Reuso de resíduos alia economia a benefícios ao meio ambiente
Solução evita transporte, destinação e perda de materiais e conta pontos nas certificações de sustentabilidade
Texto: Redação AECweb/e-Construmarket
A rivalidade entre Corinthians e Palmeiras ganhou mais um capítulo com a divulgação da notícia de que resíduos do antigo estádio Palestra Itália foram reutilizados na construção da Arena Corinthians. Entretanto, esta união não durou muito tempo, pois segundo a construtora responsável pela edificação da nova casa corintiana, foi realizado o uso temporário de material reciclado em forrações de pisos para máquinas pesadas, que foi retirado após a utilização, sendo encaminhado para aterros sanitários certificados. “Em um caso como este os resíduos de alvenaria, concreto, argamassas e cerâmicos são passíveis de reutilização na forma de agregado reciclado em pavimentação ou em concretos sem função estrutural”, explica o mestre em Tecnologia Ambiental, Elcio Careli, diretor da empresa Obra Limpa.
Este episódio dos estádios foi abordado por parte da imprensa como sendo reuso de entulho, termo empregado de maneira equivocada conforme esclarece Careli. “Os resíduos da construção civil (RCC) são equivocamente denominados como entulho, um termo impreciso e genérico. Os RCC são divididos em quatro classes (A, B, C e D) e aqueles provenientes de alvenaria, argamassas, cerâmicas e concreto (classe A) são os que podem ser reciclados para utilização em obras na forma de agregados. Falar, portanto, de reciclagem de entulho pode gerar confusão e mal entendido, porque assim como o uso da palavra ‘lixo’ para se referir aos detritos domiciliares, ‘entulho’ tem conotação pejorativa e depreciativa”, afirma.
Vantagens
Além da colaboração com o meio ambiente, a reutilização de resíduos proporciona também economia financeira. “Se considerarmos a hipótese da utilização de agregados reciclados em substituição aos naturais, os preços praticados pelo mercado chegam a ser cerca de 30% inferiores. Mas o grande benefício para construtoras está relacionado à busca pela minimização da geração dos resíduos, uma vez que são evitados o transporte, destinação e perda de materiais”, diz o profissional, ressaltando que processos de certificação ambiental consideram importante esta ação e, por isso, estabelecem metas mínimas para pontuação e até premiam o uso de materiais que tenham em sua composição resíduos reciclados.
Como reutilizar?
A viabilidade de reuso generalizado dos resíduos classe A na forma de agregados reciclados depende de um bom processo de gestão. “É sempre importante analisar com cuidado o melhor processo de destinação dos resíduos, considerando o potencial de reuso na própria obra geradora. Outra opção poderá ser reciclar os materiais em canteiro e transferi-los para serem empregados em uma construção diferente. Porém, vejo um sério limite para generalizar tal prática: o controle efetivo do processo de gestão para garantir produção técnica e economicamente viável dos agregados que são demandados em obras de terceiros. A superação deste limite depende de cuidados e de aprendizado típicos de gestores de resíduos especializados na produção seriada de agregados reciclados”, comenta Careli.
Para empregar esta solução sustentável, os cuidados começam durante a demolição. Nessa etapa, torna-se necessária a caracterização dos componentes, identificando limites relativos à presença de metais (contaminação por cloretos), gesso (contaminação por sulfatos), madeira (contaminação por matéria orgânica), placas cerâmicas, azulejos ou louças sanitárias (potencial reatividade álcali-sílica) e outros materiais indesejáveis. “Para cada tipo de construção pré-existente deve ser considerado um fluxo adequado de atividades para livrar os resíduos classe A dos contaminantes. Assim, é fundamental retirar peças de madeira, tubulações em PVC ou metálicas, forros de gesso, estuques, amianto, lâmpadas, entre outros. Comumente, demolidores já extraem materiais passíveis de valorização, como portas, esquadrias, luminárias e portões”, alerta o profissional.
Ele indica que a reciclagem em canteiro de resíduos classe A geralmente é feita para produção de brita corrida (sem peneiramento), o que possibilita uso simplificado dos agregados reciclados em reforço de subleito ou para mera estabilização do terreno exposto. “Nestas circunstâncias, é possível contar com extração magnética acoplada ao conjunto de reciclagem, sendo necessário providenciar equipamentos de apoio para fragmentação de peças em concreto armado, tais como tesouras ou rompedores. Esta foi a prática comum nas grandes demolições dos antigos estádios de futebol”, afirma.
Cada caso deve ser avaliado de maneira cuidadosa, examinando peculiaridades inerentes a custos operacionais, perfil de geração dos resíduos, período de execução, possibilidades de reutilização interna e alternativas para destinação externa (custos de logística) para tomada de decisão equilibrada. “Na realidade, creio que as soluções mais abrangentes e duradouras estão na especialização, pressuposto para consolidação das usinas recicladoras. Neste contexto, busca-se equilíbrio econômico e tecnológico de modo mais duradouro e confiável”, alega Careli, lembrando que o potencial para consumo dos agregados reciclados é exclusivo de obras de engenharia, quer sejam habitacionais, pavimentação, saneamento, drenagem ou infraestrutura. “Há, ainda, a possibilidade de tais materiais serem incorporados em novos produtos, substituindo parcial ou integralmente matérias-primas convencionais. No entanto, o desenvolvimento das oportunidades deve ser sempre condicionado ao conhecimento tecnológico e aos padrões locais de geração de RCC”, finaliza.
Colaborou para esta matéria
- Elcio Careli – Economista formado pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Tecnologia Ambiental pelo Centro Paula Souza – SP. É diretor da consultoria Obra Limpa e coautor do Manual de Gestão Ambiental de Resíduos da Construção Civil publicado pelo Sinduscon/SP.