O que é neuroarquitetura? Especialista no tema explica
Saiba o que é neuroarquitetura e como essa ideia vem mudando a forma de projetar, apoiada em conhecimentos da neurociência
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
A neuroarquitetura é um conceito que procura aplicar os conhecimentos da neurociência à arquitetura. Engana-se, porém, quem pensa que essa nova abordagem tem receitas prontas. À luz da neurociência, cada projeto deve responder as necessidades específicas do cliente. “É ação personalizada”, ensina a arquiteta Jessica Carbone, mestre em Neurociência Aplicada à Arquitetura, entre outros títulos.
“A neurociência vem mostrar como os espaços arquitetônicos afetam nossa atividade cerebral e, portanto, o comportamento humano”, afirma, referindo-se a todo tipo de ambiente, externo ou construído. E, também, ao neurourbanismo, percepção sensorial das pessoas frente às cidades. Por exemplo, como o organismo reage quando se está no centro de São Paulo ou em uma cidadezinha do interior.
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“Em nosso cérebro, temos a amigdala, que atua como sensor do corpo produzindo cortisol, o hormônio do estresse, que nos protege. Nos primórdios, quando o homem estava sob ameaça de ataque por um animal ou inimigo, o cortisol o colocava num estado de luta ou fuga. O sangue circula mais rápido, vai para as extremidades para que se possa correr ou ter força muscular nos braços, a pupila dilata para ampliar a visão”, explica.
Observando através da evolução da espécie, se sabe que as cidades não estão na escala humana. A saliva medida de pessoas que moram no alto de arranha-céus mostra que o estresse é mais alto do que aquelas que vivem em pavimentos mais baixos. “O elevado ruído das cidades é outro fator de estresse, pois não é natural para nós humanos”, diz.
Jessica Carbone toca em um tema crítico: viver em apartamentos compactos nas grandes cidades. O enclausuramento dos moradores nesses espaços associado à vida urbana, ao excesso de ruído e de informação rasa, à cultura do imediatismo, entre outros fatores, leva a picos frequentes de cortisol. É, portanto, um modo de vida neurodegenerativo, tóxico. Pode levar ao pânico e, inclusive, ao burnout.
Estudos mostram que, em locais com canto de pássaros e água corrente, o corpo ativa o sistema parassimpático, que ativa o relaxamento de todo o corpo, desde os músculos ao sistema gastrointestinal. “É tão potente que os sons da natureza são usados no tratamento de pessoas com estresse pós-traumático”, comenta.
Levando esse conhecimento da neurociência para a arquitetura, Carbone trabalhou em parceria com a ONG Valquírias, de São José do Rio Preto (SP), que trata de crianças em situação de vulnerabilidade social e física. Era preciso criar um ambiente terapêutico para que os pequenos pudessem interagir com psicólogos e demais profissionais da saúde.
“Mas não adiantava ter ali apenas os sons da natureza. Em se tratando de crianças, era preciso criar um ambiente lúdico, o que foi feito com a instalação de uma árvore cenográfica: de sua copa saem os sons. Afinal, quanto mais coerente é o espaço, mais potentes são as respostas do organismo”, expõe, lembrando que, quando o humano ouve pássaros cantando, seu cérebro entende que não há perigos iminentes, nenhuma tempestade ou algo querendo atingi-lo.
Neuroarquitetura: design baseado em evidências
A especialista procura diferenciar a psicologia ambiental, datada dos anos 1960, da neuroarquitetura. A primeira identifica os comportamentos que acontecem em determinado espaço. Por exemplo, em restaurantes com muitos elementos vermelhos, os clientes comem rápido e saem logo.
Já a neuroarquitetura permite saber em que região do cérebro (encéfalo) nascem os comportamentos. Nesse exemplo, ela mostra que o vermelho ativa a amigdala cerebral, levando as pessoas à sensação de desconforto, agitação e estresse. “É interessante porque nos permite ‘hackear’ esse sistema para induzir o comportamento que queremos”, fala
Parte das estratégias da neuroarquitetura envolve as pistas sensoriais que o cérebro obtém ao mapear os espaços e gerar comportamentos. É o caso da iluminação, aromas, formas do ambiente e do mobiliário. Estudos identificaram que sofás de linhas retas, contemporâneos, são menos apreciados do que os mais orgânicos. Durante exame de imagem, constatou-se que a área do cérebro responsável pelo desejo e o belo é mais ativada diante do sofá de linhas orgânicas.
“Quando estamos num espaço curvilíneo, com pé-direito alto, boa iluminação e a presença da natureza, temos a sensação de amplitude. Se esse ambiente se complementa com elementos e mobiliários de formas orgânicas, são ativadas as regiões do chamado ciclo de recompensa, aquelas responsáveis pela sensação de prazer que temos quando comemos um chocolate ou ganhamos dinheiro”, explica.
Ao adotar essas características, a neuroarquitetura beneficia os usuários de variados tipos de ambientes, especialmente aqueles lavados pela luz da manhã que é suave. Se for uma cafeteria, as pessoas vão consumir mais, potencializando as vendas. Se for no hall de entrada ou café de um hospital, os visitantes terão a sensação de relaxamento.
O design baseado em evidência parte do princípio da identificação da necessidade do lugar objeto do projeto. “Qual o desejo latente que existe ali? Porque muitas vezes a necessidade não é verbalizada”, ressalta Carbone.
