Material de construção deve ser sustentável desde a compra
Além do reaproveitamento, reciclagem e vida útil do material de construção, é preciso observar a formalidade, a legalidade e a conformidade às normas técnicas
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Os três pontos para se levar em consideração durante a escolha de produtos sustentáveis são o reaproveitamento, reciclagem e vida útil (foto: MarchCattle/shutterstock)
O conceito de sustentabilidade dos materiais e sistemas remete, inicialmente, a questionamentos em relação ao seu reaproveitamento, reciclagem e vida útil. “Porém, há questões básicas a serem consideradas, que têm sido objeto do trabalho do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS). Trata-se do trinômio envolvendo formalidade, legalidade e conformidade às normas técnicas”, alerta a engenheira Vera Fernandes Hachich, diretora da Tesis - Tecnologia de Sistemas em Engenharia.
Segundo ela, em primeiro lugar, é preciso verificar a formalidade da empresa que extrai, fabrica e comercializa o produto, ou seja, ela deve ter um CNPJ. A seguir, o especificador e o comprador devem investigar a legalidade do fornecedor quanto à prática de mão de obra escrava e infantil. Outro princípio legal de atuação diz respeito ao tratamento que a empresa dispensa aos funcionários, sob aspectos como segurança, relações trabalhistas e salários. O trinômio se fecha com a averiguação da conformidade do produto às normas técnicas.
“Esses três pontos são a pedra fundamental da sustentabilidade. Na Construção Civil, é bastante comum que fornecedores de materiais naturais como cimento, pedra e madeira, sejam informais. Ao adquirir produtos desse tipo de fornecedor, a construtora puxará a cadeia da informalidade e da ilegitimidade, devendo se perguntar quão sustentável é o edifício que está fazendo”, destaca a engenheira, acrescentando que a informalidade representa um alto custo, que o Brasil paga com juros e correção monetária.
VIDA ÚTIL
O trinômio da sustentabilidade envolve formalidade, legalidade e conformidade às normas técnicasVera Fernandes Hachich
Atendidos os critérios principais, é preciso verificar os diferenciais do produto, a começar pela vida útil. Vera Fernandes ensina que o conceito de vida útil prevê a manutenção do desempenho de determinado componente da edificação sob condições de uso, pelo maior tempo possível. Isto se reflete em menor uso dos recursos naturais, evitando a extração de matéria-prima e de consumo de água e energia para sua produção.
ESPECIFICAÇÃO
“Entre as várias condições envolvidas nessa escolha, está a expertise do projetista e do construtor. É preciso que tenham conhecimento para a especificação dos componentes de acordo com o nível de agressividade e de uso na edificação”, diz. Assim, o projeto para uma obra em Manaus não deve ser replicado em outras regiões do país, porque as condições atmosféricas são diferentes, o que vai exigir materiais e detalhes construtivos específicos para cada local.
“Em Manaus, o clima é úmido com grande condensação, condição que pede boas soluções de ventilação para retirar essa umidade do ar – caso contrário, vai deteriorar a pintura, vernizes e metais. Já num local muito frio, como a serra catarinense, o mais importante deve ser a estanqueidade ao ar, que vai preservar o conforto térmico para os usuários e manter o aquecimento sem perda de energia elétrica. Em outras palavras: o bom projeto deve ser pensado para atender as características locais, o que vai definir os materiais e os desenhos dos componentes, como caixilhos, cobertura e revestimentos das paredes”, expõe.
A partir daí, será feita a escolha dos materiais que têm maior durabilidade para aquela condição específica. “Para o revestimento de fachadas”, exemplifica a engenheira, “é preciso considerar qual o material mais adequado para o ambiente muito úmido, ou para regiões frias. Pode não ser o mesmo, e ter uma vida útil boa para um local e reduzida para outro”. Outro exemplo são os materiais metálicos aplicados em edificações da orla marítima, sabidamente atacados por névoa salina que vai gerar pontos de corrosão, enquanto em áreas urbanas terão uma vida útil muito maior. “Portanto, será preciso fazer a escolha adequada quanto à natureza da degradação daquele produto para a condição de cada projeto. Com isso, elevamos a vida útil dos materiais e do edifício, reduzindo a substituição por novos produtos para a manutenção e, portanto, o seu custo”, sublinha.
