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Uso racional da água: tecnologia e cultura

Engenheiro Orestes Marraccini aborda sobre os sistemas e a gestão de demanda que buscam racionalizar o consumo da água.

Publicado em: 26/08/2010Atualizado em: 01/04/2021

Texto: Redação AECweb

Entrevista: Orestes Marraccini Gonçalves

Uso racional da água: tecnologia e cultura

Insumo precioso e cada vez mais caro, a água é consumida indiscriminadamente por boa parte da população que, por razões culturais, ainda não incorporou hábitos de uso racional. Além da reeducação, a indústria de materiais ocupa-se do desenvolvimento e, em alguns casos, do aperfeiçoamento de produtos e sistemas economizadores. É o que conta o engenheiro Orestes Marraccini Gonçalves ao portal AECweb. Professor do Departamento de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP, Marraccini alerta para os aspectos tecnológicos e de gestão de demanda.

Redação AECweb

AECweb – Qual a função dos equipamentos economizadores?
Marraccini - No uso racional da água, o objetivo principal é reduzir a demanda, o consumo de água. Para alcançar esse fim, os pesquisadores desenvolvem, há alguns anos, estudos na linha dos equipamentos economizadores de água. Aliado ao uso das tecnologias já disponíveis no mercado, é fundamental que as edificações adotem a gestão de demanda, procedimento que vai desde a atuação dos facilities em grandes complexos condominiais e comerciais, até o morador em sua residência.


AECweb – Quais são as opções e equipamentos disponíveis no mercado?
Marraccini - Os metais sanitários como chuveiros e torneiras economizadores são bastante eficientes e atendem as normas técnicas de qualidade. É bom ressaltar que os programas setoriais da qualidade valem para todos os metais sanitários, economizadores ou não. Mesmo para as torneiras tradicionais, existem estudos e aperfeiçoamentos em prol da redução de consumo, como aqueles que tratam de vazamentos e dispersão de jato. As bacias sanitárias, por sua vez, devem usar o volume reduzido de descarga para serem consideradas economizadoras. Esses produtos também têm seu programa setorial da qualidade, que estabelece limites normativos para o volume de descarga.



AECweb – E a gestão de demanda?
Marraccini - Em relação à gestão da demanda, é importante a verificação constante dos indicadores de consumo, como o hidrômetro. Esse procedimento permite que, caso haja alguma anomalia, o problema seja detectado rapidamente.


AECweb - Como é feita a gestão da demanda em edifícios corporativos, comerciais e residenciais?
Marraccini - Nas residências, quem faz esse papel é o hidrômetro. Em edifícios mais complexos, com consumidores de perfis distintos, a gestão deve ser feita considerando a setorização do consumo. Esses setores são definidos de duas maneiras: a primeira leva em consideração as questões técnicas, e a segunda privilegia o isolamento de atividades definidas. Em grandes conglomerados, como a Universidade de São Paulo, pode-se dividir a demanda em três tipos de uso: aquele que é eminentemente de pessoas; outro que compreende o uso por pessoas e uso intensivo da água; e aqueles que são apenas de uso intensivo da água, como os laboratórios e restaurantes. Quanto mais se setorizar o consumo da água, melhor será o gerenciamento da demanda. Em um prédio residencial ou comercial, o setor equivaleria ao escritório ou apartamento, com medição individualizada.


AECweb – A construção civil está atenta para a questão do consumo?
Marraccini - Nos últimos 15 anos, o comportamento do usuário passou por mudanças que o levou a se preocupar mais com o assunto e cobrar uma posição responsável dos construtores. Agora, nenhuma medida de gestão de demanda reduz, efetivamente, o consumo. Ela é apenas um indicador de quanto as pessoas estão gastando de água. A partir desse resultado, é que medidas economizadoras deverão ser tomadas.


AECweb – E quando não há gestão do consumo?
Marraccini - Quando não há gestão do consumo, o preço da conta de água evidencia que alguma coisa está errada. Mas até se tomar alguma providencia para sanar o problema, já se passaram dois meses. Na USP, onde há programas de gerenciamento do uso de água, nós conseguimos detectar e resolver as anomalias em pouquíssimos dias.


