Obras utilizam plástico reciclável para substituir madeira
Cientistas e empresários apresentam soluções seguras que reduzem o descarte do plástico e o uso de madeira
O descarte de plásticos no meio ambiente tem estimulado pesquisadores e empresários a apresentarem soluções sustentáveis para a construção civil. Estudos mostram a viabilidade do plástico reciclado para a produção de tábuas utilizadas em nivelamento de terreno, fôrmas de concretagem e escoramentos, frechal de cumeeira, ripas, anteparos, asnas, pilares, colunas, linhas e vigas, todos destinados à construção de habitações populares.
A utilização de madeira de plástico é notada até em dormentes para estradas de ferro quando substituem os tradicionalmente feitos de madeira normalmente com vida útil reduzida devido à ação de microorganismos e umidade, além do uso de preservativos químicos na madeira. A Vale optou por utilizar dormentes de plástico reciclado em suas ferrovias, com testes feitos em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Essas iniciativas são bem vindas, já que cerca de 2.177.799 de toneladas de plástico se acumulam anualmente no Brasil, segundo dados da Plastivida, sendo 17,2% desse percentual reciclado. No trabalho realizado pelos docentes e pesquisadores de engenharia de produção da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ricardo Moreira da Silva, Maria de Lourdes Barreto Gomes e Suellen Finizola Dantas Maia, as experiências se basearam em três canteiros de obra onde foi avaliado o impacto do uso de madeira e como poderia ser substituída.
“Foi necessária uma avaliação criteriosa. Apresentamos alguns testes de resistência necessários para a adoção das inovações”, conta o Ricardo Moreira da Silva, pós-doutor em sustentabilidade de fontes de energia pela KTH (Instituto Royal de Tecnologia) na Suécia.
“Atualmente, a população mundial busca um destino ecologicamente correto aos produtos descartáveis e altamente danosos ao meio ambiente. Os resíduos plásticos são os que mais impactam negativamente a natureza. A construção civil pode contribuir na gestão desses resíduos e gerar tecnologias capazes de substituir a madeira”, acrescenta Maria de Lourdes, também especialista em engenharia de produção, com ênfase em planejamento, projeto e controle de sistemas de produção.
Tratamento químico
Formados a partir de longas cadeias de macromoléculas ou polímeros, os plásticos possuem propriedades que os tornam atraentes em relação a outros materiais: são resilientes (ou seja, suportam o impacto sem se deformar), resistentes à corrosão, leves, indiferentes à deterioração por decomposição e ataque de microrganismos. Eles são de fácil processamento e com um custo bastante reduzido de manutenção.
A utilização desses produtos em substituição à madeira na construção contribui também para reduzir o desmatamento de árvores como o Mogno, Angelim, Ipês, Maçaranduba, Pau-ferro, Sucupira, Peroba, Imbuia, Cerejeira, Jatobá, dentre muitas outras espécies.
Um aspecto negativo do plástico é a baixa rigidez a outros materiais estruturais, como a madeira. “No entanto, estudos mostram que a adição de fibras naturais ou sintéticas torna factível o uso estrutural, revertendo o problema da rigidez”, ressalta Ricardo.
É fundamental conhecer o processo de reciclagem. Os termoplásticos, teoricamente, são recicláveis indefinidamente. No entanto, há alterações físicas resultantes de diversos fatores: intempéries a que se expôs contaminação, falhas na coleta e na triagem, degradação e quebra das cadeias poliméricas que compõem o plástico, dentre outras características.
“Sabe-se que nem todos os plásticos podem ser reciclados, e dentre os recicláveis foi criada uma classificação para auxiliar na identificação feita no trabalho de triagem, conforme a norma da ABNT 13230 – Reciclabilidade e identificação de materiais plásticos”, informa Ricardo.
O processo de reciclagem utilizado na pesquisa foi o mecânico, pois os resíduos serviram para a moldagem por extrusão, realizada em uma extrusora de rosca única, três diferentes zonas:
1) Zona de alimentação: para pré-aquecer o plástico e transportá-lo para as zonas subseqüentes;
2) Zona de compressão: para compactar o plástico;
3) Zona de regulação: local onde o plástico derretido é homogeneizado para fornecer, uma taxa constante do material com temperatura e pressão uniformes para a matriz.
Plástico resistente e reciclável
Além de pesquisas acadêmicas, um projeto pessoal do engenheiro civil Nelson Parente Júnior, da EBR (Empresa Brasileira de Reciclagem) consiste na utilização do plástico como substituto da madeira na construção civil. Após muitos estudos durante dez anos, ele desenvolveu o plástico reciclado para fazer tábuas, sarrafos e pontaletes, que podem ser utilizados para confeccionar formas para concreto, tapumes, andaimes e cavaletes de sinalização.
Segundo Nelson Parente, o projeto consiste na utilização de todos os tipos de plásticos no lugar da madeira que não fica incorporada à obra. "Como cada plástico tem uma resistência específica, cada um tem uma utilidade. Para as formas de concreto - nas quais é jogado o concreto fresco para fazer a estrutura da edificação - pode-se utilizar PET, PVC e poliestireno. Já o polietileno e o polipropileno, mais deformáveis, podem ser usados para tapumes e sinalização", explica. O engenheiro criou a EBR para viabilizar o projeto e diz que sua grande preocupação era obter um produto viável economicamente.
Soluções no mercado
Empresas como a Wisewood Soluções Ecológicas, localizada em Itatiba (SP), processa mais de 20 mil toneladas de plástico reciclado por ano. Um dos produtos que fornece ao mercado é a madeira plástica. De acordo com a empresa, esse produto não contém substâncias tóxicas como algumas encontradas na madeira tratada. Trata-se de um material totalmente reciclável que reduz significativamente o desmatamento.
Já a Recycle Tecnologies International é uma empresa internacional que fabrica trilhos para ferrovias a partir de resíduos de plástico, com durabilidade e grau de flexibilidade adequado para suportar o grande peso que os trens impõem sobre as ferrovias.
Colaboraram para esta matéria
- Ricardo Moreira da Silva – Docente e pesquisador ligado à pós-graduação em engenharia de produção da Universidade Federal da Paraíba