Sustentabilidade, trajetória evolutiva
Presidente do CBCS, Marcelo Takaoka comenta o cenário da construção sustentável no Brasil
Entrevista: Marcelo Takaoka
Redação AECweb
A atenção do mundo, na última década, se voltou para a necessidade de mitigar os impactos ambientais dos processos produtivos. A construção civil passou a ser pensada como setor em que há muito por fazer de forma a evitar a emissão de gases efeito estufa, especialmente na operação do edifício. Nesta entrevista ao AECweb, Marcelo Takaoka, presidente do CBCS – Conselho Brasileiro de Construção Sustentável – relata esse processo evolutivo que, segundo ele, teve início há cerca de três anos no país. Hoje, são várias as ações e programas, como o SUSHI, das Nações Unidas, voltado para moradias populares. “Esse é um caminho sem volta”, acredita.
AECweb – Qual o marco da sustentabilidade na construção civil no Brasil?
Takaoka - Tudo começa a partir do momento em que as empresas começaram a se preocupar com as questões energéticas e de água. Acordamos para a questão da eletricidade com o ‘apagão’ de 2001. Um pouco antes, no final dos anos 90, algumas instituições, especialmente universidades, já estavam trabalhando o uso racional de água. Naquele momento, principalmente na cidade de São Paulo, a água se mostrava um bem escasso. Ou se fazia um programa de uso racional de água, ou, hoje, não teríamos água para toda a população da Grande São Paulo. Mas o primeiro marco mesmo se localiza nos anos 80, com os movimentos ambientalistas que culmina com a ECO 92.
AECweb – A atenção, portanto, é anterior ao conceito de sustentabilidade na construção civil?
Takaoka - A sustentabilidade no setor começa a ser discutida de três anos para cá, quando a academia passou a desenvolver trabalhos e ‘papers’ nesse sentindo, que culmina com a reunião de Tóquio, em 2005 – foi a Sustainable Building, conferência mundial da academia e profissionais do setor da construção civil para tratar da questão da sustentabilidade. As Nações Unidas, por sua vez, fazem o encontro de Marrakech e constatam que boa parte da questão climática tem origem na emissão de gases efeito estufa dos edifícios, por meio do uso de energia elétrica. Em parte, pelo uso de materiais que têm muita energia incorporada, mas principalmente no uso e operação do edifício ao longo de seu ciclo de vida de cerca de 50 anos, período que responde por 80% das emissões. Depois do encontro de Marrakech foi criado, aqui, o CBCS - Conselho Brasileiro de Construção Sustentável e, logo em seguida, as Nações Unidas criam o SBCI - Sustainable Buildings & Construction Initiative para prédios mais sustentáveis, inclusive incorporando o clima de maneira relevante.
AECweb – E como o conceito chega no Brasil?
Takaoka - Eu acho que da mesma maneira que chega para o resto do mundo. Não vou dizer que o Brasil esteja atrás ou à frente das iniciativas que estão ocorrendo globalmente. Alguns países estão mais avançados na busca de tecnologias em energia porque são mais dependentes, como a China. Em outros casos, como no uso racional da água, nós estamos mais avançados do que a média mundial. Depende de onde está doendo o calo. De toda forma, estão todos pensando no conjunto, porque se sabe que vai ser uma demanda da sociedade.
AECweb – No momento, já é uma demanda ou não?
Takaoka - Já começa a ser, principalmente dos edifícios de mais alto padrão. Por exemplo, no segmento de edifícios comerciais as pessoas aceitam pagar um aluguel mais alto, porém têm custos de manutenção e condomínio menores. Mas não é só isso: eles aceitam esse aluguel maior por uma questão de imagem, de qualidade do ambiente interno, de conforto térmico e de outros benefícios que acabam valorizando esse tipo de edifício. Na habitação de interesse social existe um programa das Nações Unidas chamado SUSHI - Sustainable Social Housing Iniciative, faz parte do SBCI e é representado no Brasil pelo PNUMA e o CBCS.
AECweb – O que é exatamente o SUSHI?
Takaoka - O Sushi abrange, principalmente, as questões energética e de água, e de conforto térmico – até porque por trás da questão energética está o conforto térmico. É um programa experimental para desenvolver habitações sociais mais sustentáveis. Na prática, se traduz em dois projetos: um no Brasil e outro na Tailândia, com várias universidade e conselhos envolvidos. No Brasil, o CBCS está iniciando esse trabalho com algumas entidades para entender um pouco a habitação social e o que pode ser feito em energia e água, acessibilidade e conforto térmico dentro da habitação. O produto final será, dentro de um ano, um protótipo montado.
AECweb – Qual o elo da cadeia produtiva que melhor incorporou as exigências da sustentabilidade?
Takaoka - O setor da construção só evolui de forma sistêmica. O segmento de materiais evolui quando o da construção começa demandar mais qualidade dos produtos que estão sendo usados. Portanto, não acredito numa melhora parcial ou fragmentada do setor.
AECweb – Os arquitetos estão envolvidos com o conceito?
Takaoka - Sim, estão começando a se ocupar da sustentabilidade porque os clientes demandam, a sociedade pergunta como que é isso, as pessoas querem, no mínimo, fazer alguma coisa a respeito.
AECweb – Como o CBCS analisa a questão da autoconstrução?
Takaoka - O grande desafio é levar profissionais com conhecimento para esse segmento da construção civil, de forma que possam transferir informação para as pessoas que estão fazendo a autoconstrução. E, mesmo que elas não tenham o conhecimento técnico necessário para executar, deveriam estar conscientes de que precisam chamar um profissional para ajudá-las. Esse profissional tem que estar capacitado para trabalhar com as questões da sustentabilidade de acordo com as necessidades do indivíduo. Esse é o grande desafio no Brasil, nos próximos anos.
AECweb – Como chegar a esse segmento da população?
Takaoka - Em princípio, as pessoas estão preocupadas em buscar o mínimo necessário de conforto e de infraestrutura para viver bem. Na habitação popular, isto começa a mudar com os programas de financiamento com baixas taxas de juros permitiu a essas pessoas acesso a casas e a uma melhor qualidade de vida. O próximo passo é essa população demandar mais qualidade na habitação que estão comprando. É preciso que o mercado tenha consciência de que o projeto sem qualidade, apresentará obsolescência prematura, desvalorizando o imóvel. As pessoas podem de repente abandonar esse imóvel e comprar outro de melhor qualidade.
AECweb – Ou seja, sustentabilidade na construção é também qualidade de vida da população?
Takaoka - Sim, e é segurança para o sistema financeiro que está emprestando, porque se o imóvel fica obsoleto prematuramente o financiador perde garantia do financiamento que ele deu.
AECweb – Já há algum tempo os bancos se interessam pela questão da sustentabilidade?
Takaoka - Pelo Princípio do Equador, os bancos assumiram uma série de compromissos e passam a ser responsáveis por alguns impactos gerados pelos financiados. Esse princípio estabelece que as instituições financeiras têm que amenizar o impacto social e ambiental gerado pelo fato de estarem ofertando financiamento a empresas e pessoas. Não é específico para o setor da construção civil e foi estabelecido em junho de 2003 pelo IFC - International Finance Corporation, instituição vinculada ao Banco Mundial.
AECweb – Qual a sua perspectiva de futuro para a sustentabilidade?
Takaoka - Esse é um caminho sem volta. A Cop 15, realizada em dezembro último, demonstra isso, por mais que haja resistência das pessoas, governos e empresas, a negociação está andando. Quem atrapalhar essa trajetória vai ser engolido pelos outros.
Redação AECweb