Obras brasileiras têm impactos ambientais mitigados
Sob mira constante de órgãos ambientais, engenharia reduz danos e desenvolve ações compensadoras
Após duras investidas de órgãos ambientais, a construção civil brasileira hoje se notabiliza pelo avanço das obras de infraestrutura, cercando-se de cuidados para reduzir interferências ambientais. O conjunto de ações mitigadoras e compensatórias é condição sine qua non no escopo ambiental dos projetos, sob fiscalização incisiva e permanente.
Há ainda muitos movimentos acalorados, motivados pela construção da UHE Belo Monte, em Altamira (PA), que num passado não muito distante, chegou a desencadear manifestações em vídeos que detratavam ou defendiam a obra. Porém, o Plano Ambiental do empreendimento é desafiador e contém várias condicionantes. Ele contempla ações multidisciplinares de áreas como biologia, ecologia, arqueologia, hidrologia, zoologia, entre outras.
“Os avanços das medidas mitigadoras são nítidos e não se comparam à época das construções mais antigas. A preservação ambiental era inexpressiva nas políticas de infraestrutura do país”, ressalta o professor João Marcos Miragaia Schmiegelow, biólogo e coordenador do curso de mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos da Unisanta (Santos/ SP). Ele acrescenta que os projetos devem contemplar com mais frequência, por exemplo, túneis para a passagem de animais sob as rodovias.
“Essas ações compensatórias e mitigadoras são caras, tornam os projetos cada vez mais onerosos, agregam custos. Mas acredito que a engenharia esteja preparada e pode realizar obras com impactos reduzidos, o país precisa fazer os investimentos necessários”, destaca Miragaia.
A ISO 14001 dispõe as diretrizes básicas de um sistema de gestão ambiental e vem sendo cada vez mais exigida dos prestadores de serviço dos setores de infraestrutura, industrial, automotivo, petroquímico e químico.
Obra do Rodoanel: divisora de águas no quesito gestão ambiental
O valor total do projeto era R$ 3,6 bilhões, mas a esse montante foram acrescentados R$ 500 milhões exclusivamente para reparos ambientais. A construção do Trecho Sul do Rodoanel teve um impacto alto no ecossistema – a Dersa informou que cerca de 300 hectares de Mata Atlântica foram suprimidos. Para compensar, foram plantados aproximadamente 1000 hectares, mais que o triplo da área devastada. Essa ação envolveu um detalhado estudo de impacto ambiental que entrou para os anais da construção brasileira.
O trabalho se notabilizou por conhecer, resgatar e recuperar as áreas atingidas pelo desmatamento e foi capitaneado pelo Instituto de Botânica de São Paulo, que fez todas as recomendações para serem adotadas as medidas mitigatórias e compensatórias no local. “Os especialistas trabalharam e resgataram determinadas plantas nas regiões atingidas. Eles identificaram as espécies, indicando as endêmicas, raras e/ou ameaçadas de extinção e deram destinação futura”, informou o diretor do Instituto de Botânica de São Paulo, Luiz Mauro Barbosa, que coordenou os trabalhos.
Hoje, essa ação é uma das condições exigidas nos projetos para as obras serem liberadas pelos órgãos ambientais. Quando as árvores são derrubadas, biólogos vão até o local coletar plantas das diferentes espécies alojadas nessas árvores, as sementes ou propágulos e plântulas (aqueles menores no chão), e dão uma destinação adequada, como viveiros de mudas nas áreas dos canteiros, áreas adjacentes, jardins botânicos ou prefeituras.
“Dessa forma, quando essas espécies são semeadas ou plantadas, está se procedendo à conservação das mesmas, tanto do ponto de vista da diversidade, quanto de suas cargas genéticas, os chamados bancos de gernoplasma local”, explica Barbosa. Ele acrescenta que muitas espécies existentes nas áreas de desmatamento são também encontradas em outras regiões, contudo não carregam a mesma carga genética.
Afugentamento e resgate de fauna e flora
Na obra Contorno de São Sebastião, parte do empreendimento Nova Tamoios Contornos, no Litoral Norte de São Paulo, o trabalho é feito com o mesmo cuidado. O engenheiro de administração contratual da Queiroz Galvão, Ricardo Espindola Goulart, explica que, antes de ser feita qualquer supressão vegetal, são realizados os serviços de resgate da flora e de afugentamento e resgate de fauna. “As ações pretendem minimizar interferências no ecossistema no qual o empreendimento está inserido”, diz o engenheiro.
A Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) determina as áreas de compensação ambiental, nas quais serão feitos os replantios com espécies nativas da região. Já o serviço de afugentamento de fauna regata os espécimes antes que a supressão vegetal seja realizada, inclusive insetos como besouros e colmeias de abelhas.
“O resgate é feito apenas em animais que não conseguem fugir por conta própria. Nesses casos, eles são realocados em áreas florestais preservadas no entorno do empreendimento. Animais machucados são levados para o centro de triagem, onde recebem os cuidados necessários”, informa Goulart.
Engenharia se esforça para reduzir impactos, na Serra do Cafezal
Antes da realização da obra de duplicação da Serra do Cafezal, entre as cidades de Juquitiba e Miracatu (SP), havia um traçado antigo, do início da década de 90, que foi alvo de muitas discussões, mas que obrigatoriamente deveria ser seguido. Na Licença Prévia de 2002 já constavam condicionantes a serem seguidas que limitavam intervenções em cursos hídricos e fundos de vales em segmentos definidos, mas condicionada ao traçado antigo que passava literalmente pelo Parque da Serra do Mar, importante área de preservação. A lei atual de preservação da Mata Atlântica, foi muito importante refinar esse traçado de forma a passar fora do Parque.
“Se fôssemos seguir literalmente o traçado anterior, a construção de alguns trechos na serra exigiria uma engenharia mais simples, porém causaria elevados danos à mata nativa”, explica Eneo Palazzi, diretor superintendente da Autopista Régis Bittencourt. Para evitar o estrago, a concessionária se desdobrou para readequar o traçado antigo e sair de dentro do Parque da Serra do Mar. Esse trecho representa um grande desafio de execução devido às técnicas de engenharia exigidas e para reduzir substancialmente o impacto por supressão vegetal.
São 36 viadutos e pontes, com 120 mil metros quadrados de tabuleiro, e 4 túneis num percurso de 19 quilômetros, onde está a maior concentração de passagens de recursos hídricos.
“No trecho da Serra, o projeto limita a 2 milhões de metros cúbicos de movimento de terra, em cortes e aterros de baixa altura. São muitas obras de contenção necessárias além dos viadutos, pontes e túneis para limitar o volume de movimento de terra”, explica o superintendente.
Colaboraram para esta matéria
- Eneo Palazzi – diretor superintendente da Autopista Régis Bittencourt
João Marcos Miragaia Schmiegelow – biólogo, coordenador do curso de mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos da Unisanta
Luiz Mauro Barbosa – diretor do Instituto de Botânica de São Paulo
Ricardo Espindola Goulart – engenheiro de administração contratual da Queiroz Galvão