O papel da simulação energética
Arquiteta Lucia Pirró fala sobre as tecnologias que simulam o desempenho energético e as contribuições para o impacto ambiental.
Entrevista: Lucia Pirró
Redação AECweb
O aporte de tecnologias ativas, como o ar condicionado, foi distanciando a relação do homem com a natureza e com os materiais para garantir conforto aos ambientes em que vive. “A arquitetura modernista apontava para soluções como brise soleil, edifício em lâminas e ventilação natural. Naquele momento, não se falava em eficiência energética, mas em qualidade de vida. Com a crise do petróleo, na década de 70, esses elementos passam a ser chave para o sucesso do edifício do ponto de vista do conforto. Recentemente, a eficiência energética se tornou o critério mais exigido e difícil de ser atingido nas certificações de impacto ambiental”, afirma a arquiteta Lucia Pirró, doutora no assunto e sócia da empresa de consultoria em conforto ambiental e sustentabilidade Green Consulting Arquitetura e Engenharia, em entrevista ao AECweb.
AECweb – Qual o peso do projeto na eficiência energética do edifício?
Pirró: O projeto é a base para a sustentabilidade e não permite erros. Aliás, errar não é permitido, pois há muitas ferramentas que ajudam a prever como o prédio vai se comportar sob os aspectos de ventilação, iluminação e térmica. Os softwares de simulação de desempenho energético são utilizados há mais de 20 anos no exterior, enquanto aqui ainda é algo novo. Mas, quando fiz meu mestrado, em 1998, já empreguei a simulação.
AECweb – A simulação é largamente usada pelos arquitetos no Brasil?
Pirró: Não. A maioria não tem esses softwares. Soube de um grande escritório que está implementando esse recurso. Quem desenvolve vários projetos ao mesmo tempo tem benefícios, a começar pelo financeiro pois mantém um funcionário especializado; depois, a resposta vem rápida e disponível internamente – a outra opção, seria contratar um especialista para fazer a consultoria, que custa mais caro e demora. Os grandes escritórios de arquitetura estão procurando arquitetos e estagiários que sabem utilizar a ferramenta.
AECweb – Qual a colaboração que a simulação oferece?
Pirró: Num programa complexo como o Energy Plus, se obtém, a partir de uma primeira concepção do projeto, resultados de todas as temperaturas a cada hora do ano – são 8760 dados de saída. Ele permite, também, ter informações de carga térmica e de consumos relativos aos tipos de equipamentos previstos. A parte mais difícil é a da alimentação correta do programa, que deve ser a mais próxima possível da realidade. Com isso, ele fornecerá uma primeira análise do projeto em desenvolvimento. Logicamente, é preciso que um profissional com conhecimento possa avaliar as respostas de consumo – uma boa ajuda é usar a norma ASHARAE como parâmetro.
AECweb – Na prática, como se trabalha com o software?
Pirró: Depois de montada a base de dados, fica mais fácil alterar o projeto. O arquiteto constata, por exemplo, que o vidro especificado tem transmissão térmica alta e, em seguida, simula sua substituição para obter melhores resultados. Os novos dados dirão se ajudou ou não na eficiência energética do prédio. Depois, ele pode inserir sistemas de ventilação natural variados para ver o que acontece. E, assim, consegue avançar por etapas, inclusive considerando elementos da arquitetura que o projetista não quer que mude. Uma das conclusões é de que a arquitetura, por mais modificada que seja, chega a um ponto que não consegue mais contribuir com o consumo energético. Aí o caminho é mexer nas máquinas para atingir o melhor sistema – é quando entra a equipe de mecânica. O mesmo acontece com a iluminação.
AECweb – Qual é o limite da busca do desempenho energético?
Pirró: Quem dita o limite é o custo do investimento diante de máquinas, vidros, proteções solares mais caros. Quem não é da área, foca tão somente o número final de consumo e corre o risco de usar um vidro com baixa transmissão térmica, sem observar sua péssima transmissão luminosa. Ele vai chegar a resultados parciais, pois poderá obter boa qualidade de eficiência, mas terá um edifício escuro, com iluminação artificial utilizada o dia todo e desconforto para o usuário. ‘Pilotar’ o software é uma parte difícil, mas não é o principal. Quem lê os dados de entrada e saída, tem que ser especializado em eficiência energética.
