Matriz energética renovável se amplia
Parques eólicos avançam, dois estádios da Copa do Mundo adotam energia fotovoltaica e o aquecimento solar de água se consolida cada vez mais.
Parques eólicos avançam, dois estádios da Copa do Mundo adotam energia fotovoltaica e o aquecimento solar de água se consolida cada vez mais.
Entrevista: Mauro Passos.
Redação AECweb
As notícias que Mauro Passos, presidente do Instituto IDEAL – Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas na América Latina –, resume nesta entrevista ao AECweb, delineiam um futuro de curto prazo de matriz energética cada vez mais limpa no país. A começar pela primeira grande obra de solarização, que deverá instalar quase 10 mil m² de painéis fotovoltaicos no edifício-sede da Eletrosul Centrais Elétricas S.A. A empresa publicará o edital da licitação internacional até o final de junho. Passos revela que dois estádios que estão em construção para a Copa do Mundo de 2014 contarão com o sistema, além do estádio de Pituaçu, em Salvador. Ele comenta o avanço dos parques eólicos e o já consolidado sistema de aquecimento solar de água. E antecipa: as primeiras fábricas no país a produzir painéis fotovoltaicos serão iniciativas de grupos nacionais e poderão entrar em operação nos próximos dois anos.
AECweb – Os estádios da Copa do Mundo terão energia fotovoltaica?
Mauro Passos – Poucos. Primeiro por uma questão de prazo, pois os projetos de arquitetura já estavam contratados antes do desenvolvimento dos projetos solares. Veio uma etapa, que não é fácil, do convencimento dos escritórios de arquitetura de incorporar a solarização aos seus projetos. Outra questão é que boa parte das arenas pertence a governos de Estado ou Municípios. E foi preciso mostrar que o sistema fotovoltaico – uma novidade – não afetará o projeto arquitetônico ou a estrutura do estádio, a ponto de gerar alguma demanda jurídica. Porém, só o fato de termos anunciado que os estádios da Copa do Mundo seriam solarizados, já gerou uma notícia. Assim, a energia fotovoltaica se tornou mais conhecida e comentada a partir dessa iniciativa.
AECweb – Infelizmente, foi um projeto frustrado?
Passos – Eu não digo isso, porque teremos, no mínimo, dois estádios solarizados: o Estádio Nacional de Brasília, projetado pelo escritório Castro Mello Arquitetos; e o Mineirão, em Belo Horizonte, que a própria CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais – decidiu solarizar. Já é muita coisa!
AECweb – Como será a solarização do estádio Pituaçu, de Salvador?
Passos – A Coelba, concessionária do Estado da Bahia, conseguiu para o estádio Pituaçu, recursos de pesquisa e desenvolvimento da ANEEL, e está fazendo a solarização. Não teve, portanto, custo já que é uma arena do governo do Estado e a verba veio da agência. É um estádio pequeno e mais utilizado, agora, enquanto o da Fonte Nova está em obras. O Pituaçu vai cumprir um papel de referência no uso da fotovoltaica para outros no país. Como estádio é um equipamento usado normalmente à noite e não vale a pena armazenar a energia gerada durante o dia em baterias porque é caro, o ideal seria jogar direto na rede pública. Essa é uma premissa para todos os que vierem a usar o sistema solar. No caso do Pituaçu, a idéia é enviar essa energia para o Centro Administrativo da Bahia que fica muito próximo ao estádio. Como os dois são prédios públicos, é uma conta quase que única. Até onde sei, será adotada a tecnologia filmes finos, inédita aqui, e que evitou reforços na estrutura do telhado. É menos eficiente, mas é uma produção energética considerável.
Eletrosul - planta piloto.
AECweb – O poder público, além de incentivar, já emprega matrizes renováveis em seus edifícios?
Passos – O primeiro caso que teremos é o da Eletrosul, em Florianópolis, com o projeto Megawatt Solar, planta solar integrada à sua edificação e conectada à rede. A previsão é de que até o final de junho saia o edital de licitação internacional para quase 10 mil m² de painéis fotovoltaicos. Será um ‘case’ importante, com grande repercussão, assim como o dos estádios. Assim que tivermos essas obras solarizadas prontas, o sistema fotovoltaico vai deslanchar no Brasil.
AECweb – Entre as fontes de energia renováveis, qual cresce mais no Brasil?
