Retrofit, oportunidade para a sustentabilidade
A Arq. Marcia Mikai analisa as providências sustentáveis indispensáveis num retrofit
Entrevista: Marcia Mikai
Redação AECweb
O retrofit é, em si mesmo, uma ação sustentável. Evita a construção de novas obras, aproveitando e atualizando o velho edifício ou residência que, muitas vezes, ganha uma nova função. Ao adotar conceitos de sustentabilidade, estará reduzindo significativamente os custos de sua operação. A arquiteta Marcia Mikai, membro da ANAB Brasil e do CBCS, e diretora da Pentagrama Projetos em Sustentabilidade, analisa as providências sustentáveis indispensáveis num retrofit, em entrevista ao AECweb.
AECweb - É possível incorporar soluções sustentáveis no retrofit de uma edificação?
Mikai - Sim, tanto em residências, quanto em edifícios corporativos ou residenciais. O retrofit faz parte do escopo de soluções sustentáveis pela própria intenção de reaproveitar edificações existentes ao invés de, simplesmente, gerar mais resíduos aos aterros sanitários. São estratégias para adequar o edifício a novos usos, preservar o patrimônio histórico da cidade e, ainda, para melhorar o desempenho das edificacões nos quesitos de conforto, eficiência energética e consumo de água.
AECweb – São soluções que trazem economia na operação?
Mikai - Os sistemas de resfriamento e iluminação dos edifícios corporativos brasileiros respondem por 70% do total da energia consumida. Com boas soluções, o retrofit poderia alcançar uma economia superior a 30%. Pode haver impedimento no reaproveitamento em casos de tratarmos com edificações com risco de ocupação como danos estruturais ou contaminação por resíduos prejudiciais à saúde.
AECweb - As estratégias e tecnologias disponíveis podem ser aplicadas indistintamente nos três tipos de edificação?
Mikai - As estratégias e tecnologias variam não apenas pelo tipo de ocupação, mas por aspectos como o contexto de inserção do edifício no seu entorno e características da edificação existente. As estratégias devem focar economia de consumo de água e energia, baixo impacto sócio-ambiental e melhoria das condições de ocupação. Há uma série de alterações possíveis. Entre elas, a envoltória do edifício; estudo das aberturas para melhoria de soluções de iluminação e ventilação natural; mudanças nos sistemas de condicionamento de ar; automação de sistemas; substituição de aparelhos e metais sanitários; projetos luminotécnicos com ênfase em utilização de lâmpadas econômicas.
AECweb - A economia nas contas de luz e água são idênticas em percentuais?
Mikai - Esses indicadores variam em função das soluções incorporadas.
AECweb - São soluções de baixo custo, se comparadas às convencionais?
Mikai - Depende do que se entende por ‘convencional’. Existem soluções construtivas que não agregam valor aos quesitos de qualidade, durabilidade e conforto ambiental e, até por isso, são mais ‘baratas’. Se compararmos bons produtos com soluções de construções sustentáveis, não teremos diferenças significativas de custos. O que é necessário mudar são as premissas de projeto e contemplar soluções e estudos de conforto térmico, acústico, lumínico, carga térmica, dimensionamento de brises, detalhamento de caixilharia, sistemas de uso de águas pluviais, aquecimento solar, entre outros. Mas, não custa o mesmo que um projeto básico que impera no mercado. Existem dados que indicam que o edifício sustentável pode ser até 5% mais caro que o tradicional. Os ganhos na operação são grandes, além de propiciar melhorias nas condições de morar e trabalhar - que são indicadores qualitativos.
AECweb - O que o comprador deve avaliar para tornar a obra economicamente viável?
Mikai - O retrofit agrega valor ao imóvel, as soluções que melhoram o desempenho da edificação também criam um diferencial no mercado. Cada imóvel possui características próprias, criando oportunidades e/ou dificuldades. Consultar especialistas é importante para fazer avaliações específicas.
AECweb - Quais são as práticas e tecnologias sustentáveis que não podem ficar de fora?
Mikai - Em relação às práticas, sempre ter em mente redução de consumo e desperdícios; diminuição e destinação de resíduos no processo da obra e também na vida do edifício - pensar em flexibilidade futura -; minimizar o impacto no entorno da obra, cuidar da segurança e saúde dos trabalhadores. E utilizar tecnologias que propiciem os melhores resultados nos quesitos já citados.
AECweb - Como formalizar a relação com os prestadores de serviços numa obra de pequeno porte?
Mikai - Tentar trabalhar, sempre que possível, com fornecedores que emitam nota fiscal de prestação de serviços.
AECweb - O que pode ser adotado da sustentabilidade em reforma de um único andar ou de um apartamento num prédio de construção convencional?
Mikai - Mudanças nos aparelhos e metais sanitários com foco em redução no consumo de água são aplicáveis em qualquer intervenção assim como troca e/ou utilização de eletrodomésticos e produtos com selo PROCEL. Projetos de luminotécnica com ênfase em eficiência energética ou simplesmente utilização de lâmpadas econômicas (compactas, fluorescentes e leds); sensores de presença; utilização de materiais duráveis; uso de madeiras certificadas; seleção de fornecedores com diretrizes de sustentabilidade; automação de sistemas.
AECweb – No caso de o condomínio optar por um escalonamento das soluções, quais seriam as prioritárias?
Mikai - Coleta seletiva de resíduos, inclusive óleo de cozinha e de obra, e soluções voltadas ao consumo de energia e água. Medidores individualizados de consumo de água têm sido implantados em vários condomínios e geram economia em curto espaço de tempo. Sensores de presença, troca de lâmpadas, troca de metais e aparelhos sanitários, inclusive redutores de pressão, mudanças de elementos construtivos que resultam em absorção de carga térmica, alteração de sistemas de aquecimento de água, mudanças em sistemas de condicionamento de ar, alterações na arquitetura para criar sistemas passivos de bioclimática.
AECweb - Como os arquitetos e construtoras podem identificar os materiais mais sustentáveis?
Mikai - O Conselho Brasileiro de Construção Sustentável tem um comitê de materiais, coordenado pelo profº Vanderley John, da POLI/USP, que criou uma ferramenta para a seleção de materiais sustentáveis, disponíveis no www.cbcs.org.br . São seis passos:
1. Verificação da formalidade das empresas fornecedoras
2. Verificação da licença ambiental da unidade fabril
3. Respeito às normas técnicas que garantem a qualidade do Produto
4. Consultar o perfil de responsabilidade socioambiental da empresa
5. Identificar a existência do “verniz verde” (Green washing)
6. Analisar a durabilidade do produto
AECweb - Qualquer profissional está apto a orientar um retrofit sustentável?
Mikai - Não. É necessário que ele tenha conhecimento técnico para agregar soluções com esse objetivo.
AECweb - Um edifício retrofitado pode pedir certificação LEED ou Aqua?
Mikai - Existe certificação LEED para edifícios existentes, já a certificação Aqua ainda não oferece essa opção.
Marcia Mikai Junqueira de Oliveira
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Belas Artes de SP. MBA em Gestão e Tecnologias Ambientais na Escola Politécnica da USP. Conselheira Fiscal do CBCS - Conselho Brasileiro de Construção Sustentável. Coordenadora Técnica da ANAB Brasil - Associação Nacional de Arquitetura Bioecológica. Diretora da Pentagrama Projetos em Sustentabilidade, onde desenvolve consultoria e projetos para residências, escritórios, urbanismo, hospitalidade e indústrias.
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