Poli-USP cria um laboratório vivo para a construção civil
Projeto permitirá que sistemas e materiais sejam testados em suas reais condições de uso
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
O laboratório vivo funcionará em um prédio de 600 m² (Divulgação/ Departamento de Engenharia de Construcao Civil da Escola Politecnica - USP)
A construção civil brasileira será uma das primeiras no mundo a ter um chamado laboratório vivo (em inglês, living lab). Há, hoje, apenas outras cinco estruturas semelhantes no planeta, todas no Hemisfério Norte. Trata-se de um edifício que contribuirá ativamente para o desenvolvimento de novos materiais e soluções cada vez mais sustentáveis. A iniciativa é resultado do trabalho do Centro de Inovação e Construção Sustentável (CICS) recém-criado pelo Departamento de Construção Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
“O objetivo é reunir uma grande equipe multidisciplinar no espaço, que consiga criar alternativas sistêmicas para diferentes problemas”, destaca o professor Vanderley John, que coordena o projeto juntamente com os docentes Francisco Cardoso, Orestes Gonçalves e Vahan Agopyan.
PROJETO ARQUITETÔNICO
O laboratório vivo funcionará em um prédio de 600 m² já existente dentro do campus Butantã da USP, que passará por retrofit completo, com aproveitamento apenas de sua estrutura. Anexo a ele, será construído outro de 650 m2, formando um conjunto único. A concepção do projeto arquitetônico é do escritório aflalo/gasperini, e o desenvolvimento coube à Vivá Arquitetura.
Quando a empresa não tem certeza sobre a qualidade de um novo produto, poderá ensaiá-lo no living lab em vez de testá-los em projetos de clientes. Será o local onde as coisas podem dar erradoVanderley John
Inicialmente, serão instalados o Laboratório de Microestrutura e Ecoeficiência de Materiais (LME), o Laboratório de Sistemas Prediais (LSP), o Laboratório de Fachadas (LF) e um centro para pesquisas sobre usos alternativos de energias e a sua integração com outros sistemas - ainda sem nome definido. A edificação abrigará a sede do CICS e outros laboratórios, conforme a demanda.
As obras devem se iniciar no segundo semestre de 2016 e estão orçadas em cerca de R$ 15 milhões. “A ideia é que toda a construção seja executada com uso de recursos privados oriundos de doações”, diz.
COMO FUNCIONA O LABORATÓRIO VIVO
O living lab foi planejado para que a sua configuração permaneça em constante mutação, com alterações e substituições de sistemas e materiais. Fachadas, coberturas, revestimentos, iluminação, entre outros componentes e elementos construtivos, serão testados e monitorados sistematicamente. “Um fato interessante é que o prédio estará sempre habitado por pesquisadores, ou seja, os ocupantes terão a capacidade de informar como a instalação de determinado item influencia no cotidiano”, afirma o professor, definindo o projeto como uma “máquina para testes de novas soluções e edifícios”. Um bom exemplo serão as fachadas em teste que, além do desempenho, vão aferir a produtividade, as dificuldades de montagem, as deformações causadas por cargas, entre outras situações em condições reais de uso.
Para os fabricantes de sistemas e materiais, os laboratórios são a oportunidade de ensaios de inovações. “Quando a empresa não tem certeza sobre a qualidade de um novo produto, poderá ensaiá-lo no living lab em vez de testá-los em projetos de clientes. Será o local onde as coisas podem dar errado”, observa o docente.
Haverá, ainda, a possibilidade de parcerias com outros laboratórios para realização de ensaios normalizados. A concepção de rede já ecoa entre várias empresas, que precisam de interfaces com outras parceiras para desenvolver novas soluções. “Estávamos discutindo um moderno sistema de redes para o prédio quando uma empresa brasileira que desenvolveu a solução de VoIP mostrou interesse em testá-la no laboratório. O sistema não tem cabos e, quando perguntei sobre a fiação de telefonia, a resposta foi: ‘ainda não sabemos’. Fizemos uma busca e estamos colocando essa empresa em contato com uma outra que tem a tecnologia para implantar a rede de telefones sem fio. Como o laboratório será flexível, o ideal é ter o mínimo de cabos”, exemplifica o especialista.
O objetivo é reunir uma grande equipe multidisciplinar no espaço, que consiga criar alternativas sistêmicas para diferentes problemasVanderley John
EXEMPLO DE INOVAÇÃO
O CICS pretende ser um ambiente inédito no Brasil de estímulo a esse intercâmbio de conhecimentos e informações entre os diferentes elos da construção civil. “A proposta é reunir todos em um único local e colocá-los para conversar”, diz John.
Boa parte do desempenho abaixo do esperado de edifícios certificados tem relação com a dificuldade de integrar soluções que foram aperfeiçoadas individualmente. Por exemplo, pesquisadores que melhoram ao máximo a performance dos sistemas de ar-condicionado trabalham sem nenhum contato com projetistas e construtores de fachadas. O centro irá aproximar todos esses públicos e, também, a universidade do mercado e da sociedade.
A construção do laboratório vivo aproveitará soluções que estão sendo desenvolvidas na própria USP. As estruturas serão executadas com um tipo de concreto com “impacto ambiental ultrabaixo”, chamado de low emission advanced performance concrete. A novidade permite redução de até 70% na quantidade de cimento utilizada na mistura. “Esse concreto apresenta prejuízo ambiental muito baixo e um desempenho sofisticado”, ressalta o professor. Outra inovação a ser testada na edificação será o sistema geotérmico integrado às fundações.
Colaboração técnica
- Vanderley John – Engenheiro Civil pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutor em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Possui pós-doutorado pelo Royal Institute of Technology da Suécia. É professor associado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e membro da coordenação das Engenharias da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Foi membro da diretoria executiva da Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído (incluindo presidência e vice-presidência) e diretor do CB2 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Especializado em Materiais e Componentes de Construção e Construção Sustentável, atua em temas como uso de resíduos como matérias-primas, materiais e desenvolvimento sustentável, materiais avançados, argamassas de revestimento e colantes, durabilidade (incluindo biodeterioração) e compósitos aplicados à construção civil.