Um exemplo é uma loja que quer um projeto para vender mais, porém é possível ao projeto entregar mais, cuidando do conforto dos vendedores. Se o público for do segmento 60+, deve considerar as exigências do organismo desse público, promovendo elemento de design que os atenda.
Para a especialista, a neuroarquitetura é uma ferramenta tão potente que não deve ficar restrita apenas ao design, pois se trata de apoio para a saúde psicossocial. “O que o arquiteto recebe não é um briefing tradicional de arquitetura. Seu objetivo é identificar o problema a ser resolvido, por exemplo, a ansiedade de pacientes ou da pessoa para quem está projetando a residência, ou de um ambiente escolar ou a casa de uma criança com algum tipo de transtorno, como o do espectro autista. Mas sempre pautado pela pesquisa em artigos e evidências científicas confiáveis que, muitas vezes, escapa do universo da arquitetura.”
Ela alerta que, por se tratar de uma nova ciência, a neuroarquitetura não dispõe mundialmente de ampla bibliografia, ou de suficientes artigos de qualidade.
Estratégias de neuroarquitetura
Para além das estratégias que o arquiteto deve adotar para cada situação, há alguns consensos mais gerais. Por exemplo, a evidência de que uma sala de reuniões com assentos do tipo pufe pode ser interessante para funções mais criativas – testes mostram que esses assentos aliados ao pé-direito aumentado do ambiente podem despertar maior criatividade. “Por outro lado, com a musculatura mais relaxada num pufe, o indivíduo não está produzindo os hormônios necessários para agir, portanto, está incapacitado para tomar decisões.”
Já ao funcionário que precisa ser ativo, deve ser oferecida, por exemplo, uma banqueta alta, desconfortável. “Nesse caso, o ideal é ter uma iluminação com temperatura mais branca, próxima à luz do meio-dia, que nos torna mais atentos”, observa. Ao mudar essa temperatura de cor e tendo como referência as da natureza ao amanhecer e ao anoitecer, as pessoas relaxam. Com a luz do anoitecer, tem início a produção de melatonina, que induz ao sono.
“Olhando para uma situação micro, posso ajudar um cliente, em sua residência, se ele tem insônia. Mas ele deve ser informado das estratégias da neuroarquitetura, que envolvem ainda texturas macias no piso, pés descalços, aroma de lavanda no ambiente, madeira no quarto. Porém, se o cliente ficar deitado diante do celular, não vai dormir, porque a luz da tela não permite a produção de melatonina”, ressalta.
Ainda considerando estratégias micro, é possível medir a atividade cerebral de um cliente para o desenvolvimento de um projeto de neuroarquitetura. Uma das ferramentas médicas é o eletroencefalograma. O EEG vai revelar que o indivíduo que apresenta onda delta está bem relaxado, num momento de regeneração do corpo, em geral quando está dormindo. Já a onda gama mostra alta atividade mental, ou seja, a percepção sensorial da pessoa está mais aguçada, em estado de consciência expandida, está aprendendo mais rápido. Para medir como o grupo está interagindo com o ambiente, a arquiteta indica o uso de sensor para resposta galvânica de pele, colocado no dedo ou na orelha.
Neuroarquitetura aplicada em empresa bioquímica
Carbone relata o trabalho realizado por ela para uma empresa bioquímica, na Suíça, que enfrentava a dificuldade de ter os funcionários de volta ao presencial depois da pandemia de Covid-19. Inicialmente, ela fez intervenções para tornar os ambientes mais atrativos, como salas de reuniões integradas e criação de várias salas de café onde as pessoas pudessem trabalhar, estendendo o hábito adquirido de fazê-lo na cozinha de casa.
“Como uma das formas de atuação com neuroarquitetura é a observação, começamos a ver que as áreas das cafeterias estavam sempre cheias de gente trabalhando com seus notebooks. A decisão foi ampliar essas áreas, com ótimos resultados”, conta.
Porém, muitos funcionários não retornavam, pois haviam desenvolvido síndromes como a de ansiedade e, até mesmo, pânico. Para eles, esses ambientes cheios não funcionavam. “Medimos e constatamos que o nível de estresse que viviam era muito alto, não podiam conviver com várias pessoas e não suportavam o ruído típico dos cafés. Desenvolvemos alguns nichos de trabalho, onde trabalhariam sozinhos. Cuidamos para evitar ambientes confinados, o que agravaria o estado vulnerável em que se encontravam. Oferecemos amplitude, para que pudessem estar na sua mesa, mas enxergando outras pessoas, o que dava a elas uma leitura espacial e de segurança. Havia espaço suficiente, era um andar inteiro”, diz.
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Colaboração técnica
- Jessica Carbone – É Arquiteta e Urbanista, mestre em Neurociência aplicada ao Design Arquitetônico pela Università di Venezia; autora, professora dos cursos de pós-graduação em Neurociências Aplicadas à Arquitetura e Envelhecimento Saudável; apresentadora do programa Sinap-se! na Rádio Arquitetura. É membro da Academy of Neuroscience for Architecture – ANFA; da ACE-ANFA Center for Education; colaboradora do Instituto - NAD – no Chile. Certificada em Economia Comportamental e Ciência Cognitiva; especialista em Neurociência aplicada à Arquitetura; em Neurociências e Comportamento; formada em Neuromarketing e Neurociência do consumidor pela Copenhagen Business School.