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Projetos brasileiros podem, e devem, ter calefação

Apesar de ser considerado um país de clima tropical o Sul do Brasil sofre com o frio 72,9% das horas do ano

Publicado em: 29/07/2013Atualizado em: 15/01/2021

Texto: Redação AECweb/e-Construmarket

Redação AECweb / e-Construmarket

Diz a lenda que o Brasil é um país quente, tropical, com inverno de temperatura agradável. No entanto, a cidade de Curitiba, por exemplo, convive 72,9% das horas do ano com o desconforto pelo frio com temperaturas abaixo dos 18°C. As edificações residenciais e comerciais dos estados do sul e do sudeste não têm recebido atenção especial quanto aos recursos de aquecimento, tanto passivos quanto ativos. Com algumas exceções, como a serra gaúcha que tem tradição na calefação de ambientes, grande parte das edificações são desprovidas de estratégias de aquecimento. O que leva o professor Eduardo Grala da Cunha, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas, a alertar: “Nesse ‘país tropical abençoado por Deus’ passamos, no sul, mais frio que os moradores da Alemanha”.

A música de Jorge Ben Jor, diz ele, retrata boa parte da condição de clima quente do país, incluindo aí o Iapoque. “Porém não é a realidade do Chuí e de, pelo menos, as Zonas Bioclimáticas 1, 2 e 3, caracterizadas no Zoneamento Bioclimático Brasileiro da NBR 15220 de 2005 – Desempenho Térmico de Edificações, por períodos com baixas temperaturas, que requerem estratégias passivas e ativas vinculadas ao aquecimento de ambientes”, afirma Cunha. Essas três zonas mais frias do Brasil englobam a região sul e algumas cidades do sudeste nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Na Zona Bioclimática 1 – a mais fria do país – estão cidades como Caxias (RS), Lajes (SC), Curitiba (PR), Campos do Jordão (SP) e Poços de Caldas (MG). Já a Zona Bioclimática 2 abrange boa parte do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, além de algumas cidades nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Além desses estados, a Zona Bioclimática 3 inclui cidades do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

Na tabela 1, o professor destaca as temperaturas utilizadas para avaliação de desempenho térmico de edificações residenciais localizadas nas zonas Bioclimáticas 1 e 3, de acordo com a NBR 15575, publicada em junho de 2013. “Observa-se que as temperaturas mínimas a serem consideradas como externas na avaliação de compartimentos de permanência prolongada são bem baixas”, diz.

Tabela 1 – Temperaturas mínimas no dia típico de inverno para algumas cidades localizadas nas Zonas Bioclimáticas 1 e 3

Segundo ele, as zonas de 1, 2 e 3 correspondem a 13,7% do território brasileiro. Atualmente, o Zoneamento Bioclimático Brasileiro está em processo de revisão e deverá mudar em algum tempo (ver nova proposta do professor Maurício Roriz em http://www.labeee.ufsc.br/projetos/proposta-de-revisao-do-zoneamento-bioclimatico-brasileiro).

Aquecimento

“Para essas zonas teremos a necessidade de implementar estratégias de climatização passiva, e ativa, em alguns casos. Observando a análise do Rigor Climático, com base nos dados do Ano Climático de Referência (TRY) caracterizado por Goulart et al (1998), verificamos que o clima de Curitiba apresenta 72,9% das horas do ano em desconforto com temperaturas abaixo dos 18°C. Para responder a essa demanda de inverno é necessário utilizar estratégias de climatização passiva em 61,2% das horas do ano e estratégias de climatização ativa, ou seja, aquecimento artificial em 11,7%. Este percentual significa, aproximadamente, 1024 horas por ano, observando que em um ano temos 8760 horas”, ensina Eduardo Grala da Cunha.

Segundo ele, o morador do sul do país passa mais frio que os da Alemanha. “Os alemães estão amparados por regulamentos de eficiência energética que controlam o isolamento do envelope construído (fechamento opaco e transparente, paredes e janelas), como também a eficiência de sistemas e equipamentos, tanto para edifícios residenciais quanto para comerciais. É comum naquele país encontrarmos ambientes com temperaturas internas em torno de 20°C”, diz, indagando: “E no caso das edificações residenciais nas cidades na Zona Bioclimática 1, por exemplo, a mais fria do Brasil? O que encontramos? Como são as paredes? Aberturas? Equipamentos? Telhados?”

