Projetos de casas padronizadas alavancam obras de programa social
Famílias em situação de vulnerabilidade, mas que têm terreno próprio, são beneficiárias do programa da ONG Construide. As casas são executadas integralmente com doações
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
(Foto: Divulgação/Construide)
Com 49 casas construídas e 25 espaços comunitários reformados desde a sua criação em 2017, a organização não governamental Construide nasceu sob a inspiração de seu fundador, o arquiteto Bruno Bordon. A maior parte das obras foi realizada na capital paulista e nos municípios de Santo André, Osasco e Santana de Parnaíba.
A partir da seleção de famílias que vivem em habitações precárias, com renda mensal entre zero e R$ 2004, são executados projetos padronizados com recursos oriundos de doações financeiras, de materiais construtivos e de mão de obra, além do trabalho de voluntários.
“Temos quatro tipos de projetos com áreas de 21, 26, 34 e 41 m². A decisão pelo melhor projeto decorre da avaliação do perfil da família, especialmente do número de pessoas que a compõem, e, também, do tamanho do terreno”, afirma Flávia Figliolino, CEO da Construide.
Temos quatro tipos de projetos com áreas de 21, 26, 34 e 41 mFlávia Figliolino
Entre os critérios para a escolha dos beneficiários, está a exigência de comprovação de propriedade da área e que o terreno seja compatível com a área da casa padrão, determinada pelo número de membros da família.
“Avaliamos profundamente a questão financeira de cada um deles, para entendermos porque se encontram naquela condição”, diz. Os beneficiários do programa contribuem com 10% do custo da obra, pagando parcelas mínimas que não comprometam o orçamento familiar, mas que, a longo prazo, levam para seus membros o sentimento de pertencimento e de dignidade. O critério está em vigor desde 2020. “Claro que há inadimplência entre essas famílias em situação de vulnerabilidade. Muitas vivem com auxílio de R$ 200 por mês”, comenta.
As famílias também participam, preparando as refeições dos voluntários, sendo que os alimentos são comprados com o valor da taxa paga por eles ao se inscreverem. “A ideia é fortalecer a interação entre os que ajudam e os que são ajudados”, fala.
(Foto: Divulgação/Construide)
Esses voluntários atuam aos sábados em funções que não dependem de habilidade técnica, como demolição da casa existente, apoio no carregamento de material e pintura de paredes. A mão de obra profissional é contratada pela ONG e se ocupa de executar a estrutura e os revestimentos da unidade habitacional.
Construindo casas
A precária edificação existente no terreno, em alvenaria ou barraco de madeira, é necessariamente demolida para a construção da nova moradia. Até 2020, a organização adotava a estratégia de reformar as casas objeto do programa. “Porém, constatamos que, no decorrer da obra, surgiam várias surpresas, impactando o orçamento e o prazo, além de exigir projetos personalizados para cada situação”, explica, contando que a padronização dos projetos foi a solução de melhor custo-benefício, sendo erguidos entre 60 e 90 dias.
“Esse prazo depende da localização da obra, o que influencia na chegada do material ao canteiro e dos voluntários que participam da construção. Outro dado importante é tentar encontrar na região bons fornecedores de materiais que ajudem com a logística”, diz.
A ideia é fortalecer a interação entre os que ajudam e os que são ajudadosFlávia Figliolino
O sistema construtivo utilizado é o bloco estrutural. “Optamos pela elétrica aparente, como uma forma de reduzir o custo e facilitar as manutenções para a família”, diz. Não há padrão para o revestimento de piso, porque as compras são feitas para cada obra. Já os azulejos aplicados nas áreas molhadas vêm do estoque da Construide, constituído por um lote grande de cerâmica de ótima qualidade e marca, doado por uma loja.
A experiência inicial com a aplicação de cimento queimado no piso foi abandonada, pois verificou-se que o valor gasto com material e mão de obra era equivalente ao dos revestimentos cerâmicos. Além disso, foi considerado o desejo das famílias de ter um piso de cerâmica. “Tem uma senhora que estamos atendendo agora que sonha ter esse piso para passar pano no chão”, conta.
