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Isolamento, uma ciência complexa

Fraco desempenho acústico das construções é motivo constante de atritos

Publicado em: 08/07/2009

Texto: Redação AECweb

Fraco desempenho acústico das construções é motivo constante de atritos entre moradores de condomínios

Isolamento, uma ciência complexa

Redação AECweb

Já na Roma antiga, foi necessário impor a ‘lei do silêncio’ para enfrentar o intenso ruído causado pelas bigas, que foram impedidas de circular à noite, depois de determinado horário. Das bigas aos aviões, o ruído urbano atravessou os séculos, se tornou mais complexo e de difícil controle pela legislação.

O arquiteto Luiz Carlos Chichierchio, diretor da Ambiental - consultoria e projetos de acústica, conforto térmico e iluminação, alerta que não faz parte da rotina dos empreendedores, projetista e construtores brasileiros a preocupação com o isolamento acústico e térmico das edificações, em conseqüência da frouxidão do atual Código de Edificação da Prefeitura do Município de São Paulo.

“Os códigos anteriores impunham dimensões mínimas para paredes e lajes, admitindo que somente se utilizariam tijolos maciços nas paredes e lajes maciças de concreto. Pretendendo ser mais eficientes, os códigos que se seguiram, eliminaram as velhas dimensões e passaram a recomendar que as paredes e lajes deveriam apresentar isolamento térmico e acústico ‘suficientes’, sem esclarecer qual o critério de qualidade a ser adotado”, diz o professor, que continua: “Dessa forma, ficou a critério de quem projeta e constrói, definir a qualidade que o objeto arquitetônico deve apresentar, restando àquele que se sinta prejudicado a apelação ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor, isto é, em lugar de regras  que indiquem como fazer bem feito, é atribuído àquele que paga a conta o direito de recorrer à justiça”.

Isolamento, uma ciência complexa

Segundo ele, como o resultado dessa nova realidade, nos cartórios e  tribunais, há pilhas de processos de condôminos reclamando do fraco desempenho acústico das construções. Isto vem acontecendo por conta de uma situação paradoxal: à medida que o cálculo estrutural avança, se aperfeiçoa, possibilita que as estruturas se tornem mais leves. “Com isso, se economiza concreto, baixando o custo da obra. Mas, automaticamente o desempenho acústico despenca. O conforto e o bem estar do usuário, que é o consumidor, ficam comprometidos. Esquece-se que o desempenho de uma construção tem que ser global, ou seja, estrutural, térmico, acústico, energético e assim por diante”, observa Chichierchio, para quem, “do ponto de vista térmico, o desempenho é deficiente, por conta do desconhecimento de alguns e do desejo de outros de projetarem e construírem edifícios copiados de outros, apropriados a condições climáticas diferentes das nossas”.

Ruído estrutural
O consultor comenta que já encontrou edifícios em que a mesa das lajes tinha espessura de 6 cm, em que o morador do apartamento debaixo ouvia o de cima andar descalço. “E, veja, em apartamentos de luxo – empreendimentos que tendem a absorver toda tecnologia de ponta”, ressalta. A questão, diz ele, é que “a construtora responsável contrata o melhor calculista, que soluciona o cálculo estrutural de forma que o prédio seja estável, e que apresente baixo custo. Mas, do ponto de vista do desempenho acústico é péssimo. O mesmo vale para a ‘performance’ térmica: num prédio com desempenho energético de má qualidade, o construtor deixa, às vezes, de incorporar algumas proteções necessárias, porque não são obrigatórias e custam um pouco mais. E, novamente, quem paga a conta é o usuário final”.

