Residência reúne soluções ecológicas e recebe prêmio Habitat Sustentável
Condições para permeabilidade do solo, jardineiras na cobertura, reuso de água e ventilação cruzada são alguns dos destaques
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
Levar em consideração as características da região onde a obra será executada é ação fundamental para bem projetar edificações de maneira ecologicamente responsável. Uma casa localizada em Florianópolis (SC) é um bom exemplo de como aproveitar as condições ambientais para tornar a construção mais sustentável. O local onde a residência está localizada tem índice de precipitação anual de 1,6 mil milímetros, cerca de 140 dias de chuva por ano e umidade relativa anual de 85% e, por isso, a água da chuva torna-se importante recurso a ser aproveitado.
“A região apresenta ecossistema fortemente baseado nos ciclos da água. Entretanto, a crescente impermeabilização do solo está reduzindo a absorção das águas das chuvas, gerando alagamento das ruas. O projeto levou essa questão em consideração e procurou deixar o solo permeável sempre que possível, além de prever o uso de jardineiras que ajudam a retardar o descarte da água da chuva na rede”, afirma o arquiteto José Ripper Kós, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e responsável pelo projeto da casa, que acaba de receber o prêmio Saint-Gobain – edição Habitat Sustentável, na modalidade edificação.
Colaborar na redução do risco de enchentes não é a única preocupação tomada em relação às águas pluviais. A casa reutiliza o volume da chuva na piscina. “Há também jardineiras localizadas na cobertura da edificação, que cumprem a função de captar a água da chuva, que é armazenada em três reservatórios, um na cobertura com mil litros, outro na garagem com três mil litros e mais um no tanque de compensação da piscina, que tem a capacidade de 2,5 mil litros. Já dentro da piscina cabem até 45 mil litros e a quantidade que transborda é desviada para o reservatório da garagem. Nos períodos mais secos, o reservatório da garagem pode ser abastecido diretamente com a água da piscina”, diz o engenheiro, lembrando que essa água é utilizada nos vasos sanitários, torneiras do jardim e da garagem e no tanque para a lavagem do lixo reciclável. Para reduzir a quantidade de resíduos nas águas captadas pelas jardineiras, foi utilizada areia da região. Esse material facilita o crescimento de vegetação nativa e até o surgimento de ninhos de pássaros.
O arquiteto criou soluções voltadas para os resíduos da residência: as lixeiras para material orgânico e reciclável na cozinha e área de serviço são conectadas por tubos aos reservatórios no subsolo, longe dos espaços internos da casa. “Já o conforto interno é garantido através de duas estratégias principais: grande quantidade de massa térmica isolada do exterior e ventilação cruzada na direção dos principais ventos da região. A fachada principal, voltada para a piscina, é orientada para N/NE, com grandes janelas e portas que garantem ampla iluminação e insolação nos meses mais frios. Painéis de madeira na sacada superior proporcionam o sombreamento dos quartos e, quando superpostos, oferecem mais privacidade. A varanda superior conta com proteção para a insolação excessiva no verão e permite sua entrada no inverno. Outro detalhe é o pé-direito duplo na sala de jantar, que possibilita a saída do ar quente através das janelas na cobertura”, detalha o professor.
Essas estratégias devem ser gerenciadas pelos moradores, evitando abrir muito a casa em horários de extremo calor. “Nos dias mais quentes, deve-se abrir mais a casa à noite; nos dias frios, manter as janelas mais fechadas, porém deixando a luz do sol entrar”, diz. Para otimizar o uso da energia, foram instalados na cobertura da edificação seis coletores solares planos de alto rendimento, que aquecem a água que é armazenada em um boiler elétrico de 600 litros. Esses painéis apresentam inclinação de 37º para otimizar o aquecimento durante o inverno. “Há ainda um sistema fotovoltaico com capacidade instalada de 3 mil watts e inclinação de 20º para otimizar a geração de energia durante o verão, quando a radiação solar é mais intensa”, fala Kós.
SISTEMAS DE AUTOMAÇÃO E INFORMAÇÃO
O conforto interno é garantido através de duas estratégias principais: grande quantidade de massa térmica isolada do exterior e ventilação cruzada na direção dos principais ventos da região
A casa também é equipada com um sistema de automação e informação que controla, por exemplo, o acionamento da bomba para a filtragem da piscina e o sistema de irrigação das jardineiras, aproveitado como resfriamento evaporativo. “O sistema informa sobre a quantidade de água armazenada, índice pluviométrico e previsão do tempo. Essas informações são utilizadas na tomada de decisão dos moradores sobre a utilização da água da chuva e eventual desvio da água da piscina para abastecer os reservatórios, evitando o uso de água potável”, detalha o professor. O sistema fornece dados sobre o consumo de água a cada hora, nas últimas 24 horas, no dia anterior, a média mensal e por hora. “A partir dessas informações, é possível determinar atividades que consumiram mais água e alterar os hábitos e procedimentos dos moradores”, completa.
Existem também sensores nas saídas dos coletores e do boiler de água quente. A partir da comparação destas temperaturas é possível verificar se o sistema de aquecimento solar está funcionando, e o sensor de dentro do boiler indica se a temperatura está adequada, evitando desperdício de água para esta averiguação. A supervisão desse sistema pode ser acessada via Internet, que possibilita também executar ações, como acionar o boiler elétrico para garantir a temperatura adequada da água no horário desejado.