(Foto: Divulgação/Construide)
Para a área externa das casas, sempre que possível a Construide faz parceria com fornecedor de paisagismo. As construções têm em seu perímetro uma área de circulação de cerca de 1 m de largura com contrapiso. “Tendo esses parceiros e terreno com espaço, o jardim e mesmo o quintal recebem grama e uma mesinha com cadeiras”, fala.
No custo da obra, estão incluídos os materiais do mobiliário básico, abrangendo o projeto padronizado de marcenaria dos armários da cozinha e dos quartos, o gabinete do banheiro e o painel de TV. As empresas parceiras MT6 Carpintaria e Vidros Decore fornecem a mão de obra para fabricar e instalar.
Os demais móveis e eletrodomésticos são captados em doação de pessoas físicas, podendo ser usados, porém em bom estado. Recentemente, a Ortobom está participando com a doação de camas e colchões, e a Prime Móveis está fornecendo os sofás.
Em paralelo à construção das moradias, a ONG passou a ser solicitada ao longo dos anos por outros projetos sociais para reformar seus espaços. “São intervenções básicas de melhorias das instalações para que pudessem seguir adiante”, fala Figliolino. É o caso, por exemplo, de um instituto que dá aulas de reforço para crianças em comunidades carentes; de um centro comunitário que recebia refugiados; e de um abrigo temporário para crianças e adolescentes.
(Foto: Divulgação/Construide)
Obtendo recursos
Após a identificação da família que receberá a moradia, a Construide lança sua estratégia para a captação de recursos, apresentando a proposta a empresas e dando início à campanha de financiamento coletivo (crowdfunding). O custo de cada unidade habitacional vai de R$ 50 mil a R$ 90 mil, integralmente financiado por empresas e pessoas físicas.
“Só iniciamos a obra quando temos 50% dos recursos garantidos, em caixa, para pagar os custos iniciais e ter um fôlego para finalizar a parte estrutural. O restante vamos obtendo no decorrer da obra, a partir da metade do cronograma”, explica Figliolino.
As formas de contribuição para pessoa física são através de depósito de valores indeterminados, por PIX, ou do plano de recorrência nomeado de Liga Construiders, a partir de R$ 20/mês. Esse plano para microempresas vai de R$ 248 a R$ 1498 mensais, para quem são oferecidas algumas contrapartidas. Já as grandes contribuições são feitas em tratativas diretamente com a organização social, variando de 50 a 100% do custo de cada unidade habitacional.
(Foto: Divulgação/Construide)
Na busca de expandir seu raio de ação, a organização tentou estabelecer o modelo de negócios de filiais em Sergipe, Goiás e Paraná. Atuando em caráter voluntário, cada uma trabalhou por cerca de um ano e construíram duas obras cada. Porém, foram descontinuadas diante da falta de estrutura local e das dificuldades de obtenção de doações, o que frustrou as expectativas de seus operadores.
“Revisamos os critérios e lançamos novos. Não vamos mais estabelecer operações definitivas. Mas, atrair outras organizações sociais que conheçam histórias de famílias e queiram construir uma casa como fazemos. Vamos disponibilizar a elas todas as informações e critérios, além do modelo de negócios da Construide. Depois da construção da primeira unidade, a continuidade ou não da parceria vai depender da decisão do projeto social”, explica, antecipando que não há previsão de remuneração pelo trabalho.
A CEO explica que o custo fixo mensal da sede em São Paulo chega a R$ 150 mil. “Para mantermos uma saúde financeira e atingir a meta de construir 15 casas ao ano, precisamos captar cerca de R$ 200 mil/mês, o que já é um valor muito desafiador. Daí a importância de os empreendedores interessados de outras regiões encontrarem patrocinadores locais para sustentarem a operação. Essas operações não são mais tratadas como filiais, mas pontuais, como a que terá início, agora, no Espírito Santo.
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Colaboração técnica
- Flávia Figliolino – Formada em Ciências Contábeis pela Universidade Anhembi Morumbi (2017). Atuou nas áreas administrativas vinculadas à contabilidade nos setores de bancos, varejo e multinacionais. Iniciou suas atividades na Construíde em 2017, como voluntária de obras. Em 2019, ainda nessa condição, assumiu a gestão financeira. Em setembro do mesmo ano, junto com outros cinco voluntários, inclusive Bruno Bordon, fundador da ONG, foi formado o primeiro grupo de colaboradores da Construide. Em 2022, foi nomeada CEO da organização.