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Judicialização de vícios construtivos preocupa construtoras

Ações em diferentes instâncias visam obter vantagens recorrendo à responsabilidade civil do construtor de empreendimentos populares. Saiba mais

Publicado em: 05/05/2021

Texto: Juliana Nakamura

Infiltração no teto
As infiltrações são uma das manifestações patológicas mais comuns (Foto: Anurak Sumipun/Shutterstock)

Perdas de desempenho e manifestações patológicas geram muito transtorno para os usuários e proprietários de imóveis. Elas também são uma enorme dor de cabeça para os construtores. Afinal, nenhuma empresa quer ter que lidar com ações judiciais morosas e caras. Além disso, para reparar um vício construtivo em um empreendimento entregue, o construtor precisa desembolsar muito mais do que o que seria gasto para construir corretamente. Portanto, uma empresa preocupada com a solidez do seu negócio e com sua imagem procura, ao máximo, evitar falhas construtivas.

Ainda assim, os problemas acontecem. De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Jurídico da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), há mais de 51 mil ações relacionadas a vícios construtivos em imóveis da faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida tramitando na Justiça Federal. Além disso, há mais de 13,7 mil acórdãos em 2ª instância nos Tribunais Regionais Federais.

Tal volume de ações gera a suspeita de que exista uma “indústria” de ações judiciais sobre vícios construtivos. “Estamos nos referindo a uma série de processos que se baseiam em laudos genéricos e que correm em diversos estados brasileiros. São ações com argumentações idênticas, exigindo indenização financeira em vez da correção dos vícios alegados”, explica o presidente da CBIC, José Carlos Martins. A entidade, inclusive, tem realizado rodadas de debates com seus associados para definir estratégias de resposta a essas ações.

RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR

Segundo Carlos Del Mar, consultor jurídico da CBIC, falhas na lei vigente e omissões contribuem para esse cenário. Uma fragilidade é a falta de clareza sobre o prazo de responsabilidade, que consiste no período pelo qual o construtor é responsável por defeitos e falhas de execução, mesmo após expiração do prazo de garantia.

A garantia é um período de responsabilidade objetiva, de cinco anos. Para acioná-la, basta existir uma falha. Não é preciso envolver culpa do construtor. “Mas não há prazo-limite para o surgimento de uma falha/vício. Isso significa que a possibilidade de reclamação fica em aberto, estimulando a industrialização das ações”, explica Del Mar, reforçando a necessidade de haver prazos razoáveis, com fundamentação técnica, para justificar uma reclamação após o prazo de garantia.

O QUE SÃO VÍCIOS CONSTRUTIVOS?

Há, ainda, as trincas e fissuras em excesso, seja por movimentação térmica, por retração de alvenaria ou até mesmo por traço da massa inadequado, presença de sulfatos e material argiloso na massa
Paulo Palmieri Magri

De acordo com definição da ABNT NBR 13.752: Perícias de engenharia na construção civil, os vícios são anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos ao consumidor. Eles podem decorrer de falha de projeto ou de execução ou, ainda, da informação imprecisa sobre a utilização ou a manutenção. Os vícios podem ser aparentes ou ocultos.

No caso das construções habitacionais, as manifestações patológicas mais comuns são o descolamento de revestimentos internos, o destacamento de revestimento de fachadas e infiltrações provocadas por falhas nos sistemas de impermeabilização e vedação.

Também são razoavelmente recorrentes falhas de funcionamento/desempenho em sistemas hidrossanitários, elétricos, de gás e de combate a incêndios. “Há, ainda, as trincas e fissuras em excesso, seja por movimentação térmica, por retração de alvenaria ou até mesmo por traço da massa inadequado, presença de sulfatos e material argiloso na massa”, explica o engenheiro Paulo Palmieri Magri, diretor do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia em São Paulo (Ibape-SP).

MANUTENÇÃO CRÍTICA

Em alguns empreendimentos, constata-se que o condomínio não consegue coletar a cota condominial para realização das intervenções de manutenção preventiva como prevê a Norma de Desempenho (ABNT NBR 15.575)
José Carlos Gama

Evitar vícios construtivos passa, em primeiro lugar, por investir mais tempo e recursos financeiros em projetos de qualidade. “Também é fundamental criar a cultura do treinamento de mão de obra, visando a excelência do serviço, bem como de supervisão dos arquitetos e engenheiros”, afirma Paulo Magri. Outro fator importante para o diretor do Ibape-SP é escolher materiais e insumos de qualidade comprovada e aprovadas pelo Inmetro, com os devidos testes e ensaios.

“Durante o pós-obra é urgente consolidar uma cultura da manutenção predial preditiva, preventiva e corretiva, e seguir os parâmetros estabelecidos pelas normas técnicas vigentes”, diz Magri. A ausência de manutenção adequada, aliás, pode estar por trás de muitas das alegações de vícios em habitações enquadradas na faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida, acredita José Carlos Gama, presidente do Conselho Jurídico da CBIC. “Em alguns empreendimentos, constata-se que o condomínio não consegue coletar a cota condominial para realização das intervenções de manutenção preventiva como prevê a Norma de Desempenho (ABNT NBR 15.575). O resultado disso aparece como falhas, perdas de desempenho e de durabilidade”, conclui Gama.

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Colaboração técnica

 
José Carlos Martins — Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Paraná, é presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).
 
Carlos Del Mar — Advogado especializado em direito imobiliário, é membro dos Conselhos Jurídicos do Secovi-SP e do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo) e conselheiro da CBIC.
 
Paulo Palmieri Magri — Engenheiro civil e perito forense, é professor de grafoscopia e diretor cultural do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo (Ibape/SP).
 
José Carlos Gama — Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Ceará, graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza. É presidente do Conselho Jurídico da CBIC.