SISTEMA
A norma ABNT NBR 15575 dá ao mercado um parâmetro de durabilidade. É um novo paradigma de trabalhoVera Fernandes Hachich
A sustentabilidade dos materiais, sistemas construtivos e das próprias edificações exige raciocínio abrangente, que contempla todo o ciclo de vida. Ou seja, o produto deve ser avaliado desde a extração do material e, o edifício, desde a construção até a etapa em que perdem a vitalidade. “É preciso pensar de forma sistêmica. Por sua complexidade, o perigo é que os profissionais passem a pensar de maneira simplista, o que leva a decisões equivocadas. Se não for possível fazer raciocínios complexos, faça os elementares, observando o trinômio: formalidade, legalidade e conformidade”, recomenda Vera Fernandes.
APURAÇÃO
Para apurar essas informações, há uma série de sites como o da Receita Federal para verificar o CNPJ do fornecedor. Mão de obra escrava e infantil pode ser pesquisada no site do Ministério do Trabalho, bastando inserir o nome da empresa para verificar se houve alguma autuação nos últimos dois anos. “Isso na Construção Civil é frequente”, diz. E quanto à conformidade dos materiais, uma boa referência é o site do Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H).
INFORMAÇÃO PARCIAL NÃO VALE
Referindo-se ao que se estabeleceu no setor como greenwashing, Vera Fernandes prefere o bom português, e traduz: “É mera enganação de empresas que fazem seu produto se passar por ambientalmente saudável, através de informações parciais. É o caso de anúncios de produto reciclável, sem, no entanto, dizer como é feita a reciclagem, quem recicla e até mesmo se há no país usinas de reciclagem para aquele material. Caso contrário, ele irá para o lixo como qualquer outro, induzindo o comprador ao erro”, destaca. Outro exemplo é anunciar o produto informando aspectos irrelevantes, como ‘o material plástico não sofre corrosão’. É da sua natureza não sofrer corrosão.
INVESTIGAÇÃO
Para evitar essas situações, a engenheira sugere que todos tenham curiosidade sempre e façam perguntas básicas. É obrigação dos profissionais, segundo ela, investigar o que faz aquele produto ser melhor do que outros sob o aspecto da sustentabilidade.
Vera Fernandes observa que uma forte aliada à produção de materiais mais sustentáveis será a Norma de Desempenho (ABNT NBR 15575), em vigor a partir do próximo mês de julho, que estabelece a vida útil dos sistemas das edificações. “A norma dá ao mercado um parâmetro de durabilidade. Neste momento, tanto a indústria de fornecedores como a da Construção Civil e os incorporadores estão mobilizados, encarando a norma como um paradigma de trabalho. À medida que a construtora, que faz o produto final para o usuário, passou a ter essa preocupação, a cadeia de fabricantes também se mobiliza. Esse é um movimento muito importante”, finaliza.
Colaboração técnica
- Vera Fernandes Hachich – Sócia-gerente e gerente técnica da TESIS (Tecnologia de Sistemas em Engenharia S/C Ltda), é graduada em Engenharia Civil, mestre e doutora na área de concentração: Engenharia de Construção Civil e Urbana pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Desde 2011 é coordenadora do Comitê Temático de Materiais e conselheira do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS). Atua nas áreas de engenharia da qualidade, avaliação de desempenho de materiais, componentes e sistemas construtivos tradicionais e inovadores, gestão de programas setoriais da qualidade, tecnologia de produtos, sustentabilidade na Construção Civil, durabilidade e normalização de componentes e sistemas construtivos.