Norma técnica ajuda a prevenir a disseminação da legionelose
Edifícios dotados de ar-condicionado e aquecimento central de água, entre outros sistemas prediais, contam com uma norma técnica que ajuda a evitar a disseminação da bactéria Legionella
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Infecção acontece quando colônias da bactéria estão presentes nos componentes dos sistemas prediais (Foto: sonsart/Shutterstock)
A ABNT NBR 16824:2020 - Sistemas de distribuição de água em edificações - Prevenção de legionelose - Princípios gerais e orientações entrou em vigor em junho de 2020. De acordo com o engenheiro Marco Yamada, que secretariou a comissão de estudo no âmbito do CB-02, o documento estabelece métodos para gerenciamento de risco e práticas para identificar e mitigar a legionelose associada aos sistemas prediais coletivos de água de edificações industriais, comerciais, de serviços públicos e residenciais.
“A legionelose e a Síndrome do Edifício Doente (SED) têm relação direta. Porém, a SED abrange mais aspectos que o risco de legionelose, a exemplo da qualidade interna do ar, aspectos de desempenho acústico, lumínico, térmico, entre outros”, explica. O diagnóstico da doença é feito por poucas instituições e seus sintomas podem ser confundidos com doenças respiratórias similares, o que leva à subnotificação. Na sua forma mais grave, que pode levar a óbito, a legionelose é conhecida como Doença dos Legionários e atinge pessoas de determinado grupo de risco. Já a Febre Pontiac, versão mais branda, apresenta sintomas leves e dispensa internação hospitalar.
O risco de contaminação ocorre em condições específicas, mas não exclusivamente em edificações que contam com sistemas prediais de climatização e sistemas prediais de água quente com aquecimento central por acumulaçãoMarco Yamada
“O risco de contaminação ocorre em condições específicas, mas não exclusivamente em edificações que contam com sistemas prediais de climatização e sistemas prediais de água quente com aquecimento central por acumulação”, ressalta Yamada, acrescentando que o usuário é infectado pela aspiração de gotículas de água contaminada com a Legionella, quando colônias da bactéria estão presentes nos componentes dos sistemas prediais. “Elas se formam, principalmente, quando a reprodução da bactéria é acelerada, o que ocorre em condições como temperaturas específicas, trechos de estagnação e sistemas sem renovação adequada da água, insuficiência de agentes desinfetantes, presença de biofilme na superfície interna dos componentes, qualidade da água”, explica.
Qualquer componente dos sistemas prediais passível de contaminação e que faça a dispersão da água em forma de gotículas no ar pode ser um disseminador potencial. A presença de condições de reprodução acelerada da bactéria é mais comum nos sistemas de climatização que usam água e sistemas prediais de água quente com sistemas de aquecimento por acumulação. “Isso não exclui outras fontes potenciais, a exemplo de sistemas de água não potável e fontes decorativas”, exemplifica Yamada.
Diante dos poucos dados, seja pela falta de diagnóstico ou pelo desconhecimento do público, é temerário afirmar que os casos de contaminação por Legionella são comuns no Brasil. “Porém, sabemos que as condições para a contaminação pela bactéria estão presentes em diversas edificações brasileiras”, alerta o especialista, contando que, internacionalmente, onde estas condições são comuns, o assunto é tratado com alta relevância, tanto que a Organização Mundial da Saúde e diversos países têm guias, diretrizes, legislações e normas técnicas específicas sobre o assunto.
Norma de análise de riscos
A NBR 16824:2020 não é uma norma que estabelece medidas prescritivas. O engenheiro relata que, de maneira geral, houve um consenso entre os integrantes da Comissão de Estudos de que não existem soluções universais para o combate à Legionella. Isto porque cada sistema e edificação têm suas características próprias. “Logo, a abordagem da norma é mais focada no processo de Análise de Riscos e Pontos Críticos de Controle (APPCC) do que nas recomendações e diretrizes técnicas de cada sistema, que devem ser tomadas para a mitigação do risco. Assim, evitamos o uso de prescrições que poderiam não ser aplicáveis a uma edificação ou sistema, fazendo com que a norma seja mais clara e concisa”, expõe.