Isolamento, uma ciência complexa

Há situações em que houve grande cuidado em se fazer uma boa laje e, mesmo assim, o morador ouve o ruído proveniente de muitos pavimentos acima, em geral, da descarga de algum banheiro. Isso ocorre porque o som também caminha pelas estruturas, pelas chamadas vias sólidas. “No caso do ruído das instalações hidráulicas, há uma série de cuidados a se tomar, assim como nos shafts – recurso que facilita muito a obra. As paredes desses shafts, em geral, são muito finas e podem ter uma portinhola de acesso, que exige isolamento, o que raramente é feito”, ensina.

É comum em escritórios a instalação de divisórias com a previsão de apresentarem isolamento acústico. Porém, quando não se tem controle de qualidade, são dotadas de montantes fracos, perfis ocos, ou, imperfeições na montagem junto ao rodapé, na junção com o forro ou na união com a fachada. O ruído vai passar de uma sala para outra num mesmo andar, ou, de um andar para outro. “Ocorre, também, a transmissão de sons de uma sala para outra vizinha através das instalações de ar-condicionado ou dos vãos resultantes dos pisos elevados - outra conseqüência de tecnologias novas mal digeridas pelos projetistas inexperientes”, destaca Chichierchio.

Ele acrescenta o caso de dois prédios vizinhos, em que o som pode vazar por efeito de uma ou mais reflexões. “E, aí, não tem como remediar. O problema poderia ter se resolvido no momento do projeto, talvez girando um pouco a disposição da nova obra. Acontece que o profissional tem que resolver o projeto do prédio num terreninho de 15 m x 40 m. Fica difícil”, exclama.

Isolamento térmico
Quando se fala isolação térmica, é preciso, de imediato, distinguir o que ocorre nos chamados materiais opacos e materiais transparentes, o que obriga a uma atenção especial aos vidros, que se relacionam com a energia de maneira peculiar. É preciso distinguir, em primeiro lugar, quanto o vidro vai deixar passar da radiação solar incidente e do calor resultante da diferença das temperaturas do ar externo e interno. Entre os vidros, há uma série de escolhas, conseqüência de propriedades como reflexão luminosa e global, absorção e transparência.

“A escolha de um vidro reflexivo deve considerar que ele devolve para fora parte da energia que o atingiu. Isso pode causar problemas na parte externa, como reflexões, perturbação no tráfego terrestre e aéreo - existem restrições do controle de vôos ao uso de vidros em fachadas com excesso de refletância - e, até, morte de pássaros. Durante o dia, quem olha de fora não vê o prédio, mas, sim, os edifícios vizinhos nele refletidos. À noite, quem está no ambiente interno com as luzes acesas não vê o exterior, mas a sua imagem refletida. Outra desvantagem é que quem trabalha 8 horas por dia ali, olha para fora e tem a eterna sensação de que o dia está nublado. É opressivo”, afirma Chichierchio.

Isolamento, uma ciência complexa

Portanto, há uma confusão no mercado quanto ao conceito de vidro isolante térmico. “É comum esse vidro refletivo ser vendido como isolante, quando, na verdade, ele não isola, mas reflete. O mesmo ocorre com as películas escuras de revestimento, que não isolam nada, porém, absorvem. A radiação deixa de passar para o lado de dentro porque fica retida naquele pigmento escuro. É claro que o filme vai aquecer e uma parte do calor passa para o ambiente, enquanto, outra, volta para fora. Há muita confusão nesse tema”, insiste.

Existem, no entanto, vidros que reduzem a passagem da radiação, sem ser por excesso de reflexão, nem por excesso de absorção. Entre eles, o arquiteto destaca o denominado ‘Low-e’, de baixa emissividade. “A indústria vidreira coloca atualmente à disposição dos projetistas e construtores uma variedade de vidros que apresentam desempenho surpreendente em comparação com os tradicionais conhecidos”, diz. A isolação acústica dos vidros depende, principalmente, da espessura e da quantidade de camadas. Quando é necessária uma isolação maior e a espessura do laminado chega a 20 mm, a janela fica pesadíssima. Ele sugere trabalhar com vidros duplos ou triplos de espessura diferentes, lembrando que, no Brasil, por enquanto, se usa dois, mas na Europa é comum o vidro triplo.