AECweb – Isto coloca em cena a presença do consultor?
Pirró: A sustentabilidade está tornando o ato de construir uma tarefa cada vez mais complexa. Quando me formei em 1984, a equipe que discutia o projeto tinha meia dúzia de profissionais, envolvendo o engenheiro calculista, o engenheiro de instalações que fazia hidráulica, elétrica e o que mais viesse, e o paisagista. Hoje, só para discutir fachadas tem cerca de 20 profissionais de diversos tipos de conhecimento. Até porque ninguém mais consegue dominar todos os assuntos.
AECweb – Incorporadores e construtores já entenderam essa complexidade?
Pirró: As grandes construtoras, sim. Mudaram procedimentos, criaram sistemas próprios, treinam e qualificam para a sustentabilidade. As demais, de médio e pequeno porte, ouviram falar. Às vezes me ligam dizendo que o cliente quer a certificação LEED e perguntam se basta colocar um painel solar na cobertura e captar água de chuva. Há, também, algumas de maior porte que ganham uma licitação e nos dizem que o projeto ‘tem que ter uma pessoa LEED’ para cumprir o contrato. E não sabem do que se trata. Na verdade, essa ‘pessoa’ é o consultor que vai auxiliar na orientação do projeto e da obra.
AECweb – Críticos das certificações entendem que esse é um dos pontos fracos, pois a equipe da construtora realiza sem entender. É isso?
Pirró: O consultor da certificação pode até mandar um profissional para fiscalizar a execução no canteiro. Ele virou as costas e tudo mundo faz o que quer, lava a roda do caminhão quando o fiscal está lá, e deixa de lavar quando ele sai, por exemplo. É o caso, entre tantos, da documentação fotográfica de todo o processo que, muitas construtoras até fazem, mas não organizam por procedimentos realizados – no final, tem 500 fotos, tudo embaralhado. Portanto, o caminho é a construtora criar uma consciência na empresa para que todos cuidem, treinem o operário e garantam ao engenheiro de obra essa cultura – muitos se aprofundam, outros alegam falta de tempo e excesso de trabalho. Em geral, quem está bem atualizado é o estagiário. Porém, não faltam cursos de especialização nas faculdades de engenharia, MBA, cursos de formação continuada, congressos e seminários.
AECweb – Há quem entenda que sustentabilidade é um problema a mais?
Pirró: Por parte do arquiteto, tem aqueles que acham que o consultor quer mandar no projeto, assim como a lei da acessibilidade incomoda muita gente até hoje. Já o jovem estudante está fascinado e sequer pensa em esperar para se especializar, quer saber tudo agora, desde onde se informar até o que devem fazer; eles compram livros, querem visitar e viajar para ver de perto os melhores ‘cases’ sustentáveis. Acham tudo factível. Estou convencida de que essa geração entende a sustentabilidade como uma prática normal, procedimento do seu dia-a-dia.
Redação AECweb
Lucia Pirró - Arquiteta, mestre e doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, com a tese ‘O Impacto das Envolventes Verticais no Consumo Energético de Edifícios de Escritórios’. Sócia da empresa de consultoria em conforto ambiental e sustentabilidade Green Consulting Arquitetura e Engenharia Ltda. É LEED Accredited Professional desde maio/2007. Especialista em simulações computacionais para avaliação de desempenho térmico e energético de edifícios. Professora do curso de Especialização em Conforto Ambiental e Conservação de Energia (CECACE) e do curso de Especialização em Sustentabilidade (CEPS) da Fundação para Pesquisa Ambiental (FUPAM). Professora de Conforto Ambiental das Faculdades de Arquitetura e Urbanismo da FAAP e do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Possui dois capítulos de livros e mais de 15 artigos publicados.