Retrofit, sustentável por natureza
Ações de preservação do meio ambiente têm de ser implantadas sempre, de maneira gradativa e sucessiva
Redação AECweb / e-Construmarket
“Costumo dizer que as ações que a sustentabilidade resgata são coisas que a arquitetura nunca devia ter deixado de fazer. Em relação ao retrofit ser sustentável ou não, quero adiantar que não gosto do termo. O que está sendo feito hoje é a adequação da arquitetura e usa-se o marketing da sustentabilidade”, afirma Roberta Kronka, diretora da Fundação para Pesquisa em Arquitetura e Ambiente (Fupam) e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).
Ela cita como exemplo a nova política de resíduos sólidos. “Só agora ela está sendo colocada em prática e é mostrada como uma revolução na Construção Civil. Entretanto, na Suécia, em torno de 90% do total de resíduos gerados são reciclados – lá é permitido gerar menos de 10% de entulho em uma construção. Entendo que as ações que preservam o meio ambiente têm de ser implantadas sempre, de maneira gradativa e sucessiva”, afirma.
Na verdade, diz, o retrofit, além de ajudar na preservação dos recursos naturais, tem por objetivo melhorar o desempenho de um edifício dotando-o de novas tecnologias. “Visa, por exemplo, obter eficiência energética, com a instalação de painéis solares, reuso da água, e novas instalações hidráulicas”, afirma. Também garante acessibilidade aos edifícios, faz a adaptação às normas de segurança, como implantação de rotas de fuga, escadas externas contra incêndio, adequação das escadas internas, entre outras ações. Além disso, pode-se dar outro uso para o edifício, por exemplo, transformá-lo de comercial para residencial, ou vice-versa, dependendo de como a região no qual o empreendimento está instalado se desenvolveu. “Não tem sentido retrofitar um edifício e manter o uso residencial em uma área que se tornou estritamente comercial”, ilustra.
Roberta lembra que o retrofit é feito também em áreas degradadas. “O projeto Nova Luz é um exemplo. A região deve receber novos edifícios, mas muitos serão retrofitados”, diz. O projeto abrange uma área formada pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias, Cásper Líbero e rua Mauá, no centro de São Paulo. A iniciativa prevê a valorização dos prédios históricos, reforma das áreas livres públicas, criação de espaços verdes e de lazer, e a melhoria do ambiente urbano da região. “A Barra Funda também era uma área degradada e passa por recuperação urbana”, lembra.
Roberta Kronka explica que reforma, retrofit e restauro são intervenções diferentes. “A reforma conserta o que está deteriorado, não interfere na melhoria da qualidade do edifício. Já na restauração é feita a recuperação da arquitetura original, mantendo suas características históricas. O retrofit, por sua vez, recupera a obra, moderniza suas instalações para um novo uso e preserva seu valor histórico, que é o mais importante”, pontua.
ESTUDO DE CASO
Para projetar a adaptação tecnológica da estrutura e das instalações é preciso analisar caso a caso, levando em conta o novo uso do prédio. “Fazer o retrofit é mais difícil do que criar um projeto novo, porque demanda adaptações estruturais, além da criação de condições para instalação das novas tecnologias. E são muitas as restrições. Há situações em que o tombamento contempla somente a fachada, dando maior liberdade para intervenção nas áreas internas. Em outras, a readaptação precisa ser feita mantendo todas as características arquitetônicas originais do edifício, o que restringe o projeto e a obra”, comenta.
Além de pensar nos benefícios ambientais de um retrofit, o arquiteto precisa avaliar a relação custo-benefício entre demolir e construir um novo; ou fazer retrofit. “Há situações em que demolir e reciclar o entulho é a ação mais sustentável. Em outras – como no caso de patrimônio histórico – isso está fora de cogitação: tem de reaproveitar”, ensina.
Antonio Gil da Silva Andrade, presidente da Fupam, concorda e alerta que, quando a escolha de um projeto visa preço, nem sempre a qualidade é preservada. Isso porque qualidade, em sua opinião, significa conforto para os usuários, eficiência do restauro do patrimônio, mantendo todas as suas características na redução do consumo de energia, no reuso da água, na adaptação tecnológica do bem para novos usos.
Roberta Kronka complementa que, além dos custos da obra, é preciso levar em conta a localização do prédio e se a demolição vai provocar muitos entraves à vida da região. O arquiteto deve pesquisar se a demolição pode colocar outros edifícios em risco. “A questão sustentável vai além da obra, e isso deve ser considerado na hora de se decidir pela demolição ou pelo retrofit”, ensina.
Em relação aos valores intangíveis ela orienta que é preciso pesquisar se o edifício é um patrimônio histórico, se é estratégico para a cidade, além dos impactos sociais e econômicos que a obra trará para a região depois de realizada. Portanto, diz, não dá para generalizar. “Um edifício que é um marco para a cidade, não foi tombado e não está condenado, ao ficar em desuso se transforma em um transtorno. Nesses casos, depois do laudo sobre a estrutura, se for possível, o melhor é decidir pelo retrofit”, recomenda.
O retrofit é uma ação importante para a cidade. “São Paulo tem estoque de edifícios e de áreas que podem ser ‘retrofitadas’. É injusto simplesmente demolir. O retrofit é um projeto mais difícil de ser feito, o detalhamento é maior, mas mantém a identidade da área e da cidade. É um desafio para os arquitetos”, alerta.
PESQUISA E APROFUNDAMENTO
O presidente da Fupam reforça a importância das pesquisas na orientação das medidas a serem tomadas em prédios públicos ou áreas degradadas. E explica que a recuperação dos espaços e edifícios envolve conhecimentos específicos. “Na Fupam o foco é a qualidade. Nosso objetivo é buscar o melhor desempenho da edificação, preservando suas características, adequando aos novos usos e atendendo às normas de sustentabilidade. Por isso, não medimos esforços: estudamos caso a caso e buscamos especialistas tanto na FAU quanto no mercado”, diz.
Redação AECweb / e-Construmarket
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Roberta Kronka – Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP). Fez mestrado em Energia no Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia da USP e doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Tem experiência na área de Tecnologia de Arquitetura e Urbanismo, na subárea de Conforto Ambiental. Atua nos seguintes temas: conforto ambiental, sustentabilidade, impacto ambiental e desempenho. Atualmente é diretora técnica científica da Fundação para Pesquisa em Arquitetura e Ambiente (FUPAM) e docente da FAU-USP.
Antonio Gil da Silva Andrade – Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Braz Cubas (UBC) em 1981, com mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) concluídos em 2002 e 2007. É professor doutor do Departamento de Tecnologia da FAU-USP desde 2009. Membro Titular eleito do Conselho do AUT da FAU-USP. Vice-coordenador eleito do Laboratório de Conforto Ambiental e Eficiência Energética (LABAUT) do Departamento de Tecnologia da FAU-USP. Professor adjunto da Universidade São Judas Tadeu (USJT) desde 1990, nas Sequências de Projeto e Tecnologia. Sócio fundador da “MPA arquitetura e urbanismo” da qual é titular. Atua no Brasil e em Portugal como autor de projetos de arquitetura, administração e execução de obras. É o atual Diretor Presidente da Fupam.