“No estudo da avaliação da carga térmica para dimensionamento do ar condicionado é preciso identificar num vidro o fator solar, que indica a relação entre a radiação solar que atravessa o vidro e a radiação incidente; e o seu Coeficiente de Sombreamento (SC).  Quanto menores forem o fator solar ou o coeficiente de sombreamento, menor será a radiação transmitida.Devemos cuidar para que a transmissão luminosa não resulte muito baixa. Outro parâmetro é a condutância térmica global, que mostra o comportamento do vidro quando exposto a diferenças de temperaturas do ar interna e externa (U ou K) indicando, portanto, o poder isolante do vidro. Quanto menor o fator U ou K - que tem como dimensões watts /m².°C, temos a indicação se o material é mais ou menos isolante”, explica.

Isolamento, uma ciência complexa

Materiais
No caso dos materiais opacos, como as alvenarias e o concreto, por exemplo, o ‘U’ não representa na totalidade o desempenho do material perante a isolação, porque a fachada pode ter dois materiais com o mesmo ‘U’ e desempenhos muito diferentes. “Devemos considerar a inércia térmica representada pela capacidade de armazenar calor que o componente apresenta. Se há um painel leve como uma lâmina fina e alguma isolação, e uma parede grossa de tijolo, que podem ter o mesmo ‘U’, o desempenho perante a passagem do calor pode ser totalmente diferente por apresentarem inércia térmica diferente”, afirma.

Isto ocorre porque, nos materiais opacos, é preciso considerar o armazenamento do calor durante a transmissão. Nos materiais densos, com calor específico e condutibilidade térmica altos e espessuras grandes, como no caso das fachadas em alvenaria, tijolo, pedra, concreto, o calor custa a passar da face externa para a interna e vice-versa. A massa vai se aquecendo faixa por faixa, levando mais tempo para o calor passar. Como do lado de fora a temperatura não é constante, quando esta começa a cair, uma parte do calor que já estava no interior volta para o lado de fora, e nunca chega a penetrar para o lado de dentro. Conclusão: ao contrário do material pesado, o mais leve, com o mesmo poder isolante – o mesmo ‘U’ – permite a passagem instantânea do calor.

É comum se verificar erros grosseiros no dimensionamento da instalação de ar condicionado, porque é costume considerar o ganho instantâneo de calor, o que só é verdadeiro para materiais leves, como o vidro, painel de fachada de espessura muito fina, alumínio composto, ou uma lã do lado de dentro. Agora é preciso tomar um grande cuidado, porque os materiais tipo lã e espuma, têm um ‘U’ e uma inércia muito baixos, isto significa que eles isolam, mas, aquele pouco que tiver que passar, passa instantaneamente. Dependendo do clima da região é melhor ter um material leve, com ‘U’ baixo e, outras vezes, não. Numa região de grande diferença de temperatura do dia para a noite, é preferível ter um material com ‘U’ alto e inércia alta também, porque o calor que atinge a fachada às 15 hs, só vai passar para o lado de dentro às 4 hs da manhã seguinte, o ocorre no caso das paredes grossas. Nos materiais opacos, o desempenho perante o sol depende ainda da cor da face externa. Quanto mais claras, essas superfícies absorvem menos a radiação solar incidente”, orienta Chichierchio.

Redação AECweb


Colaborou para esta matéria:

Luiz Carlos Chichierchio
, arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP; com pós-graduação: Mestrado em Estruturas Ambientais Urbanas (FAU/USP). Fez estágio de especialização no Centre Scientifique et Technique du Bâtiment – (França). Foi professor de Conforto Ambiental na FAU/USP entre 1968 e 2000 e, atualmente, leciona as disciplinas de conforto ambiental na Faculdade de Belas Artes de São Paulo. É titular do escritório Ambiental – Consultoria.