Minha Casa Minha Vida está aquecido, mas pode enfrentar obstáculos em 2025
Mesmo com a previsão de recursos recordes para o próximo ano, programa pode ter seu ritmo de crescimento prejudicado por questões orçamentárias
(Foto: JR Slompo/Adobe Stock)
Tratado como um dos principais motores da construção civil no começo de 2024, o Minha Casa Minha Vida justificou toda a atenção depositada sobre si ao longo do ano — com cerca de 600 mil unidades contratadas. Considerando somente a cidade de São Paulo, o número de imóveis que fazem parte do programa já representa quase 60% do mercado imobiliário. Esses dados foram abordados durante o painel de abertura do Summit Imobiliário 2024, evento realizado pelo Estadão em parceria com o Secovi-SP.
“As medidas adotadas pelo Governo Federal, em julho do ano passado, se refletiram de modo favorável no mercado. Estamos observando um crescimento muito expressivo no país inteiro”, afirmou Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP. Em meados de 2023, o MCMV passou por uma reformulação, com a atualização das rendas familiares enquadradas no programa, o aumento do subsídio e a redução dos juros para os contemplados que recebem menos de R$ 2 mil por mês. Nessa atualização aconteceram, ainda, mudanças no valor máximo dos imóveis.
“Esses ajustes precisam ser continuamente realizados para mantermos a sustentabilidade do programa. Tínhamos um represamento de recursos, que não chegavam em todas as localidades. Agora, começam a beneficiar praças onde não apareciam. Existem cidades com menos de 100 mil habitantes em que o MCMV está bem desenvolvido”, completou Victor Almeida, presidente-executivo do Conselho de Administração da Pacaembu Construtora. Ele ressaltou que esse crescimento também tem relação com uma maior participação dos estados.
“Houve um arcabouço urbanístico aqui em São Paulo, revisado desde o segundo semestre do ano passado até alguns meses atrás, impulsionando muito a produção HIS e a trazendo para lugares mais centrais e bairros melhores. De alguma forma, todo esse regulatório que facilita a produção imobiliária, otimiza o uso da terra e permite mais unidades por metro quadrado de terreno, também auxilia no crescimento do programa. E não apenas das unidades dentro do guarda-chuva do MCMV, mas daquelas que fazem parte de iniciativas das esferas municipal e estadual”, opinou Daniela Ferrari, diretora de Relações Institucionais da Construtora Tenda.
A especialista avaliou que esse movimento deve seguir fortalecido em 2025. “A continuidade dos programas habitacionais municipais e estaduais deve consolidar ainda mais a produção imobiliária visando atender à crescente demanda por moradias”, antecipou Ferrari.
Essa busca por unidades habitacionais no país tem sido acelerada pelo momento positivo de formação de novas famílias e lares. “Vivemos período em que muitas pessoas estão entrando na idade produtiva, o que aumenta significativamente a necessidade de moradias”, afirmou Almeida, destacando que os índices baixos de desemprego e o aumento da renda facilitam o acesso à habitação. “Mas, há limitações importantes no financiamento disponível”, alertou.
Atualmente, existe grande dependência da poupança e do funding do FGTS — opções próximas do limite das suas capacidades. Se os juros não atingirem patamar mais acessível, que permita ao mercado criar oportunidades mais amplas, essa dependência deve limitar o crescimento.
Próximos passos
De acordo com Petrucci, o orçamento do FGTS para o Minha Casa Minha Vida deve esfriar o crescimento do programa no próximo ano. O orçamento aprovado para 2025 pelo Conselho Curador do fundo é de R$ 142,3 bilhões — valor que será distribuído entre obras de habitação, infraestrutura e saneamento. Desse total, R$ 126,8 bi irá para a construção de novas moradias.
“O funding do FGTS para o programa é considerado satisfatório, especialmente porque o orçamento para 2025 será recorde, tanto em valor quanto em desembolso. Porém, limitará o avanço contínuo que o MCMV tem experimentado nos últimos anos”, explicou Petrucci. O menor crescimento pode ser motivado pelo preço em ascensão dos imóveis — o que traz dificuldades para as construtoras manterem o ritmo de lançamentos e vendas das unidades.
“O que mostra que, mesmo com recursos elevados, o crescimento do programa pode ser impactado por fatores econômicos, como os custos de construção e as taxas de juros”, falou.