Há também sensores de temperatura localizados na sala, no pavimento inferior, no topo da escada para a cobertura e na suíte principal que mostram a diferença de temperatura nestes cômodos e permitem a comparação com o clima externo. “São gerados gráficos com diferentes cores que indicam a relação entre estas quatro temperaturas. Esses dados associados à previsão climática permitem que os moradores definam estratégias mais adequadas para garantir o conforto interno da casa, como a escolha das janelas que devem ser abertas ou fechadas. Um gráfico com a variação das quatro temperaturas permite a verificação do desempenho da casa nas últimas 24 horas, confirmando a adequação das estratégias adotadas”, conclui Kós.
CONSTRUÇÃO
São gerados gráficos com diferentes cores que indicam a relação entre estas quatro temperaturas. Esses dados associados à previsão climática permitem que os moradores definam estratégias mais adequadas para garantir o conforto interno da casa, como a escolha das janelas que devem ser abertas ou fechadas. Um gráfico com a variação das quatro temperaturas permite a verificação do desempenho da casa nas últimas 24 horas, confirmando a adequação das estratégias adotadas
Para construir a casa, foram utilizados materiais tradicionais que oferecem massa térmica para absorver variações de temperatura e garantir o conforto interno dos moradores. “Uma camada de lã de vidro garante o isolamento térmico, reduzindo a perda e o ganho de calor indesejáveis. Essa estratégia foi utilizada em toda a residência e reforçada nos quartos através de tijolos maciços e eficientes esquadrias com vidros duplos, além de janelas altas sobre as jardineiras da cobertura que cumprem o papel de retirar o ar quente destes espaços. Quase todas as janelas da casa localizam-se nas fachadas mais extensas, sendo que as maiores estão na fachada N/NE e as menores na S/SO, permitindo uma eficiente ventilação cruzada”, comenta o professor.
As paredes externas da fachada sul são constituídas de uma camada interna de tijolo furado deitado, um vão de cinco centímetros preenchido com lã de vidro e coberto com uma membrana de proteção e uma placa cimentícia no exterior. Já as paredes externas dos quartos são compostas por uma camada interna de tijolo maciço deitado, para aumentar a massa térmica interna, um vão de cinco centímetros preenchido com lã de vidro e coberto com uma membrana de proteção e uma camada externa de tijolo maciço de cutelo. “Através de materiais da região e tecnologias tradicionais combinadas com materiais de alto desempenho, garantimos inércia térmica adequada para estes cômodos, com isolamento eficiente das temperaturas e umidade extremas do exterior”, afirma o profissional.
Foram empregadas lajes nervuradas executadas com a utilização de formas plásticas que agilizam a construção e reduzem o desperdício de material. Todo o piso do pavimento térreo é em concreto, nivelado e alisado após a concretagem, reduzindo o custo, facilitando sua posterior manutenção, assim como a transferência de calor. “As esquadrias escolhidas foram as de PVC, de alta eficiência, com vidros duplos, que garantem ampla iluminação para os quartos, assim como insolação abundante nos dias mais frios, sendo que no verão podem ser sombreadas através dos painéis móveis de madeira. As janelas superiores são motorizadas e se fecham automaticamente em dias com chuva e ventos do quadrante sul”, fala Kós.
Todo o processo de construção foi realizado por operários que residiam a menos de 20 km da obra. “Aproveitando esta mão de obra local, buscamos combinar tecnologias tradicionais e soluções industrializadas. Diversos materiais do interior não receberam revestimentos, proporcionando redução de custos e no uso de materiais tóxicos, além de facilitar a transferência de calor pelo contato direto do material com o ambiente, otimizando a inércia térmica”, finaliza o profissional.
FICHA TÉCNICA
Casa em Florianópolis
Colaboradores: Thiago Brito, Felipe Miranda, Adairton de Souza e Felipe Finger
Estrutura: Tuing Chang e Denise Bento
Automação: SmartHomes, Guilherme Angeloni e Cristian Moura
Construção: Laerte Marciano e Gilson Mendes
Colaborou para esta matéria
- José Ripper Kós – Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre pela Tulane University, New Orleans, (EUA) e PhD pela University of Strathclyde (Reino Unido). Foi professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro entre 1992 a 2007 e faz parte do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB-FAU-UFRJ) desde 1994. Desde 2008, leciona no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade (PGAU-Cidade-UFSC) e no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina. É Vice-presidente da Sociedade Ibero-Americana de Gráfica Digital (2013-2015) e foi Presidente no período de 2000-2003. Recebeu diversos prêmios acadêmicos e ganhou o prêmio anual do IAB-RJ em 2004, com a Casa em Petrópolis e, em 2014, o Prêmio Saint-Gobain Habitat Sustentável com a Casa em Florianópolis. Foi um dos coordenadores da equipe brasileira no Solar Decathlon Europe 2012. Está atualmente trabalhando como Pesquisador Visitante no Centro de Pesquisas em Edifícios Sustentáveis, da University of Wollongong (Austrália).