AECweb – O custo do sistema economizador é muito maior que o convencional?
Marraccini - As tecnologias disponíveis no mercado que reduzem o consumo de água são mais caras que as tradicionais. Porém, elas acabam se pagando ao longo dos anos pela economia que proporcionam. Mesmo que na hora da compra o valor seja superior ao do produto convencional, vale a pena optar pelos economizadores. Em lugares públicos, onde o uso da água é muito maior, o retorno desse investimento se dá em um prazo curtíssimo de tempo.


AECweb – Em locais públicos, como shopping center, qual o melhor sistema?
Marraccini - Existem dois sistemas bastante utilizados: o de aproximação, com infravermelho, e o pressostático, acionado pelo usuário. É difícil de responder qual deles é melhor, por que existe uma série de variáveis envolvidas na escolha, como custo, payback e manutenção.


AECweb – Quais critérios devem nortear a escolha das construtoras?
Marraccini - Tudo vai depender dos estudos realizados. Uma variável importante é a intensidade de uso; outra envolve a capacidade e o tempo para manutenção. A qualidade do equipamento somada à qualidade de atendimento da empresa fornecedora no pós-venda fecham os itens mais relevantes na hora da escolha.


AECweb – Em hospitais, quais são os sistemas usados?


Marraccini - Hoje, nós temos os sistemas acionados com o pé e com o braço, esses últimos muito utilizados nas salas cirúrgicas, para evitar a contaminação. As tecnologias usadas em hospitais conseguem aliar higiene com economia de água.



AECweb – Como equilibrar o gasto maior de água para reciclar o lixo com a necessidade de economizar?
Marraccini - O fato de lavar o lixo que vai para reciclagem, embora necessário, é, antes de tudo, uma atitude cultural. Para as pessoas que adotam tal medida, uma alternativa é reduzir o tempo de lavagem. Percebo que as pessoas entendem a sustentabilidade muito mais como economia energética, delegando a redução do consumo de água a um plano menor. É importante olhar a questão como um ciclo, pois a água, embora tenha foco mundial, tem especificidades regionais muito marcantes – na região metropolitana de São Paulo, o uso racional é fundamental. A análise do ciclo deve considerar, também, os aspectos culturais da população, pois, se por um lado, há pessoas que lavam o lixo reciclável, por outro, há aquelas que pecam em aspectos de higiene, o que torna o problema de consumo racional da água muito maior.


AECweb – Há exemplos?
Marraccini - Um bom exemplo é uma dissertação feita por um aluno na Poli-USP. Para pesquisar o uso racional da água em escolas brasileiras, ele comparou contas de água e percebeu que algumas apresentavam indicadores muito baixos. Poderia ser, obviamente, um indicativo de que já existiam escolas com uma fantástica mentalidade de uso racional da água. Mas a situação não era essa. Visitando tais escolas, ele constatou que o baixo valor da conta se originava na precária manutenção dos banheiros, que estavam quebrados e interditados. Essa, definitivamente, não é uma situação adequada. Ou seja, tanto o uso racional da água, quanto as questões de higiene em geral, são diretrizes, proposições que delineiam possibilidades de ação. Elas servem para orientar os programas de ação e devem ser avaliadas dentro de um contexto, de um ciclo.

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Redação AECweb


Uso racional da água: tecnologia e cultura Orestes Marracini Gonçalves: Engenheiro Civil pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 1974; Mestre, Doutor e Livre-Docente na área de Sistemas Prediais da Poli-USP; Professor Titular do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Poli-USP. É diretor da Tesis – Tecnologia de Sistemas em Engenharia S/C Ltda; Coordenador da Linha de Pesquisa de Sistemas Prediais da Poli-USP, desde 1987; Membro do Work Group W62– Water Supply and Drainage for Buildings do CIB- International Council for Research and Innovation in Building and Construction, desde 1986; Membro do Grupo de Assesoramento Técnico do PBQP-H – Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat Humano, desde 1997; Coordenador técnico do PURA - Programa do Uso Racional da Água da USP, desde 1996; Diretor de Tecnologia da ONG Água e Cidade, desde 2002.