Ou seja, além do funding, a continuidade do crescimento do Minha Casa Minha Vida no futuro próximo também está completamente ligada à capacidade de produção do setor e à demanda.
Como construtoras podem participar do MCMV?
O Minha Casa Minha Vida teve grande impacto na oferta de habitação social no Brasil ao longo dos últimos 15 anos. No total, são cerca de 7 milhões de unidades entregues ou em processo de entrega. Somente em São Paulo, a expectativa é que este ano termine com cerca de 60 mil imóveis do tipo comercializados. Em relação ao ticket médio dessas unidades, houve uma alta de 6% na comparação entre 2023 e 2024. Por ser um mercado aquecido, existe o interesse de novas construtoras explorarem esse segmento — movimento que pode gerar algumas dúvidas.
Para sanar esses questionamentos, o Portal AECweb conversou com Daniela Ferrari.
AECweb — Quais requisitos uma construtora deve atender para executar projetos que fazem parte do Minha Casa Minha Vida?
Daniela Ferrari — O MCMV tem diversas modalidades de atuação. A mais abrangente, que grande parte das empresas atuam como proponente, exige uma análise de capacidade de crédito pessoa jurídica (popularmente conhecida como Geric – Gerenciamento de Risco de Crédito) e capacidade técnica através de certificação do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H). Na Construtora Tenda, também conquistamos o Selo Azul e o Certificado NDT, ambos não obrigatórios para o programa, mas que certificam a qualidade.
AECweb — Empresas de qualquer porte podem construir os imóveis do programa?
Ferrari — Sim, mas o tamanho do empreendimento depende justamente dos critérios acima.
AECweb — Como é o processo para que a construtora trabalhe com esse tipo de obra?
Ferrari — A construtora pode atuar apenas prestando serviço para uma incorporadora que já investiu num terreno e licenciou um projeto ou pode atuar no processo completo de desenvolvimento imobiliário, assim como a Construtora Tenda.
AECweb — A compra dos materiais usados nas obras pode ser feita junto a qualquer fornecedor ou existem empresas credenciadas?
Ferrari — Podem ser feitas com qualquer fornecedor, porém a Caixa Econômica Federal é bastante exigente com a qualidade. Os materiais aceitos devem atender às normas técnicas brasileiras e ensaios de desempenho segundo as respectivas normas.
AECweb — Quais critérios técnicos essas obras devem atender?
Ferrari — Devem atender às legislações locais, Corpo de Bombeiros e todas as normas técnicas pertinentes, além do código de boas-práticas da Caixa Econômica Federal.
AECweb — Quais os requisitos para a entrega do imóvel?
Ferrari — Estar com todas as etapas previstas nos projetos e orçamento concluídas, ter as ligações de concessionárias, os registros dos contratos pessoa física concluídos no cartório de registro de imóveis e as autorizações do município e Corpo de Bombeiros para Habite-se.
AECweb — Quais benefícios para construtoras que executam projetos do programa? Existem desvantagens?
Ferrari — Programas como o Minha Casa Minha Vida proporcionam acesso das famílias de menores faixas de renda. Portanto, para as construtoras, isso significa uma maior demanda que ajuda na venda e comercialização de imóveis, além de atender as famílias mais necessitadas.
Não vejo desvantagens, mas há riscos que devem ser considerados na tomada de decisão estratégica em operar neste segmento.
AECweb — Como lidar com possíveis vícios construtivos/manifestações patológicas depois que as obras foram entregues?
Ferrari — A Caixa Econômica Federal tem um departamento de qualidade que acompanha este tipo de situação, por isso é importante investir num bom atendimento ao cliente e retroalimentar projetos e processos construtivos para evitar que estas falhas ou anomalias se repitam, bem como orientar corretamente as famílias sobre a conservação e manutenção preventiva das unidades.
AECweb — Por serem obras “mais simples”, existe algum tipo de preconceito com esses projetos? Caso positivo, como quebrar esse paradigma?
Ferrari — Os projetos e obras deste segmento atendem todas as normas técnicas com qualidade e desempenho, por isso a simplicidade não significa falta de qualidade. As construtoras devem dar bastante clareza nos materiais de vendas tais como plantas, maquetes e memoriais descritivos para de forma objetiva dar clareza no produto que será entregue. Atualmente há, inclusive, investimento em maquetes eletrônicas e realidade virtual 3D disponível nos sites que podem dar melhor clareza sobre o produto.
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