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Uso de fontes alternativas em edifícios precisa de gestão

Nesse tipo de gestão, edifício é o “produtor” de água e se responsabiliza pela qualidade. Mas a prática é ignorada muitas vezes – incluindo limpeza e manutenção

Publicado em: 02/09/2009Atualizado em: 26/11/2019

Texto: Redação AECweb

gestão de água em edifícios
Além de soluções tecnológicas, é necessário conscientizar os usuários sobre o uso racional de água (foto: canadastock/shutterstock)

O Brasil possui cerca de 57% da água doce superficial da América do Sul e 13,8% do mundo. No entanto, cerca de 70% desses recursos se concentram na região norte, caracterizada pela menor densidade populacional do país. Os dados revelados pela engenheira Marina Ilha, professora doutora da Unicamp, apontam para a adoção de medidas de conservação do uso da água nas edificações. “A gestão do consumo pode ser efetuada, tanto do ponto de vista da demanda, através da otimização do consumo, reduzindo desperdícios, como do da oferta de fontes alternativas à oferecida pela rede pública. Para a efetiva otimização do consumo, a gestão da demanda deve sempre preceder a gestão da oferta”, ensina.

Para a efetiva otimização do consumo, a gestão da demanda deve sempre preceder a gestão da oferta
Marina Ilha

Há uma série de providências possíveis voltadas para a gestão da demanda, que vão desde o projeto e materiais dos sistemas hidráulicos prediais até mudanças culturais da população. A professora cita alguns exemplos, como a setorização da medição, denominada medição individualizada em edificações residenciais; acessibilidade dos componentes para a realização da manutenção, para a rápida localização de vazamentos; traçados otimizados, com a redução de juntas; uso de tecnologias economizadoras; redução das pressões envolvidas, gerando menor desperdício - limitação das pressões nos pontos de consumo -; e sensibilização dos usuários para o uso racional de água.

“Estas medidas também podem ser adotadas em edificações existentes, porém algumas delas apresentam um grau de complexidade maior, com custos iniciais associados elevados”, alerta e continua: “Exauridas as medidas de uso racional, em determinadas tipologias de edificações, podem ser adotadas fontes alternativas de água para fins restritos de uso de água não potável, entre eles a irrigação paisagística e lavagem de pisos. Porém, o emprego de fontes alternativas deve ser restrito a edificações que possuem equipes de gestão, de forma a garantir a inexistência de problemas de contaminação que possam comprometer a saúde dos usuários”, ressalva. A professora define como fonte alternativa todo e qualquer tipo de água que não é proveniente da rede pública de abastecimento. As mais citadas são a água pluvial e as águas provenientes do uso de aparelhos e equipamentos sanitários, como chuveiro, lavatório e máquina de lavar roupas.

GESTÃO

O emprego de fontes alternativas deve ser restrito a edificações que possuem equipes de gestão, de forma a garantir a inexistência de problemas de contaminação que possam comprometer a saúde dos usuários
Marina Ilha

“Quando se fala em uso de fontes alternativas, o que realmente importa é a existência de um sistema de gestão eficiente”, ressalta a professora. Ao utilizar fontes alternativas, o edifício passa a assumir a função de produtor de água e, portanto, deve assumir também a responsabilidade pela garantia da qualidade da água. É exatamente nesse ponto que está o principal gargalo: “Edifícios residenciais em geral não possuem sistema de gestão, a manutenção preventiva é inexistente e, muitas vezes, nem mesmo os procedimentos básicos, como limpeza dos reservatórios e manutenção de bombas, são realizados a contento. Portanto, nesses casos, o uso de fontes alternativas deve ser visto com resguardo”, observa.

Por outro lado, edifícios industriais e alguns tipos de edifícios comerciais já utilizam fontes alternativas de forma responsável, levando em consideração todos os riscos envolvidos. “E, aqui, vale a mesma consideração já feita: o condomínio ou a empresa, é responsável pela garantia da água disponibilizada. São vários os riscos associados quando se utiliza água potável e não potável em edifícios. Há possibilidade de contaminação por contato direto com as pessoas, por retrossifonagem (retorno) ou por conexão cruzada”, ensina Marina Ilha. Os sistemas de aproveitamento e tratamento de água de fontes alternativas ainda exigem normalização. Em 2007, foi publicada a norma de sistemas de aproveitamento de água pluvial, NBR 15527:2007, “a qual, contudo, é apenas uma primeira abordagem do problema”, observa, acrescentando que para os sistemas de reúso, não se tem normalização específica, apenas algumas diretrizes na norma de projeto de tanques sépticos.

ALTERNATIVAS

Segundo a engenheira, o tratamento de água pluvial ou de esgoto sanitário gerado no edifício antes da disposição - e não para o reuso - é uma prática que vem sendo incentivadas em diferentes países. “Há vários casos de sucesso de emprego de sistemas de fontes alternativas em outros países, porém, há normalização correspondente e componentes que evitam os problemas citados, além de sistema de gestão ou usuários sensibilizados para o problema, entre outros aspectos”, comenta. E, no Brasil, o que fazer?

“Considerando a realidade atual do país, sistemas de fontes alternativas não devem ser previstos em edificações residenciais, a não ser para usos muito específicos, como o de água pluvial para lavagem de piso. Nessas edificações, a adoção de medidas visando a otimização da demanda é efetiva e deveria ser obrigatória. Nas demais tipologias de edificações, após a implementação das medidas voltadas para a otimização da demanda, deve-se ponderar o custo-benefício desses sistemas”, orienta Marina Ilha, que oferece alguns exemplos: “Se o projeto de paisagismo contempla o emprego de plantas que necessitam de pouca ou nenhuma rega, qual o benefício de se prever uma fonte alternativa para irrigação? Será que os pisos precisam ser higienizados com a abundância de água normalmente empregada para esta atividade? A simples mudança de procedimentos não basta para reduzir drasticamente o consumo?”.

Ao optarem pela adoção de sistemas de reuso de fontes alternativas, as construtoras devem considerar que são várias as interfaces com os sistemas hidráulicos convencionais. A professora lembra que decorre, daí, a previsão de uma grande quantidade de modificações no projeto convencional, muitas delas não devidamente elucidadas em relação ao grau de proteção. “Sistemas de fontes alternativas devem ser totalmente independentes dos sistemas de água potável e isso aumenta a complexidade dos sistemas prediais. A necessidade de reservatórios e linhas de tubulações exclusivas implica na alocação de espaços, na maioria das vezes inexistentes no terreno”, conclui.

Colaboração técnica

engenheiro civil marina ilha
Marina Ilha — Graduada em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Maria (1985), com mestrado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP (1991) e doutorado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP (1996). Atualmente é livre-docente (professor adjunto) da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Instalações Prediais, atuando principalmente nos seguintes temas: sistemas prediais hidráulicos, sanitários e de gás combustível e em conservação de água em edifícios. É sócia fundadora do CBCS - Conselho Brasileiro da Construção Sustentável.