Ao falar em mitigação do risco, Yamada se refere ao fato de que é virtualmente impossível eliminar todo e qualquer risco de contaminação por Legionella, pois existem atividades de caráter operacional que são executadas por pessoas, logo, sujeitas a falhas humanas. De maneira geral, não existe um sistema “a prova” de Legionella. Mas, um processo que identifica, monitora e reduz o risco, que deve nortear a adoção de meios e medidas durante a concepção, execução e, principalmente, a operação do edifício e de seus sistemas, de modo que os usuários estejam seguros dentro de um grau razoável de certeza.
Dessa forma, a norma técnica sobre tema tão pouco conhecido dará maior segurança aos agentes envolvidos no processo. E poderá evitar a adoção de medidas ineficazes ou ineficientes em sua função. Como exemplo, Yamada cita o uso de temperatura mais elevada que o indicado, verificada nos pontos críticos de controle, que incorrem na perda de eficiência energética do sistema de água quente, bem como uma possível redução da durabilidade dos componentes, sem produzir resultados melhores no aspecto de segurança contra o risco de legionelose. Uma medida ineficaz seria, por exemplo, o uso de temperaturas inferiores ao recomendado na norma ou a escolha de um ponto crítico de controle inadequado, que pode acarretar ações ou falta de ações que não mitigariam o risco de contaminação do sistema de água quente.
A norma técnica
A ABNT NBR 16824:2020 tem como base a norma norte-americana ASHRAE 188p e se constitui de quatro partes, sendo três delas as principais. As duas primeiras partes abordam o processo e o programa de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC). A terceira parte é composta por orientações de medidas técnicas que devem ser tomadas em função dos riscos e pontos críticos de controle definidos pela APPCC em cada sistema predial. Essas medidas têm como função mitigar o risco de contaminação dos usuários, bem como prevenir a formação de colônias da bactéria nos sistemas prediais e seus componentes.
A vantagem de ter trabalhado com a adaptação de um documento já existente é que os brasileiros puderam observar os resultados obtidos com a norma americana e evitar erros previamente identificadosMarco Yamada
A quarta parte reúne anexos de caráter informativo para melhor entendimento dos fundamentos da APPCC e do risco de legionelose em edificações. “A vantagem de ter trabalhado com a adaptação de um documento já existente é que os brasileiros puderam observar os resultados obtidos com a norma americana e evitar erros previamente identificados”, comenta.
Elaboração teve caráter multidisciplinar
Marco Yamada conta que a demanda pela abordagem da legionelose começou dentro da comissão de estudos de Sistemas Prediais de Água Fria e Quente da ABNT. “Logo se percebeu que o tema deveria ser tratado em uma comissão de estudos específica, devido à complexidade do tema”, afirma. A Associação Brasileira pela Qualidade e Eficiência em Instalações (Abrinstal) tomou a iniciativa e conduziu o assunto.
Naquele momento, a ASHRAE 188p estava sendo revisada, inclusive com o acompanhamento de membros que vieram a integrar a comissão de estudos da norma brasileira e auxiliaram na elaboração do texto base. O trabalho se iniciou no final de 2016, com a participação de diversos agentes da cadeia produtiva (projetistas, consultores, construtores, advogados, fabricantes etc.), devido ao caráter multidisciplinar do assunto.
“As reuniões se estenderam até o final do segundo trimestre de 2018, quando o texto foi encaminhado para a ABNT para o processo de editoração, revisão e consulta nacional – etapa em que foi aprovado sem restrições, no final do segundo trimestre de 2020”, conclui Yamada.
Colaboração técnica
- Marco Yamada – Engenheiro mecânico formado pela Faculdade de Engenharia Industrial (FEI) e mestrando em Inovação em Construção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Com experiência de 15 anos na área de construção civil, iniciou sua carreira na indústria de tecnologia para sistemas prediais e atualmente é diretor geral da Axiom Engenharia, que tem como foco o desempenho, a qualidade e a eficiência dos sistemas prediais. Participa de diversas organizações e entidades de classe, inclusive de comissões de estudo da ABNT, onde atuou como secretário da comissão de estudos NBR 16824, entre outras normas.