As respostas estão nos regulamentos de Eficiência Energética (RTQ-C e RTQ-R) e nas normas de Desempenho no tocante ao Térmico (NBR 15220 e NBR 15575). “São normalizações recentes, que saíram do forno há muito pouco tempo e ainda não impactam de forma efetiva a prática dos escritórios de arquitetura. Nossos edifícios residenciais em regiões com período frio, de uma forma geral, não possuem uma envoltória com baixa transmitância térmica, ou seja, não possuem qualquer isolamento térmico nas paredes, nem na cobertura. Nossas aberturas, em grande parte das edificações, não são estanques, com elevados coeficientes de infiltração de ar e com alta transmitância térmica”, ressalta.

Além disso, diz, não existe um controle por parte do arquiteto na especificação de equipamentos eficientes, com ênfase nos programas de eficiência energética brasileiros do PBE/INMETRO, PROCEL e CONPET. E não há, também, a cultura de especificar sistemas de aquecimento artificial para os ambientes nos contextos de clima frio. “Nestes últimos anos, os condicionadores de ar passaram a ser os principais sistemas de aquecimento artificial de edificações climatizando os ambientes em períodos de calor e de frio”, diz.

Sistemas

O arquiteto explica que os sistemas de calefação quanto à distribuição do calor podem ser classificados como locais ou centrais. Locais seriam a lareira, o piso radiante, o ar-condicionado (bomba de calor), entre outros. Como central, temos também a bomba de calor, os radiadores de água quente e o próprio piso radiante com instalação de água quente. Os sistemas possuem diferentes custos de aquisição/implantação como também de operação. “Os custos de operação das bombas de calor (ar-condicionado) são os que apresentam os menores valores, considerando o custo da energia”, diz. (Figura 02)

Figura 02 – Custos de diferentes fontes energéticas para calefação de uma edificação residencial para a cidade de Curitiba (PR)

Os dados mostram, também, que um equipamento de ar-condicionado (sistema Split) com ciclo reverso, com etiqueta nível ‘A’ do PBE/INMETRO, apresenta o menor custo de operação: em torno de R$ 23,00 o m2/ano, considerando um percentual de 11,7% como período onde o aquecimento artificial é necessário para a cidade de Curitiba (PR). O condicionador nível ‘D’ apareceu como a segunda opção mais econômica para a calefação do ambiente de um apartamento num edifício residencial. A lenha apareceu como a terceira opção seguida pelo GLP.

“Os custos de calefação para o período de 1024 horas anuais, em que o aquecimento artificial é requerido para a cidade de Curitiba, Zona Bioclimática 1 (Figura 03), serão de R$ 471,02/ano para manter uma sala de estar com 20 m2 de área e 60 m3 de volume aquecida no período de inverno, utilizando uma bomba de calor com nível de eficiência energética ‘A’ do PBE/INMETRO”, comenta Cunha.

Segundo ele, em algumas regiões, como a serra gaúcha, há uma cultura implementada dos sistemas de aquecimento central por radiadores, para enfrentar o inverno rigoroso. Por outro lado, nos últimos anos, a eficiência das bombas de calor aumentou bastante e elas têm sido amplamente utilizadas para aquecer os ambientes. Os edifícios residenciais passaram a considerar as demandas técnicas necessárias para adaptação, tanto para a instalação dos sistemas quanto no que diz respeito à composição arquitetônica. “Em alguns projetos observamos, inclusive, as unidades externas (condensadores), organizadas de forma simétrica em coberturas planas, participando da valorização do plano horizontal como uma quinta fachada”, conta, finalizando: “Este país tropical também é frio e demanda, por parte dos projetistas, um cuidado especial com os sistemas de climatização artificial para aquecimento. Os edifícios devem atender às demandas por resfriamento para todo o país, como também para aquecimento em, pelo menos, 13,7% do território nacional”.

Figura 02 – Custos de diferentes fontes energéticas para calefação de uma sala de estar com 20 m2/60 m3 de uma edificação residencial para a cidade de Curitiba (PR)

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COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA

Eduardo Grala da Cunha – Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal de Pelotas, com Mestrado e Doutorado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisador do LABCEE/FAUrb/UFPel – Laboratório de Conforto e Eficiência Energética e LINSE/FAUrb/UFPel – Laboratório de Inspeção de Eficiência Energética em Edificações. Vice-diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas.