilidade pela contaminação existente, mesmo que não seja o causador. Por isso, é importante passar por todas as etapas de investigação ambiental. “O processo começa pela avaliação preliminar, que levanta o histórico de ocupação e operação da área, bem como as potenciais fontes de contaminação e os possíveis receptores dentro da área e no seu entorno”, diz o professor.
Caso exista suspeita de contaminação, é necessário realizar a investigação confirmatória que tem por objetivo atestar a presença de compostos químicos em concentrações superiores aos padrões estabelecidos pela legislação. O estudo também determina se há alguma situação de perigo iminente. “Nesse levantamento são usados métodos geofísicos, sondagens, coleta de amostras e análises químicas de solo e de água subterrânea”, enumera Elis.
Caso seja confirmada a existência de passivo ambiental, é preciso aprofundar a investigação. Nessa fase, são delimitadas todas as fontes da contaminação; quantificada a distribuição da massa de contaminantes em todos os meios; identificados os receptores e suas vias de exposição; e realizada a previsão do comportamento futuro da massa de contaminantes em subsuperfície.
“É importante salientar que, com base na investigação detalhada, serão definidas e desenvolvidas as etapas do processo de remediação”, destaca o professor.
SEMPRE VALE A PENA REMEDIAR?
Quando confirmada a contaminação, a avaliação do custo-benefício da remediação do solo e a viabilidade do empreendimento dependem, principalmente, do tipo de problema. Somente o diagnóstico ambiental é capaz de indicar qual procedimento a ser executado. Tendo conhecimento sobre as atividades que deverão ser realizadas no terreno, é estimado o investimento necessário.
CONTAMINANTES COMUNS
Há uma gama de produtos químicos resultantes de processos industriais que, ao serem descartados inadequadamente no solo, causam sua contaminação. Dentre eles, estão combustíveis e solventes derivados de petróleo e metais pesados. “O chorume, gerado por depósitos de resíduos sólidos urbanos, também é um dos contaminantes mais comuns”, comenta Elis.
PROCEDIMENTOS DE DESCONTAMINAÇÃO
Os contaminantes que chegam à água subterrânea podem ser poucos, mas perigosos, pois não ficam restritos à área de origem do problema e acabam se dispersando para outras regiõesSergio Kataoka
Quando detectadas contaminações no terreno, é preciso determinar se os elementos nocivos estão presentes somente no solo ou se atingiram também níveis mais inferiores, chegando ao lençol freático. “Os contaminantes que chegam à água subterrânea podem ser poucos, mas perigosos, pois não ficam restritos à área de origem do problema e acabam se dispersando para outras regiões”, revela o geólogo Sergio Kataoka, diretor operacional da SK Ambiental Geologia e Engenharia.
Entre os procedimentos de remediação aplicados ao desenvolvimento imobiliário, o mais comum é a escavação, que remove a massa contaminada e sua destinação para locais adequados (aterros especiais). Podem ser utilizadas técnicas que aproveitam reações químicas, para abater as concentrações de elementos nocivos localizados no solo e/ou lençol freático. “E, também, o bombeamento, em que se retira a água contaminada do subsolo”, complementa Kataoka.
Outras técnicas empregadas são o processo de extração de contaminantes orgânicos por injeções de vapor; remediação termal, que possibilita a volatilização e extração dos compostos voláteis na fase vapor; e a oxidação/redução química, que consiste em introduzir agentes oxidantes/redutores no meio contaminado, de maneira a transformar o contaminante em compostos inertes por meio de reações químicas.
A biorremediação e a fitorremediação são, também, soluções. A primeira consiste no aproveitamento da ação de microrganismos para abater as concentrações. Já a fitorremediação emprega espécies vegetais para descontaminação de solos e águas, através de degradação, extração ou imobilização.
Os custos de cada procedimento variam em função do tipo de contaminação e tamanho da área. Porém, outros fatores, como a quantidade de contaminante, estado físico, tipo de solo e de rocha, topografia e profundidade do lençol freático também influenciam.
Há alternativas da adoção de medidas de engenharia, como a execução de pisos para que o solo contaminado não tenha contato direto com os ocupantes da edificação. Ou, então, a construção de garagens em sobressolo para distanciar o usuário do terreno com a massa contaminada.
“É possível, ainda, a adoção de medidas de controle institucionais, pautadas pelo gerenciamento do risco para determinadas vias de exposição. É o caso da criação de áreas de restrição de construções fechadas em determinada porção do terreno. E do impedimento do uso da água subterrânea relativa ao sistema aquífero reconhecidamente contaminado”, complementa Kataoka.
MONITORAMENTO
Geralmente, toda ação de remediação é monitorada para validação da eficiência da intervenção realizada. No passado, era feito acompanhamento pelo período de até 24 meses – dois ciclos hidrológicos completos –, no qual era avaliada a ocorrência de alterações das concentrações que foram atingidas como meta da remediação. Se comprovado que não ocorreram mudanças, os riscos de ocupação do terreno são praticamente nulos.
No entanto, com a nova normativa técnica da Cetesb, que entrou em vigor em 2017 (Decisão de Diretoria 038/2017/C), aconteceram algumas mudanças. Agora, é necessária a adoção de alguns estudos técnicos complementares como o de modelagem matemática, que estabelece previsões/simulações da evolução das contaminações ao longo de um período. “Os cálculos podem fazer projeções para os próximos 50 anos depois da intervenção”, informa Kataoka.
NOVA LEGISLAÇÃO
Em 7 de fevereiro de 2017, passou a vigorar a Decisão de Diretoria 038/2017/C da Cetesb. O documento estabeleceu as diretrizes para gerenciamento de áreas contaminadas no âmbito do licenciamento ambiental. Além disso, aprovou o “Procedimento para a Proteção da Qualidade do Solo e das Águas Subterrâneas” e revisou o “Procedimento para o Gerenciamento de Áreas Contaminadas”.
“A ação foi muito importante, pois a Cetesb estabeleceu, de maneira mais explícita, todas as etapas e ações que devem ser realizadas nessas áreas contaminadas. A partir da Decisão de Diretoria 038, ficou muito claro para os incorporadores e empresas que trabalham na área o que o órgão estadual passará a exigir na avaliação e investigação de áreas com solo ou lençol freático contaminados”, comenta Kataoka.
Apesar de já ter sido publicada, ainda há debates sobre essa Decisão de Diretoria. Entidades do setor têm conversado para fechar alguns pontos que ainda estão em aberto. “No entanto, isso é normal por se tratar de processo dinâmico. A cada momento, surgem novas perspectivas e ocorrem mudanças. No Brasil, o processo de remediação ainda é novo e a Cetesb e os demais órgãos estão em evolução constante, possibilitando ocupações cada vez mais seguras de áreas contaminadas”, finaliza Kataoka.
Leia também: É preciso analisar e remediar o solo antes de construir
Colaboração técnica
- Vagner Roberto Elis – Graduado em Geologia pela Universidade Estadual Paulista. Tem doutorado em Geociências e Meio Ambiente pela mesma instituição. Atualmente, é professor doutor II no Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP). Tem experiência em geociências, atuando principalmente nos seguintes temas: geofísica aplicada, métodos geoelétricos, áreas de disposição de resíduos e investigação geoambiental.
- Sergio Massaru Kataoka – Graduado em Geologia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Rio Claro/SP. Tem Mestrado em Geotecnia pela Universidade de São Paulo (USP) – Escola de Engenharia de São Carlos. Possui mais de 20 anos de experiência profissional na área de investigação e remediação ambiental. É diretor operacional da SK Ambiental Geologia e Engenharia.