Passos – Com certeza, a eólica que já atingiu uma condição consolidada. O programa de leilões criado pelo governo, assegurou ao fabricante e ao investidor um mercado anual. Para o setor da construção civil, a energia fotovoltaica é a mais pertinente, que se adapta a qualquer tipo de edificação. A tecnologia, principalmente alemã, evoluiu e trouxe ao mercado placas mais flexíveis e transparentes, podendo substituir perfeitamente o vidro das fachadas cortinas. Ou seja, fachadas e janelas são as próprias placas solares.
AECweb – Como foi o encontro ocorrido em maio passado, na Alemanha, com empresários locais?
Passos – Tivemos uma reunião na Embaixada do Brasil para apresentar o projeto do Instituto Ideal que denominamos ‘América do Sol’, premiado pela ONU, que tem a pretensão de abrir espaço para a energia solar na América Latina. Eram mais de 50 empresários alemães – número superior à nossa expectativa e a da Embaixada -, fabricantes de painéis e instaladores, de olho no mercado brasileiro. Por outro lado, a produção brasileira é incipiente e feita por universidades. A justificativa é que esse investimento virá quando houver demanda, mas é a história do ovo e da galinha. Hoje, já seria possível termos uma produção nacional para a atender a demanda local.
AECweb – O interesse dos empresários alemães é fabricar aqui?
Passos – Essa disposição vai depender do mercado. Hoje, há muito mais interesse de importantes grupos brasileiros de produzir os painéis no país. Talvez, para surpresa de todos, as primeiras fábricas a se instalarem aqui nos próximos dois anos serão de iniciativa nacional. O Brasil é muito rico em silício – parte importante da placa -, o que facilita a transformação.
AECweb – Qual o papel da construção civil para a absorção dessa opção energética?
Passos – A construção civil tem tudo a ver com a solar, porém está deixando passar esse momento histórico da nova matriz energética brasileira. Hoje, os construtores têm como e porque solarizar edificações como shopping center, supermercado, hotel, estação de metrô, aeroporto: toda a geração que a fotovoltaica proporciona coincide com o horário em que esses estabelecimentos mais utilizam o ar condicionado. É uma excelente resposta para equilibrar a demanda energética de um empreendimento. Neste momento em que a tarifa da energia está alta e setores estão substituindo a energia elétrica por geradores no horário de ponta, a fotovoltaica tem uma parceria quase que natural com a construção civil.
AECweb – É o caso, também, da energia eólica?
Passos – A eólica carrega um pequeno problema de ordem estética que envolve o ajuste do projeto arquitetônico. Outra questão é o ruído e a vibração que o sistema pode trazer para o edifício, podendo comprometer essa escolha. Ou seja, não vejo a eólica como uma matriz renovável tão fácil de ser absorvida pela construção civil como é a solar, que se adéqua melhor ao projeto. O aquecimento solar de água, por sua vez, é uma solução também consolidada e que tem que ser incorporada a programas habitacionais de grande escala de produção, como o Minha Casa, Minha Vida.
AECweb – E qual é o payback do sistema fotovoltaico?
Passos – Depende muito da região e seu grau de insolação, e do material usado. No Brasil, o tempo de retorno do investimento é de, em média, oito anos. É interessante lembrar que a energia solar tem sobre as demais a vantagem de utilizar apenas equipamentos fixos, o que evita qualquer desgaste das peças. Portanto, o custo de operação e manutenção é praticamente zero, condição que colabora com o retorno do investimento.
AECweb – Há uma expectativa de que o sistema terá reduções de custos?
Passos – Sim. Há uma curva científica que mostra uma curva decrescente nos preços do sistema fotovoltaico, enquanto crescem os das energias convencionais. O que é normal, pois quanto mais escala tivermos a tendência é de queda: no caso da solar, essa redução tem sido de 20% ao ano nos últimos cinco anos. Nada se compara a isso!
Redação AECweb
MAURO PASSOS é engenheiro do setor elétrico (1973 à 2003) e pós-graduado em Planejamento Energético. Foi vereador e deputado federal. No Congresso, atuou nas Comissões do Mercosul, de Minas e Energia, do Meio Ambiente, de Ciência e Tecnologia, de Turismo e no Conselho de Altos Estudos. Criou e presidiu a Frente Parlamentar em Defesa da Energia de Fontes Renováveis e, atualmente, é o membro latino-americano do Conselho Mundial de Energias Renováveis (WCRE), com sede em Bonn, na Alemanha.