Rodovias precárias prejudicam a logística de cargas
Qualidade das rodovias brasileiras está na 121ª posição, entre 140 países analisados, atrás de países como Bolívia e Peru
Redação PE
O desafio enfrentado hoje pelas transportadoras diante da precariedade das rodovias torna a logística uma atividade heroica. É inconcebível que um país com dimensões continentais como o Brasil, em que a frota de veículos cresceu 118,7% nos últimos dez anos, com uma malha rodoviária de 1.720.607 quilômetros, tenha apenas 213.299 quilômetros pavimentados, segundo uma pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT).
De acordo com os dados, o país não se encontra em posição satisfatória no ranking de competitividade global do Fórum Econômico Mundial. A qualidade das rodovias brasileiras encontra-se na 121ª posição dos 140 países analisados, atrás do Chile (45ª), Uruguai (95ª), Argentina (108ª), Bolívia (109ª) e Peru (111ª). A avaliação de infraestrutura rodoviária utiliza notas que variam de 1 (extremamente subdesenvolvida – entre as piores do mundo) a 7 (extensa e eficiente – entre as melhores do mundo). O Brasil recebeu nota 2,7.
É impossível escoar as riquezas aqui produzidas, ou mesmo atender às exigências dos compradores externos, se a ineficácia do modal rodoviário faz exportadores perderem prazos de embarque, mercadorias estragarem ou serem desperdiçadas durante o transporte.
“O Brasil castiga muito as empresas que aqui se instalam. Se 99% dos empresários brasileiros vendessem o patrimônio e colocassem dinheiro no banco, ganhariam mais do que fomentando a economia nacional”, desabafa o diretor da Primax Transportes Pesados, Antonio Luiz Leite.
Transportadoras são penalizadas com rodovias em más condições
A garra das empresas logísticas, segundo ele, é essencial para o país continuar crescendo com essa infraestrutura precária. “Elas possuem frota com centenas de caminhões bitrens e investem milhões em implementos rodoviários, que acabam sendo atolados nas mal acabadas ou destruídas nas vias da malha rodoviária”, enfatiza Antonio Leite.
O estado de São Paulo paga uma conta alta por ter rodovias em melhor estado e quase todas pedagiadas. A soja produzida no estado do Mato Grosso, por exemplo, que poderia ser transportada por trem caso o modal ferroviário realmente atendesse às necessidades para desafogar as estradas, hoje é praticamente estocada nos caminhões, que servem de depósitos sobre rodas.
“Caminhões que armazenam essa carga acabam quebrando nas estradas, congestionam as rodovias e vias de acesso ao porto. Os motoristas não têm onde comer, tomar banho, nem podem se ausentar dos veículos, e o caos na mobilidade urbana está feito”, relata o diretor da Primax.
“Contudo, somos um país com indústria pujante, mesmo diante de uma política tributária desestimuladora. Se ela fosse nossa aliada, o Brasil seria um país de primeiro mundo. A estrutura das empresas é infinitamente mais eficiente que as vias de transporte e, mesmo com todas essas dificuldades, as transportadoras se desdobram para atender os prazos”, observa.
Transporte com legislação ultrapassada
O diretor da Luna Transportes, José Antonio Spinassé, diz que a legislação em São Paulo e em outros estados que regulamentam o transporte de cargas são pífias. “Utilizamos carretas pranchas para transportar equipamentos, que precisam de autorizações especiais para circular. As normas caracterizam essas carretas como transportadoras de carga indivisível – que não pode ser desmontada – ou seja, se minha carreta é para uma única carga, mas tem as medidas e capacidades suficientes para transportar duas retroescavadeiras juntas, não posso carregar por causa da norma”, reclama ele.
Para Spinassé, existe um preconceito com carretas por ocuparem muito espaço, às vezes, o lugar de dois caminhões. “Para evitar transtornos e atender às legislações, nossas carretas fazem paradas programadas ao longo da viagem antes dos horários de restrição, para chegar em São Paulo nos horários de circulação permitida”, explica.
“Além disso, pagamos pelos eixos erguidos. Se a carreta tiver oito eixos, mas dois estiverem erguidos, paga-se pedágio pelos oito, o que é um absurdo já que quando se consegue levantar o eixo é porque a carga está leve ou o veículo vazio”, diz ele.
Caminhões adaptados para condições severas
Diante das condições rodoviárias que impactam negativamente a quem trabalha com transporte pesado, a indústria tem fornecido caminhões adaptados a essa realidade. O caminhão rodoviário Scania R Highline 620 V8 8x4, por exemplo, tem capacidade máxima de tração para 250 toneladas, equipado com motor 16 litros V8 de 620 cavalos de potência. De acordo com a Scania, essa é a maior potência entre os caminhões fabricados no Brasil, desenvolvendo um torque de 3.000Nm.
"Esse caminhão é ideal para transportar cargas indivisíveis, ou seja, peças inteiras utilizadas para construção de grandes obras”, explica Cesar Gallagi, engenheiro de produto da Scania no Brasil. “Para esse tipo de transporte, que é realizado em baixa velocidade, a potência fica em segundo plano. O mais importante é a confiabilidade da caixa de transmissão e do controle do trem de força, que precisam estar prontos para uma grande exigência em relação ao peso da carga”, completa.
Com relação à manutenção desse modelo, Cesar informa que não é totalmente diferente dos caminhões convencionais rodoviários, com boa oferta de peças e itens fabricados no Brasil. Os intervalos devem ser feitos conforme a severidade da aplicação, semelhantes aos dos caminhões bitrens. “As transportadoras conhecem bem a precariedade das rodovias, estão bem atentas à manutenção porque precisam ter o veículo em dia. Qualquer quebra ou parada de um veículo carregado na estrada causa sérios prejuízos”, arremata Cesar.
Você sabia que:
- Os grandes exércitos da antiguidade sempre utilizavam uma logística bem pensada quando partiam para conquistar territórios. Alexandre, o Grande não teria entrado para a história, tampouco chegado à Índia em 327 a.C. se não dispusesse de uma eficiente mobilidade para cruzar três continentes e conquistar o mundo;
- Nessa época em que as fronteiras do Velho Mundo eram derrubadas, pescados do mediterrâneo eram servidos nas mesas persas e as frutas indianas adoçavam os paladares atenienses. Nas regiões onde aportavam as embarcações eram erguidas as cidades;
- As rotas da seda e do sal, até o comércio de camelos pelo deserto, sempre fomentaram a formação de comunidades, revelando que o comércio tornou o homem dependente do transporte – das mais antigas engenhocas até os portentosos caminhões da atualidade – mobilidade que hoje é essencial para a sobrevivência das cidades;
- A Segunda Guerra Mundial só foi ganha pelos aliados porque os alemães perderam a eficiência logística. Segundo o diretor da Primax, Antonio Luiz Leite, quando os alemães entraram na Rússia, os russos adotaram a estratégia de não enfrentá-los, apenas faziam frente e recuavam para as regiões mais frias e inóspitas. “Até determinado momento em que a logística alemã já não conseguia abastecer os soldados do front por causa do frio e os próprios russos tinham que acolhê-los para não morrerem congelados”, diz.
Colaboraram para esta matéria
Antonio Luiz Leite - Diretor da Primax Transportes Pesados
Cesar Gallagi - Engenheiro de produto da Scania no Brasil
José Antonio Spinassé - Diretor da Luna Transportes
CNT - Confederação Nacional do Transporte